Atletas transformam a natação em parte da sua rotina
Por Caroline de Apolinário
Para estarem aptas às competições de natação, as piscinas devem ter entre dois e três metros de profundidade, e o comprimento deve ser de 25 ou 50 metros. A distância entre as raias, que são as boias que separam os espaços de cada nadador, deve ser de, no mínimo, 2,5 metros.
Esse é o tamanho da piscina que visitei na Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), no bairro Iririú em Joinville. As mensagens trocadas com Patrícia Baptista, coordenadora de natação, me fizeram conhecer a APJ, uma Associação Paralímpica que atende atletas com deficiência auditiva, física, visual, intelectual e múltipla, nas modalidades canoagem, triathlon, vôlei sentado e natação.
A data foi combinada uma semana antes. O dia estava quente e eu esqueci completamente que a roupa importava para o lugar. Mas mesmo com uma camiseta preta no calor de quase 30°, empunhei câmera, microfone e um documento no celular com diversas perguntas. E assim conheci algumas das histórias que se passavam por baixo das águas cristalinas, com o cheiro sutil de cloro que se misturava com o aroma das árvores ao redor.
Enquanto conversava com a professora Alessandra Quintino à beira da piscina sobre sua rotina diária e especialização na área, ela intercalava a conversa com os sinais de largada para seus alunos. Um método para dizer ‘Prepara, vai’. Dessa forma, eles iam e vinham o tempo todo, repetindo sessões de cerca de quatro minutos cada. Uma das características que eu aprendi por lá sobre a largada, é que pode ser feita na água, no caso atletas de classes mais baixas e que não conseguem sair do bloco realizando o salto.
Observei o cuidado e a precisão com que a professora segurava uma haste e a usava apenas em dois alunos específicos. Esse objeto é conhecido como tapper, um bastão com ponta de espuma utilizado para sinalizar aos nadadores cegos que estão se aproximando das bordas. O gesto, aparentemente simples, carregava uma responsabilidade: a única forma de alertá-los no momento certo de virar, garantindo sua segurança e ritmo de nado dentro da piscina.
Ao acompanhar as Paralimpíadas de 2024, me questionei por que havia tantas provas de natação. Até entender que os atletas são classificados em categorias diferentes, juntamente com os números no nado paralímpico, projetado para nivelar o campo de jogo.
Cada letra e número possui um significado específico:
- S (Sprint): categoria de nado livre e nado borboleta.
- SB (Breaststroke): provas de nado peito.
- SM (Medley): provas de nado medley, que combinam diferentes estilos de nado (livre, borboleta, peito e costas).
- S1 a S10 (ou SB1 a SB10, SM1 a SM10): categorias para nadadores com deficiências físicas, onde o número menor (como S1) indica um nível mais severo de deficiência, enquanto números maiores (como S10) representam deficiências mais leves.
- S11 a S13: categorias para nadadores com deficiência visual, S11 é para atletas com visão muito limitada ou nula, enquanto S13 é para aqueles com visão reduzida, mas que ainda conseguem ver de alguma forma.
- S14: esta categoria é para nadadores com deficiência intelectual.
Impacto do esporte na vida de uma mãe e seus filhos
Em um determinado momento, perguntei à professora Alessandra se havia familiares que pudessem falar comigo e ela me indicou a pessoa que estava do outro lado da piscina. Com uma postura atenta, a mulher também segurava o tapper. Descobri que era Lucia, mãe de dois atletas cegos que estavam treinando. Ela me lembrou da minha própria mãe. Não apenas por compartilharem o mesmo papel, mas pela forma como observava os filhos na piscina, com uma aura protetora e acolhedora. Era como se, a cada ação deles, soubesse exatamente quando intervir, mas permitisse que dessem o próximo passo por conta própria.
Aos 53 anos, Lucia Rieper Janing é uma ex-moradora de Garuva, agricultora e pedagoga, especializada em mobilidade e acessibilidade. Devido à barreira linguística, pois em sua casa só se falava alemão, aprendeu português somente aos 20 anos. Trabalhou para oferecer o melhor aos seus quatro filhos, dois dos quais têm deficiência visual devido à amaurose congênita de Leber, uma doença degenerativa hereditária rara que leva à disfunção da retina numa idade precoce. Sua filha mais velha, Daiane Janing, de 32 anos, e o caçula, como se referiu ao filho mais novo, Allan Guilherme Janing, de 18 anos, estão entre as 500 mil pessoas cegas no Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2023.
A mãe contou sobre o choque de quando recebeu o diagnóstico de deficiência da primeira filha com a voz carregada de emoção. Nas suas palavras, ‘ficou sem chão’. Há 32 anos, para a família, o cenário era mais complicado. Ela e o marido seguiram os conselhos médicos e buscaram garantir os direitos dos filhos, mesmo com dificuldades em diversas áreas, desde a escola até a sociedade.
Ao tentar explicar, trouxe um exemplo da escritora, Emily Perl Kingsley, no sentido de que, quando um casal se prepara para ter filhos, é como se estivesse planejando uma viagem para a Holanda. Eles fazem toda uma pesquisa de campo. Conferem o clima, planejam as roupas que vão levar, aprendem um pouco da língua local, procuram pontos turísticos para visitar, pesquisam os melhores restaurantes, hotéis e até estudam sobre a política econômica do lugar, para aproveitarem ao máximo.
No dia da viagem, eles arrumam as malas, vão para o aeroporto e embarcam no avião. Durante o voo, de repente, recebem uma notícia inesperada: a aeromoça avisa que houve um problema e que, em vez de pousarem na Holanda, terão que descer na Noruega. O casal fica em choque. “Mas nós nos preparamos para outro lugar”, pensam.
Esse choque inicial, essa sensação de perda de controle, é semelhante ao que os pais sentem quando recebem a notícia de que seu bebê nasceu com uma deficiência. A vida que eles imaginaram, os planos e expectativas, mudam drasticamente. Mas, assim como na viagem, eles não podem simplesmente parar. Não há como voltar ou mudar o destino. Eles precisam continuar a jornada, agora em um país diferente, com uma realidade que não haviam previsto.
“E o conselho que a escritora dá, assim como o que eu dou às famílias nessa situação, é fundamental: nunca fiquem isolados, jamais deixem que o medo e as preocupações os consumam. Já ouvi pais dizendo coisas terríveis. Mas o primeiro passo é simples, amem seus filhos, independentemente das circunstâncias. Depois, é preciso correr atrás das possibilidades, das adaptações, dos recursos disponíveis. Cada criança tem suas limitações, mas sempre haverá um caminho, um lugar onde ela pode se encaixar”, explica a mãe dos atletas.
Sobre a inclusão de pessoas com deficiência, a pedagoga critica a forma como os projetos são modificados e implementados sem consulta ou participação dos beneficiários. Para ela, a inclusão deve começar com a preparação dos professores e do ambiente escolar, ao invés de simplesmente matricular os alunos com deficiência sem dar a eles as ferramentas adequadas. Em uma das minhas perguntas sobre melhorias, Lucia enfatizou que, na verdade, a inclusão deve ser modificada, e não apenas melhorada, pois, da maneira como está, não atende às necessidades reais. “Eu sempre busquei o melhor para eles. O sistema de políticas públicas, muitas vezes, não é o que deveria ser. Há muito no papel que não se concretiza na realidade”, comenta.
Com uma respirada funda, não deixa de pontuar sobre o esforço constante que as pessoas com deficiência precisam fazer para provar sua capacidade em diferentes aspectos da vida, como subir escadas, andar sozinhos ou usar transporte público, algo que acaba sendo exaustivo. Esse tipo de pressão seus filhos já vivenciaram. A necessidade de mostrar que eram capazes de realizar tarefas cotidianas.
Ambos começaram a nadar em 2017. Allan, com 11 anos, e Daiane, com 26, foram introduzidos ao esporte por meio de uma amiga de Lucia. No início, tinham medo de água, mas logo começaram a participar de competições. Allan em eventos escolares e Daiane nos Jogos Abertos de Santa Catarina (JASC). Eles treinam regularmente, com sessões de natação e academia, além de seguirem uma dieta. Os dois são disciplinados e gostam do esporte, apesar de Daiane destacar que a natação é um esporte mais individual. Você tem que nadar sozinho, não é que nem o futebol com uma equipe.
Daiane se formou em Tecnologia da Informação (TI) e trabalhou na área por quatro anos. O esporte a ajudou a superar os momentos difíceis que passou, oferecendo um ambiente inclusivo e acolhedor. Lucia, sentada à minha frente e com os olhos sempre em seus filhos, destaca o trabalho dedicado dos profissionais da natação que adaptam o treinamento às necessidades individuais dos atletas com deficiência.
Embora o esporte seja cansativo e exigente, os atletas gostam e se beneficiam dele, tanto física quanto socialmente. Para a mãe, Allan, que antes era tímido e não tinha amigos na escola, se tornou mais sociável. Ela acredita que o esporte é um caminho para a inclusão de pessoas com deficiência, pois ajuda a desenvolver confiança e a superar barreiras que a sociedade impõe diariamente.