A ponte entre Vila da Glória e Vigorelli: avanço ou ameaça ambiental?
Por Stephanie Dumke e Beatriz Sá
A Baía da Babitonga, localizada no litoral norte de Santa Catarina, é um importante estuário. Suas águas abrigam uma rica biodiversidade marinha, abrangendo uma vasta área de manguezais e oferecendo habitat para espécies ameaçadas, como a toninha (Pontoporia blainvillei) e o boto cinza (Sotalia guianensis). Historicamente, é uma região que se destacou por sua biodiversidade e importância socioeconômica, sendo um ponto de pesca tradicional e turismo, além de abrigar grandes zonas portuárias, em São Francisco do Sul e Itapoá. Mas, com o crescimento industrial e urbano de Joinville ao longo das décadas, a baía tem enfrentado desafios ambientais significativos, como a poluição e a perda de áreas de manguezal.
A proposta de construção de uma ponte ligando a Vila da Glória a Vigorelli, um trecho de 1,1 km sobre a Baía da Babitonga, voltou a ser debatido após a interdição temporária do ferry boat que realiza a travessia entre as duas regiões. Essa discussão se acentuou no início de 2024, destacando a fragilidade do sistema de transporte atual e a necessidade de uma solução mais eficiente para conectar essas duas áreas, além de facilitar o transporte de turistas e estimular a economia local.
A preocupação com o impacto ambiental
A Baía da Babitonga, um dos ecossistemas mais ricos do litoral catarinense, abriga uma grande diversidade de fauna e flora. A região é conhecida por seus manguezais, restingas e áreas de mata densa, além de desempenhar funções essenciais para a preservação ambiental já que muitos estudiosos pesquisam e analisam a região. Dentre as espécies que habitam a baía, encontram-se caranguejos, peixes e tartarugas, cujos ciclos de vida e habitats podem ser severamente impactados pela construção da ponte.
Para a educadora ambiental Kátia Baeta, “os riscos são imensos, como a poluição e a interferência na circulação das águas, o que pode ter consequências devastadoras para a biodiversidade local”. Além disso, o aumento da infraestrutura presente no local pode desencadear um ciclo de degradação ambiental, com o surgimento de novos projetos urbanos que frequentemente resultam em desmatamento e perda de habitats naturais. Dessa forma, a ponte poderia não ser apenas uma obra de infraestrutura, mas um impulsionador de uma série de impactos ecológicos irreversíveis.
A necessidade de estudos e participação pública
A educadora defende ainda que o projeto seja submetido a estudos de impacto ambiental completos, que incluem consultas públicas, avaliações detalhadas e planos de mitigação dos impactos. A construção de uma ponte pode, de fato, trazer benefícios para a mobilidade e para o setor turístico, mas esses ganhos precisam ser cuidadosamente equilibrados com a preservação ambiental. Um planejamento que não considere as particularidades ecológicas da Baía da Babitonga pode resultar em danos irreparáveis à fauna e à flora locais, com consequências que afetam não apenas a natureza, mas a própria qualidade de vida das populações que dependem dos recursos naturais da região.
Sabemos que a população sempre preza para o que é mais barato para si, e deixar de pagar pela travessia de ferry boat sempre será a melhor opção para quem só vê este lado, sem considerar os impactos ambientais. Por isso, é importante incluir a população no estudo desta nova construção, mas também trazer especialistas ambientais que possam mostrar o outro lado da moeda.
Além disso, a importância de envolver a comunidade local e especialistas no processo de tomada de decisão é um ponto crucial. “A participação de todos os interessados, incluindo moradores da Vila da Glória, Vigorelli e ambientalistas, pode resultar em soluções mais equilibradas, que atendam às necessidades de desenvolvimento sem comprometer a preservação ambiental”, reforça Katia
Katia Baeta destaca que a expansão urbana, que muitas vezes vem junto com a construção de grandes obras de infraestrutura, tende a causar uma degradação progressiva do meio ambiente. Assim, a ponte, se não for planejada com um foco ambiental, pode ser o primeiro passo para um processo de urbanização descontrolada, que amplifique os problemas ecológicos da região.
Alternativas sustentáveis e o uso de transporte público
Em meio a essas preocupações, a educadora defende que a solução para a mobilidade não precisa estar atrelada à construção de uma ponte. O uso do ferry boat, ainda que limitado em termos de eficiência, representa uma alternativa mais sustentável a longo prazo, sem os riscos de comprometimento ambiental associados à construção de uma ponte. Investir em soluções que aprimorem o sistema de transporte fluvial, com o uso de embarcações mais modernas e menos poluentes, poderia ser uma maneira de resolver o problema da travessia sem prejudicar o ecossistema local.
Mas, recentemente, no último dia 19, a licitação para o serviço de ferry boat entre a Vigorelli e a Vila da Glória, prometida em janeiro pelo secretário de Estado da Infraestrutura e Mobilidade, Jerry Comper, não vai mais acontecer. O governo de Santa Catarina voltou atrás e concedeu uma autorização para a F. Andreis, que realiza a travessia na região há 30 anos.
A construção dessa ponte é um exemplo do desafio enfrentado pelas comunidades costeiras e áreas de grande biodiversidade no Brasil quando o assunto é tentar equilibrar o desenvolvimento urbano e a expansão do turismo com a preservação do meio ambiente. Embora o projeto traga avanços na mobilidade e no turismo local, os riscos ambientais são grandes e precisam ser estudados. Já que a pressão por mais infraestrutura não pode se sobrepor à necessidade de preservar a natureza, principalmente em um momento em que há tantos debates por um meio ambiente melhor.
Para conhecer um pouco mais sobre a Baía da Babitonga, assista ao documentário Litoral Invisível produzido pelas acadêmicas de jornalismo Beatriz Sá e Stephanie Dumke.