
Avanço urbano ameaça os manguezais e agrava as inundações
A expansão sobre áreas frágeis destrói ecossistemas, amplia desigualdades e coloca populações vulneráveis no centro dos desastres climáticos
Por Mahyara Luiza e Maria Clara Kuboski
Joinville, a maior cidade de Santa Catarina, convive cada vez mais com cenas de ruas alagadas, rios cheios e picos de maré alta. O que parece apenas consequência das chuvas, na verdade, é resultado de décadas de escolhas urbanas que ignoraram as características ambientais da cidade.
Desde 1950, Joinville cresceu sem levar em conta que parte significativa de seu território está sobre manguezais e áreas naturalmente alagáveis. Com o avanço das construções, esses ambientes foram suprimidos, comprometendo a capacidade natural de drenagem e aumentando os impactos das chuvas.
“O manguezal funciona como uma esponja. Ele armazena água, regula a maré e protege a cidade dos alagamentos”, explica Johnatas Avelir Alves, Biólogo do Instituto Meros do Brasil e do Instituto Comar. “Quando destruímos isso, perdemos uma defesa natural fundamental.”
Além disso, os manguezais cumprem uma função essencial no combate às mudanças climáticas. Eles sequestram carbono da atmosfera e armazenam esse gás no solo. Quando são derrubados, o carbono é liberado, contribuindo diretamente para o aquecimento global.
Onde chove mais, mas escoa menos
Entre 2020 e 2025, Joinville intensificou o mapeamento de áreas vulneráveis a desastres naturais. De acordo com a Defesa Civil municipal, 24 regiões foram identificadas com risco de deslizamentos e inundações. Esses locais estão concentrados, principalmente, em encostas, margens de rios e setores com presença de manguezais, como nos bairros Jardim Iririú e Comasa.

“Muitos dos locais que alagam hoje já eram áreas de alagamento natural. Antes, havia floresta. Agora, há casas”, afirma o biólogo Johnatas. “O mais grave é que isso está registrado no próprio mapa da prefeitura. A pergunta é: por que continuam permitindo construir nestes lugares?”
A resposta, segundo Charles Henrique Voss, doutor em Sociologia Urbana, está na própria lógica de desenvolvimento da cidade. “Joinville foi planejada para proteger as áreas nobres. Os mais pobres foram empurrados para os manguezais, às margens dos rios e das encostas. Isso não é desorganização, é um modelo de cidade excludente, construído historicamente.”
Esse processo está diretamente relacionado ao que ele define como racismo ambiental, quando populações negras, pardas e de baixa renda são as mais impactadas pelos problemas urbanos e ambientais.
Regularização e recuperação

Cidade reconhece ocupações, mas ignora os impactos ambientais.
Diante desse cenário, a principal resposta do poder público tem sido a regularização fundiária. Áreas ocupadas irregularmente passam a ser reconhecidas como parte da malha urbana, com direito à a escritura, infraestrutura básica e serviços públicos.
“Reconhecemos áreas consolidadas. A partir disso, estabelecemos uma barreira: daqui para cá pode, daqui para lá não pode mais”, explica Magda Cristina Villanueva Franco, gerente da Unidade de Desenvolvimento de Gestão Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente de Joinville.
Mas a regularização não resolve o problema ambiental. “Quando a vegetação é suprimida, o solo é compactado e a drenagem natural destruída, não adianta mais chamar aquilo de área de preservação permanente”, afirma Magda.
O município até possui planos de recuperação, mas eles são lentos e insuficientes frente ao ritmo da expansão. Ao mesmo tempo, seguem em andamento projetos como o Vale Verde e a expansão da Zona Sul, que transformam áreas de proteção ambiental em zonas urbanas, especialmente na região dos Espinheiros e da Baía Babitonga.
Custo ambiental e futuro incerto
Além das perdas humanas, materiais e sociais, há também um custo ambiental alto. A destruição dos manguezais não só agrava as enchentes como também compromete a biodiversidade e a capacidade da cidade de enfrentar os efeitos das mudanças climáticas.
“O manguezal é nosso maior aliado no sequestro de carbono. Quando destruído, não só perdemos esse filtro, como liberamos o carbono que estava armazenado no solo há séculos. É um tiro no pé”, alerta Johnatas.
Dados do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) mostram que a frequência e a intensidade de eventos extremos aumentaram no Sul do Brasil. Em Joinville, a média de chuvas intensas cresceu 26% na última década.
Soluções existem, mas ficam no papel
Para os especialistas, o caminho para conter o crescimento desordenado das cidades passa por frear o avanço do perímetro urbano e investir no adensamento das áreas já ocupadas, com mais infraestrutura, transporte e habitação digna.
Charles defende programas de aluguel social, que poderiam evitar que famílias ocupem áreas de risco, além de políticas públicas voltadas para a recuperação de ecossistemas como os manguezais.
Enquanto o modelo atual priorizar a especulação imobiliária e ignorar os limites do meio ambiente, Joinville continuará sendo a cidade onde chove mais, mas escoa menos. E quem sofre são aqueles que têm menos.