
Games podem causar efeitos psicológicos de longo prazo
Jogos influenciam diversos aspectos da sociedade, desde a economia, a convivência, até a saúde mental do jogador
Por David Martins
Neste ano, um adolescente de 14 anos, morador de Itaperuna, Rio de Janeiro, assassinou seus pais e seu irmão enquanto dormiam. Segundo dados da Polícia Civil, o jovem teria sido influenciado pelo jogo The Coffin of Andy and Leyley, um jogo de terror psicológico que aborda temas de conteúdo perturbador. Em entrevista para a TV Record, a delegada do caso, Nathalia Patrão, afirmou que “os jogos geram uma normalização da violência”. Assim como a visão da delegada, o discurso se assemelha ao do atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, após o atentado ocorrido no CEI Cantinho do Bom Pastor, na cidade de Blumenau, em 2023.
A psicóloga carioca Ayla Magnna Alves, de 26 anos, explica que os jogos podem servir como uma forma de escapismo, ajudando os jogadores a se afastarem temporariamente de seus problemas e elevando o humor e o bem-estar. No entanto, Ayla alerta sobre os riscos: “O uso excessivo pode levar à dependência, ao isolamento social e à negligência de responsabilidades diárias, o que pode agravar a saúde mental”. A Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a incluir, em 2018, o transtorno por uso de jogos eletrônicos na Classificação Internacional de Doenças (CID-11) que entrará em vigor no Brasil em 2027.
Esse transtorno é caracterizado por um padrão de comportamento recorrente durante o jogo, seja online ou offline, o indivíduo perde o controle sobre o tempo gasto jogando, mesmo diante de consequências negativas. Além disso, pesquisas realizadas pela BJIHS (Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences) mostram que os efeitos dos jogos na saúde mental variam conforme fatores como idade, tipo de jogo e ambiente social. Jogos mais intensos e com foco competitivo, por exemplo, provocam sentimentos de frustração e impulsividade. Esse cenário se agrava quando o envolvimento com o jogo ultrapassa os limites do entretenimento.
A psicóloga observa que a pressão constante para vencer junto a necessidade de estar sempre conectado podem levar à perda de controle sobre o tempo gasto jogando, impactando negativamente diversas áreas essenciais da vida, como estudos, trabalho e convivência familiar. Um exemplo disso aconteceu em 2018, quando mais de 200 divórcios no Reino Unido citaram o jogo Fortnite como um dos fatores para o rompimento, segundo o site britânico Divorce Online. Por fim, Ayla afirma que, ao definir limites de tempo, praticar a desconexão e priorizar a socialização fora do ambiente virtual, a relação entre os jogos e os jogadores pode se manter saudável.
“O Brasil tem potencial para lançar jogos que marquem presença no cenário mundial”.
-Luciano Kohler, programador
Videogames e suas histórias
Os videogames também inspiram histórias de superação e trajetórias diversas, demonstrando seu poder para moldar personalidades e carreiras. Um exemplo notável é o do joinvilense Jean Thomaz Rogério, de 33 anos, dono do popular canal EncanadorChapado, que já cativou mais de 264 mil inscritos. O influenciador, que convive com games desde 1994, reconhece a influência significativa que os jogos tiveram em seu desenvolvimento durante a infância, especialmente no estímulo à sua parte criativa e à capacidade de solucionar desafios.
Essa paixão inicial o levou a explorar áreas como criação, arte e conceitos, culminando em sua formação em design de animação digital. Após a graduação, ele encontrou inspiração no conteúdo do renomado influencer estadunidense KSI, criador de conteúdo focado em vídeos de jogos de futebol, e decidiu, então, criar seu próprio canal em 2012. A motivação era simples e pura: “Meu canal começou porque eu gostava muito de jogar Fifa. Se não fosse o sucesso que o jogo me proporcionou, talvez eu teria parado”, relembra. Com a ascensão meteórica da plataforma de vídeos, Jean percebeu uma lacuna no mercado brasileiro ao procurar por conteúdo similar ao de seu ídolo, e viu ali uma grande oportunidade. “Se eu jogo todo dia essa porcaria, por que não tento ganhar um dinheiro com isso?”, ele pensou.
A ousadia o levou a largar seu emprego formal para se dedicar integralmente ao canal, mas a pressão e a competitividade o fizeram enfrentar um estresse intenso, ao ponto de reavaliar seu caminho e mudar o foco do conteúdo em 2018. Atualmente, ele utiliza sua plataforma para conscientizar seu público sobre os perigos e os riscos do uso excessivo dos jogos eletrônicos, equilibrando a diversão com a responsabilidade. Vale ressaltar que os videogames, apesar de trazerem experiências fantásticas, podem causar dependência quando consumidos em excesso. Jogar com consciência e equilíbrio garante melhora na saúde mental, bem-estar e maior qualidade nas histórias e vivências dentro e fora das telas.