O caminho que a cidade não vê
Desafios de acesso às feiras locais para os Guaranis Mbya
Por Ana Fidêncio e Caroline Kolling
É principalmente nas manhãs dos fins de semana que as feiras de artesanato tomam as ruas do centro da cidade de Joinville. O que antes era um cenário comum como uma rua tomada por palmeiras ou a entrada para o ponto mais alto da cidade, transforma-se em um mosaico de cores e formas entre os passos apressados dos moradores e visitantes que compõem um retrato da cidade em movimento. No entanto, em meio a uma diversidade de produtos e rostos, um grupo costuma estar ausente: os indígenas Guarani Mbya.
São dez Aldeias Indígenas Guarani em torno de Joinville e Araquari, segundo o site da arquidiocese de Joinville, localizadas em áreas distantes dos centros onde acontecem as feiras. O deslocamento, depende do transporte público irregular ou de caronas solidárias. “Estou precisando muito ir à cidade vender artesanato, mas estou sem dinheiro pra ir, os alimentos já estão acabando… Para nós é bem difícil, se vou de ônibus pago onze reais para ir e mais onze para voltar, porque a passagem subiu, está cara. Se não, pago cento e cinquenta reais de carro, ida e volta”. Conta Kretxu (Joana Maria de Oliveira), artesã e agente de comunicação da aldeia Jabuticabeira em Araquari.

As artesãs enfrentam dificuldades para participar das feiras, mesmo quando conseguem chegar até elas, pois muitos desses eventos não permitem a presença de crianças. Essa restrição acaba impedindo que as mães participem plenamente das atividades. De acordo com Kerexu (Patrícia), algumas mães deixam de comparecer por serem impedidas de levar seus filhos. A artesã da aldeia Tarumã Mirim acrescenta que, embora em alguns casos as crianças fiquem com o pai ou com tias, isso é pouco comum, porque, na cultura indígena não é habitual deixar os filhos sob os cuidados de outras pessoas.
Entre fronteiras culturais e desafios locais
A arte indígena, apesar de carregar símbolos sagrados e múltiplos significados culturais, não é valorizada fora das comunidades. Esse descompasso entre esforço e reconhecimento se reflete nos preços, que são considerados altos por quem desconhece o trabalho envolvido. “Acham que é muito caro, mas artesanato indígena é feito à mão e leva dias para terminar algumas peças. Nós não usamos máquinas, mas isso não é valorizado lá fora”, comenta Kerexu. “Todos os artesanatos feitos por nós, é tudo sagrado.”
De acordo com a coordenadora da Pastoral Indigenista, Helena Spricigo, apesar da Constituição Federal garantir o respeito à organização social, aos costumes e à cultura, esse direito, muitas vezes, não é aplicado. “A luta por direitos é como andar sobre um precipício, onde cada avanço é frágil e constantemente ameaçado”, compara Helena. Além disso, a coordenadora reforça que o preconceito não se limita a olhares desconfiados, mas se manifesta institucionalmente e estruturalmente, dificultando o reconhecimento e a valorização das culturas indígenas.
De acordo com o site oficial da prefeitura de Joinville, até o mês de setembro já ocorreram mais 130 feiras, contabilizando somente aquelas organizadas exclusivamente pela SIOP (Serviço de Incentivo às Organizações Produtivas). Esses eventos permitem que as artesãs indígenas comercializem seus produtos sem custos, mas se tornam um gasto porque o caminho até a cidade exige longas viagens e refeições pagas.
Um total de 169 famílias do povo indígena Guarani Mbya distribui-se entre Araquari, Balneário Barra do Sul, São Francisco do Sul, além de seis famílias da etnia Deni, que residem em Joinville.
        
    
            
            
            
    
            
            
            