
Quando a gratidão tem espaço físico
Trabalho voluntário no bairro Morro do Meio ajuda a reconstruir a vida de moradores de Joinville
Por: Camila Bosco e Caroline de Apolinário
A palavra gratidão no dicionário Michellis da língua portuguesa aparece acompanhada de significados como “agradecimento” e “reconhecimento”, em sua linguagem derivada do latim “gratus” refere-se a “emoção de reconhecimento quando alguém fez algo por você”. Em tempos atuais de rapidez e instantaneidade, pensar além de si e doar seus melhores sentimentos a algo ou alguém como forma de agradecimento, é um ato de nobreza. A certeza é que, para algumas pessoas, gratidão tem nome e endereço: Instituto Conforme, no bairro Morro do Meio, em Joinville (SC).
Em meio às paredes pintadas e a um ambiente marcado por histórias, há 10 anos o Conforme presta atendimento a famílias em situação de vulnerabilidade. Pequenos gestos como abraços, conversas e até mesmo o simples ato de ouvir mostram que a ajuda voluntária vai além da entrega material. Ela envolve acolhimento, empatia e afeto em cada ação.
Histórias de acolhimento e transformação
Imagine que, após anos de esforço para construir sua moradia, um lugar onde a família descansa, onde memórias foram criadas e onde se vive o aconchego de cada dia, tudo isso seja ameaçado ou perdido de uma hora para outra. De repente, a água da enchente invade, leva o conforto, transforma a casa e deixa para trás sentimentos confusos, difíceis de nomear. A vida inteira vira de ponta cabeça. Uma enchente que atingiu o bairro Morro do Meio trouxe prejuízos materiais e, claro, também emocionais.
Foi dessa forma que Edna Carla Ramos, 52 anos, conheceu o Instituto Conforme. Natural do Paraná, mas morando há 40 anos em Joinville, Edna enfrentou uma situação ainda mais trágica. Em 2024, passou por enchentes e viu de perto documentos, móveis e alimentos boiando na água. Antes de chegar ao Instituto Conforme, Edna foi encaminhada pela Unidade Básica de Saúde (UBS) e pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).
Emocionada, a moradora do bairro relatou que o primeiro contato aconteceu com a psicóloga do Instituto, que a ajudou em um momento tão difícil e confuso, quando ela se sentia perdida e chorava ao contar sua história. “Eu sei o que passou pela minha cabeça, vontade de desistir […] porque eu não sabia mais o que fazer e todas as portas estavam se fechando”, contou. Com os olhos brilhando, ela mostrou seu amor pelo neto e o definiu com a frase: “Ele é o meu coração fora do peito”.
Edna ainda complementou dizendo que a ajuda voluntária que recebe também se estende ao acolhimento da criança, que passa por atendimentos com a psicóloga e a fonoaudióloga. Atualmente, ela participa do grupo de dança e do centro de convivência do Instituto, e faz parte do grupo de flashback de Joinville. Edna abre o convite para que outras pessoas procurem esse tipo de trabalho que o local oferece. Segundo ela, é evidente que receber um abraço e ter outra pessoa para conversar e lhe ouvir, faz toda a diferença.
Aos 57 anos, Berenice Teixeira encontrou no Instituto Conforme um refúgio e um novo começo, após um período de grande dificuldade e desemprego, que levou sua família a uma situação de vulnerabilidade com sete pessoas na mesma casa. Ela relata que, após inúmeras portas se fecharem, o Instituto foi a única que se abriu, oferecendo não apenas alimento, mas principalmente acolhimento e carinho.
Berenice descreve a chegada ao Instituto como um alívio imediato, uma verdadeira intervenção divina. Em quase sete anos de apoio, relatou que ela e sua família, incluindo seus netos, nunca passaram necessidade, recebendo roupas, calçados e alimentos, especialmente em momentos como o Natal.
Para ela, a palavra “gratidão” é o símbolo que é resultado de tudo isso. Ela enfatiza a importância de ter alguém para ouvir e dar força, o que a ajudou a enfrentar as dificuldades. Esperançosa, sonha em um dia poder retribuir a ajuda que recebeu, chegando ao local dizendo: “agora quem vai poder ajudar vocês sou eu”.
Histórias como a de Berenice e Edna são parte de resultados da transformação que o trabalho voluntário e o acolhimento podem gerar na vida de indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade. Pequenos gestos como abraços, conversas e simplesmente ter alguém para ouvir, demonstram que a ajuda voluntária pode transformar vidas.
Confira alguns trechos das entrevistas com as moradoras do bairro Morro do Meio:
Pessoas que fazem o voluntariado acontecer
Por trás das rotinas de acolhimento no Instituto Conforme, está a história de quem recebe e também de quem doa. Elisabeth da Rosa Carneiro Almeida, de 60 anos, é um desses rostos que fazem parte do dia a dia do espaço. Vinda do Rio Grande do Sul em março de 2023, ela encontrou no Instituto uma família.
“Cheguei aqui sem nada. Eles me deram cama, sofá, toalha, roupa. Tudo”, lembra. Com emoção e espontaneidade, ela conta que foi acolhida na mesma semana em que chegou, e que, rapidamente, passou a ajudar como voluntária. “Já fiquei aqui até hoje. Vai fazer um ano que sou voluntária. Gosto muito delas, me apaixonei pela equipe.”
Desde então, Elisabeth auxilia em diversas atividades. Ajuda na limpeza, na busca de verduras e doações, na montagem de sacolas e no cuidado com o espaço físico. “Faço de tudo um pouco, menos costura. Isso não é comigo”, brinca. “Hoje mesmo, eu tava lá mexendo com verdura. Gosto de agito, de estar em movimento.”
Ao falar sobre o impacto do Instituto na comunidade, ela é direta ao dizer que, se não fosse esse apoio, muita gente estaria passando necessidade. Para as famílias, o Instituto é o coração, assim como é para ela. Emocionada, relembra que sempre gostou de ajudar, mesmo antes de vir para Joinville, fazendo festas para as crianças lá no Sul, distribuindo sacolé e pão — um costume que vem da mãe. Aqui ela continua essa tradição, mas com ainda mais força.
Quando perguntada sobre o que diria para quem pensa em ser voluntário, ela resume com firmeza que é fundamental ser voluntário de coração, sem buscar reconhecimento, pois aqui não é só trabalho, mas também carinho e família.
Há quatro anos como voluntária no Instituto Conforme, Maria Regina da Silva João, de 65 anos, encontrou no espaço uma nova forma de exercer sua vocação: a educação. Professora aposentada, ela chegou ao Instituto com o desejo de continuar ensinando — e foi exatamente isso que fez ao alfabetizar 14 crianças em situação de vulnerabilidade.
“Eu me ofereci para vir. Ninguém me chamou. Vi o movimento daqui, vim conhecer e descobri que precisavam de professores. Levantei a mão e me coloquei à disposição. E foi aí que tudo começou”, conta. O reforço escolar atendia crianças encaminhadas pelas escolas da região, muitas com sérias dificuldades de aprendizagem, agravadas pela pandemia.
Durante o isolamento, os alunos recebiam atividades semanais da escola, mas muitos não tinham acesso à internet, celular ou acompanhamento em casa. “Os pais faziam as tarefas no lugar das crianças, porque não sabiam como ensinar. Elas vinham pra cá sem saber ler”, lembra.
Natural de Criciúma, ela mora há 40 anos em Joinville, sendo vizinha do Instituto no bairro Morro do Meio. Mesmo após o fim do projeto de reforço, ela permanece ativa nas demais atividades. “Hoje eu ajudo no bazar, na cozinha, na organização, no que precisar. Já recebi convite para voltar a trabalhar, mas eu não troco isso aqui por nada”, explica.
Para Regina, o impacto do Instituto vai além da entrega de cestas básicas ou de alimentos. “As famílias precisam de uma palavra, de um ombro amigo. Às vezes é isso que faz a diferença.” Ela afirma que doar seu tempo é algo que a realiza profundamente. “As pessoas acham que ajudar sem ganhar dinheiro não vale a pena. Mas isso aqui não tem preço.”
Como funciona o Instituto Conforme?
Há quase uma década atuando como voluntário no Instituto Conforme, Cassius André da Silva viu de perto a transformação de vidas no bairro Morro do Meio, em Joinville. Diretor executivo desde 2019, ele coordena a equipe e cuida da parte administrativa e dos projetos da organização, braço social da Comunidade Cristã Siloé.
O Instituto atende famílias em situação de vulnerabilidade social, mas para isso é necessário que os beneficiários estejam inscritos no Cadastro Único, com renda familiar de até um salário mínimo. Após serem encaminhados pelo CRAS, os moradores passam por uma escuta com a assistente social da entidade. “A pessoa conta toda a história dela, depois a gente faz uma checagem para verificar se tudo o que foi relatado é realmente a realidade. Só então ela passa a ser atendida”, explica Cassius.
Atualmente, a equipe conta com cerca de 15 pessoas, somando voluntários e colaboradores fixos. Apesar da dedicação, a demanda é crescente, e a necessidade de mais apoio é constante. “Hoje eu tenho uma psicóloga voluntária, mas precisaria de mais, porque a demanda é muito grande e não conseguimos atender todos”, relata.
Cassius lembra de muitas histórias que marcaram sua trajetória no Instituto, mas uma, em especial, o emociona até hoje. “Uma mulher foi atendida por nós durante oito meses, quando veio para Joinville com dois filhos, sem conseguir se manter. Anos depois, ela voltou, agora como uma empresária bem-sucedida, para fazer uma doação ao Instituto. Foi uma transformação completa”, contou. Segundo ele, esse é o maior propósito da entidade: “ajudar as pessoas a transformarem suas vidas”.
Além das cestas básicas entregues no primeiro sábado de cada mês, o Instituto também atende demandas emergenciais. “A fome não espera”, afirma Cassius. Por isso, mesmo fora do calendário fixo, a equipe oferece apoio com alimentos, fraldas, itens de higiene e outros materiais, sempre que possível. Atualmente, são cerca de 30 famílias fixas e mais de 40 atendidas em demandas espontâneas.
Os projetos oferecidos pelo Instituto vão além do assistencialismo. O espaço promove encontros com idosos, atividades físicas, projetos com jovens e oficinas com psicólogos. Outro exemplo é o projeto “Marias do Morro”, voltado à formação de mulheres na costura. Ao final do curso, elas recebem certificação e parte da renda obtida com a venda dos produtos retornam para as participantes. “Elas aprendem, produzem e ainda têm um recurso. É desenvolvimento pessoal e renda ao mesmo tempo”, resume.
Cassius também faz um convite: “Todo ser humano pode fazer um pouquinho mais. Às vezes, a gente tem uma casa boa, comida no prato, água quente no banho e nem percebe o quanto isso é privilégio. Com pequenos gestos, você pode ajudar o Instituto Conforme a continuar transformando vidas aqui no Morro do Meio.”
Como ajudar?
As doações ao Instituto Conforme podem ser feitas de diferentes maneiras. A contribuição em dinheiro pode ser realizada via Pix, usando o CNPJ 26.217.425/0001-40. Além disso, o Instituto recebe alimentos, cestas básicas e materiais de higiene e limpeza diretamente em sua sede.
Outra forma de apoiar é por meio do trabalho voluntário, seja no atendimento às famílias, na organização dos espaços ou nas ações promovidas pelo projeto.
O bazar solidário também é uma importante frente de arrecadação e assistência. As peças doadas são triadas com cuidado, e somente itens em bom estado são disponibilizados. O atendimento no bazar ocorre às sextas-feiras, das 14h às 17h.
Mais informações podem ser encontradas no site https://www.conforme.org.br/