Resenhando | “Para todos os garotos que já amei” um conto moderno sobre amor e autodescoberta
Bem-vindo ao Resenhando! Uma série de três textos que vai analisar três filmes de romance adaptados de livros, aqueles que você simplesmente não pode perder na vida. Este é o segundo texto de uma trinca incrível, então depois de se deliciar com este, não esqueça de conferir os outros dois. Prometo que você vai adorar! Então, prepara a pipoca, pega o controle remoto e liga a TV, porque depois dessas resenhas, você vai correr para assistir aos filmes!
Por: Hayana Ribas
Ao analisar a estrutura de roteiros cinematográficos, autores destacam frequentemente a clássica narrativa de “menino conhece menina”/”menina conhece menino”, uma fórmula recorrente em comédias românticas onde um encontro transforma drasticamente a vida dos envolvidos. Essa abordagem persiste em filmes e séries contemporâneos, servindo para muitos como o ideal de relacionamento. No entanto, “Para Todos os Garotos que Já Amei” desafia esse padrão do “amor perfeito” e outros convencionalismos.
O filme original da Netflix é baseado no livro de mesmo nome escrito por Jenny Han, e segue a jornada de Lara Jean (Lana Condor), uma jovem sonhadora cheia de amores platônicos. Em vez de lidar com eles ou tentar conquistar os garotos, ela opta por guardar seus sentimentos, escrevendo cartas apaixonadas que mantém escondidas em seu quarto. Esse paralelo é intrigante: Lara Jean guarda suas declarações em uma caixa, assim como esconde seus sentimentos no fundo do coração. Porém, seguindo uma estrutura clássica de jornada do herói, seu mundo comum é subitamente abalado quando todas as cartas são misteriosamente enviadas, forçando-a a enfrentar as consequências.
Condor brilha ao retratar uma protagonista insegura e adorável. A cada interesse romântico que surge ou conversa que se faz necessária, Lara Jean questiona e reconstrói seus conceitos sobre o amor. Como filha do meio em uma família de três irmãs, ela carrega o peso de ter perdido a mãe na infância, um trauma que permeia tudo: apesar de sua natureza romântica, ela evita se entregar completamente aos relacionamentos por medo de perder aqueles que ama, assim como aconteceu com sua mãe. Ao abordar um conflito tão profundo através de situações cotidianas, “Para Todos os Garotos que já Amei” cria empatia com o público, que pode não concordar com a timidez da protagonista, mas certamente compreende suas razões.
Acima de tudo, o filme aborda a importância de compreender as próprias emoções. Lara Jean não acorda em um dia ensolarado e vê todos os seus problemas desaparecerem como num conto de fadas. Ela gradualmente constrói sua confiança, superando antigos traumas e aprendendo a ver a si mesma como alguém digno de amor e capaz de amar os outros.
A importância da representatividade
Embora possa parecer mais um filme adolescente clichê, a produção pode surpreender. Lara Jean não se encaixa no típico estereótipo de perdedora dos filmes americanos, ela não sofre bullying e não sonha em entrar para o grupo das garotas populares da escola. Além disso, ela foge do padrão das protagonistas que estamos acostumados a ver: Lara Jean é de ascendência asiática, como a autora do livro, e se destaca por seus looks e acessórios únicos.
Este é certamente um dos aspectos distintivos do filme dirigido por Susan Johnson: ser protagonizado por uma atriz asiática. Lana Condor, conhecida por papéis menores como Jubileu em “X-Men: Apocalipse” (2016) e Li em “O Dia do Atentado” (2016), foi escolhida para estrelar o projeto, marcando sua ascensão.
É ainda mais notável considerar que quase todos os estúdios de Hollywood interessados na adaptação exigiram uma atriz caucasiana para o papel principal. No entanto, Han resistiu a essas pressões e manteve os direitos até que a Netflix, a gigante do streaming, se interessou em dar continuidade ao projeto. O resultado foi um dos maiores sucessos da plataforma, que gerou duas sequências: “Para Todos os Garotos: P.S. Ainda Amo Você” (2020) e “Para Todos os Garotos: Agora e Para Sempre” (2021).
A produção é um lembrete para aqueles que subestimam a importância da representatividade. Embora esse elemento nunca seja o foco da trama, as origens familiares da protagonista são apresentadas de forma natural. Filha de um casal inter-racial, seu pai, interpretado por John Corbett é apresentado como um homem branco, enquanto sua mãe é uma mulher asiática, Lara Jean enfrenta a questão de sua identidade de maneira sutil. A presença de dois interesses amorosos com diferentes origens étnicas, incluindo sua paixão por um rapaz negro, destaca o debate sobre diversidade sem ser imediato. Esse equilíbrio é um grande acerto do filme.
Estética e trilha sonora: uma homenagem aos anos 80
Uma das coisas que achei mais fascinantes nesta adaptação foi como ela consegue ser ao mesmo tempo diferente e fiel ao livro. Certos enredos do livro foram deixados de lado, algumas cenas no filme não existem no livro, e outras foram modificadas. No entanto, os leitores têm a impressão de que a fidelidade ainda, sim, está ali. É como se a essência do livro estivesse magicamente preservada, e concluí que isso se deve à sua alma, que reside em seus personagens.
Outro aspecto em que o filme se destaca é na sua fotografia e trilha sonora. Tudo nele evoca a estética das comédias românticas dos anos 80, proporcionando uma sensação de clássico instantâneo que nos faz sentir nostalgia por aquelas histórias simples e adoráveis que tanto amamos.
Os primeiros trinta minutos do filme prometem captar a atenção do espectador. Enquanto a vida da personagem se desenrola diante de nós, a direção fotográfica cuidadosa de Susan Johnson lembra os filmes clássicos. As cores são harmonizadas de maneira a destacar o cenário, com posicionamentos cenográficos que são meticulosos.
Outra característica marcante do filme é o dinamismo. Os frequentes cortes conferem uma movimentação interessante à câmera, contribuindo não apenas para o enquadramento, mas também para uma atuação mais detalhista e sistemática. Dessa forma, o filme ganha força em seu ritmo, além de acertar no timing dos alívios cômicos, que não se prolongam demais. Anna Cathcart, que interpreta a irmã mais nova de Lara Jean, Kitty, se destaca especialmente nesse aspecto, sendo habilmente explorada para o humor. Além disso, Cathcart impressiona com sua sólida atuação e diálogos genuinamente divertidos.
Os aspectos técnicos do filme são dignos de elogio especial. Desde a direção de arte, a cargo de Steve Scott, até o figurino concebido por Rafaella Rabinovich, cada detalhe é meticulosamente pensado para enfatizar o contraste entre o mundo real e o confortável mundo de fantasia onde Lara Jean reside. Um exemplo claro disso é o quarto da protagonista, um espaço repleto de tons de rosa e roxo que evoca um ambiente digno de uma princesa, embora não seja perfeito, o quarto é bagunçado com roupas e pertences espalhados pelo chão. Essa mistura de cores e detalhes reflete a confusão interna da protagonista, tornando o ambiente ao mesmo tempo belo e revelador.
“Para Todos os Garotos que Já Amei” não buscou ser sensacional ou inovador, ao contrário, transformou o simples em algo sincero e o trouxe para nosso tempo. Sem heróis machistas ou mocinhas que precisam mudar totalmente o visual para conquistar o garoto dos sonhos mais popular. Não há atores perfeitos de capa de revista, apenas pessoas comuns, bonitas de um jeito possível. Peter é popular, mas não é o mais especial nem o conquistador. Ele é apenas um garoto. Lara Jean é quieta e tímida, mas não é motivo de chacota nem boba. Ninguém muda por ninguém, eles aprendem um com o outro. A produção é uma comédia romântica, com todo o seu encanto “impossível” na vida real, mas ainda assim, relacionável.
Saiba mais sobre o filme
Nome: Para Todos os Garotos que Já Amei (To All the Boys I’ve Loved Before)
Ano: 2018
País: EUA
Direção: Susan Johnson
Roteiro: Sofia Alvarez
Elenco: Janel Parrish, Lana Condor, Noah Centineo, Andrew Bachelor
Duração: 100 minutos.
Nota no Rotten Tomatoes: 96% de aprovação.
Onde assistir: Netflix.