Novo incinerador de resíduos reacende debate ambiental
Unidade de Recuperação Energética (URE) levanta questionamentos sobre emissões poluentes em Joinville
Por Danielly Vieira
No final de setembro, Joinville inaugurou a Unidade de Recuperação Energética (URE), uma parceria entre a Prefeitura e a Secretaria de Meio Ambiente. A usina é a primeira da América Latina a transformar resíduos sólidos em energia renovável. O investimento foi de R$127 milhões, e a estrutura tem capacidade para incinerar até 110 toneladas de materiais por dia.
O projeto começou a ser visto em dezembro de 2023, quando a Câmara de Vereadores de Joinville (CVJ) promoveu uma audiência pública sobre a instalação da usina na cidade. No primeiro momento, o investimento previsto era de R$115 milhões, com prazo de seis anos para construção da unidade. Mas em apenas três anos, a usina iniciou a sua operação em Joinville.
Durante a audiência, a doutora em Química Sônia Corina Hess alertou para os riscos ambientais. Segundo ela, a unidade produzirá 44 toneladas de combustível para queima. “Vai haver, sim, grande emissão de gases de efeito estufa, além da geração de cinzas perigosas”, afirmou Sônia.
Ela destacou ainda que o Decreto nº 10.936/2022 não prioriza a redução, reutilização e reciclagem, os chamados 3Rs, antes da incineração, o que contraria as diretrizes de gestão de resíduos sólidos.
Atualmente, Joinville conta com apenas nove empreendimentos de reciclagem em parceria com a Ambiental. Entre eles está a Associação Ecológica de Catadores e Recicladores de Joinville (Assecrejo), onde trabalha Silvaneide Jesus.
“Consegui pagar a reabilitação química do meu filho trabalhando aqui. Já fazem três meses que ele saiu e, graças a Deus, está empregado”, contou Silvaneide Jesus.
Para que os resíduos sejam reciclados, é necessário que estejam limpos, sem contaminação por gordura, restos de alimentos ou matéria orgânica. De acordo com Cristiane Gonçalves, responsável pelo apoio técnico da associação. Papéis laminados, roupas, comida, o que chega sujo não pode passar pela triagem e segue para o incinerador. Após a separação, o material reciclável é pesado e vendido para empresas, e o lucro é dividido entre os 18 associados da cooperativa.
Mensalmente, entre 75 e 95 toneladas de materiais passam pela triagem da Assecrejo. Apesar disso, a cidade não possui controle sobre todo o volume reciclável coletado. “Até onde sabemos, os caminhões não são pesados pela Ambiental, empresa responsável pela coleta seletiva da cidade”, afirma Cristiane.
Maria de Oliveira Filha, recicladora há mais de 20 anos, relata situações perigosas, mas comuns no galpão da triagem dos resíduos recicláveis. “Já encontramos cobras e até animais mortos no meio do lixo. Nem tudo é lixo, tem material reciclável no meio. As pessoas misturam tudo. Se fosse separado corretamente, seria melhor para todos”, argumenta Maria.
Educação ambiental como solução
Em países europeus, a incineração de resíduos sólidos é utilizada apenas como última alternativa. A Suécia, por exemplo, possui mais de 30 usinas, investe desde cedo em educação ambiental, oferece incentivos fiscais para empresas que utilizam materiais recicláveis e aplica altos impostos sobre a queima de resíduos que poderiam ser reaproveitados.
“Esse processo foi ignorado aqui, e ele é essencial”, critica Cristiane Gonçalves, responsável pelo apoio técnico da Assecrejo. Segundo ela, em Joinville não houve diálogo prévio entre Prefeitura, cooperativas e hortas comunitárias antes da instalação do incinerador.
O ambientalista Otanir Mattiola reforça a importância da educação ambiental: “Entre o incinerador e o aterro sanitário, eu tenho dúvidas sobre o que seria melhor. Mas entre o incinerador e a reciclagem ou compostagem, não há o que discutir. Só que, para isso ser realizado e dar certo, a população precisa de educação ambiental.”
Em Florianópolis, desde 2022, a Prefeitura realiza pagamento por compostagem comunitária. Mais de 50 toneladas de restos de alimentos são reaproveitadas mensalmente. “É um modelo interessante, porque o resíduo volta para o ciclo sustentável. Já em Joinville, até restos de poda ainda vão para o aterro”, destaca Mattiola.
A inauguração da URE em Joinville reacendeu o debate sobre o equilíbrio entre geração de energia e práticas de sustentabilidade. Especialistas e cooperativas destacam que, sem educação ambiental e incentivo à reciclagem, a incineração de resíduos sólidos pode gerar impactos ambientais significativos, enquanto oportunidades de reaproveitamento e compostagem.
A inauguração da URE em Joinville reacendeu o debate sobre o equilíbrio entre geração de energia e práticas de sustentabilidade. Especialistas e cooperativas destacam que, sem educação ambiental e incentivo à reciclagem, a incineração de resíduos sólidos pode gerar impactos ambientais significativos, enquanto oportunidades de reaproveitamento e compostagem ainda não são plenamente aproveitadas.
