Implantação da Reforma Trabalhista não diminui desemprego
Por Amanda Cristina Sousa e Destiny Goulart
Em novembro de 2017 entrou em vigor a reforma trabalhista, maior mudança nas leis do trabalho desde a criação da CLT ( Consolidação das Leis do Trabalho), alterando cerca de 10% da legislação. Ao sancioná-la, o ex-presidente Michel Temer defendeu a reforma como uma maneira de gerar empregos. À época, o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, projetou um crescimento de 2 milhões de novas vagas em 2018 e 2019, e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, estimou um crescimento de 6 milhões de empregos com a reforma. A taxa de desemprego estava, então, no patamar de 12%. Ao contrário do que prometiam os governantes, não houve impacto positivo na criação de postos de trabalho, pelo contrário.
A taxa de desemprego no Brasil, no primeiro trimestre de 2019, chegou a 12,7%, ou seja, 13,4 milhões de pessoas sem emprego, 1,3 milhão a mais que no último trimestre de 2018. Até em Santa Catarina, estado com o menor índice de desemprego do país, o índice de desempregados no primeiro trimestre deste ano é maior (7,2%) que no mesmo período do ano passado (6,5%). De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), O desemprego cresceu em 14 das 27 unidades da federação no primeiro trimestre deste ano na comparação com o trimestre anterior.
Outro fator preocupante é a informalidade, pois o número de brasileiros trabalhando sem carteira assinada foi o maior já registrado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) desde 2012. Segundo a pesquisa, entre 2014 e 2018 o Brasil teve seu número de postos formais reduzidos em 10,1%, além de ter uma alta de 7,8% no número de trabalhadores sem carteira assinada no mesmo período.
Em abril, Santa Catarina até esboçou alguma reação, com saldo positivo de 6,4 mil postos de trabalho, segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). No mesmo mês, Joinville teve saldo positivo de 886 empregos. Os números, contudo, estão longe de significar uma solução para a crise.
Natália Schlikmann, 22 anos, cursa o terceiro ano de Terapia Ocupacional e está sem emprego desde que concluiu o ensino médio. “Não consegui nada além de alguns bicos”, conta. Atualmente Natália presta serviço de babá para algumas famílias, mas sua pretensão é fazer um estágio na área em que estuda. Ela destaca a dificuldade e falta de oportunidade para os jovens que estão no ensino médio ou começando a faculdade. “Para quem está tentando entrar no mercado de trabalho não existe muito suporte, existem lugares como o Sistema Nacional de Empregos (Sine), mas eu nunca consegui um estágio por lá. Conheço sete pessoas entre 18 e 20 anos que estão desempregadas e com dificuldade para encontrar um trabalho”, afirma.
Magnus Klostermann, administrador do Sistema Nacional de Emprego (Sine) de Joinville, informou que cerca de 500 pessoas por semana procuram o Sine em busca de emprego. Os dias de maior movimento são segunda, terça e quarta-feira. As vagas técnicas ou que exigem um perfil muito específico são as mais difíceis de preencher. “O maior problema é a baixa qualificação, escolaridade e, às vezes, pouca estabilidade no emprego”, comenta.
Falta investimento em qualificação do trabalhador
Para Gerson Cipriano, presidente do Sinditex (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação, Malharia, Tinturaria, Tecelagem e Assemelhados de Joinville), o Brasil não estava preparado para a Reforma Trabalhista. Embora reconheça a necessidade de modernização da legislação, ele observa que falta investimento em políticas de qualificação do trabalhador. Em consequência, segundo o líder sindical, a economia não cresceu conforme se esperava.
No setor têxtil, o panorama é de estagnação, segundo Cipriano. “Uma grande empresa está desativando o terceiro turno e tentando realocar esses funcionários, mas sem perspectiva de novas contratações. A exceção é a Fibrasca, que abriu recentemente 80 postos de trabalho, mas isso é uma gota no oceano”, analisa. Além da falta de oportunidades de qualificação, o trabalhador ainda enfrenta a automatização industrial e os avanços tecnológicos que contribuem para diminuir a oferta de empregos.
A Reforma Trabalhista, na opinião de Cipriano, não é a única culpada pelo desemprego. “Talvez num país desenvolvido, a reforma até funcionasse, mas o Brasil ainda não estava preparado para essas mudanças”, avalia. A instabilidade política, aliada ao cenário econômico internacional, também contribuem para agravar a situação.
“O governo não se achou ainda” (Gerson Cipriano, presidente do Sinditex)”
O sindicalista não enxerga sinais de melhora a curto prazo. “Este ano já está perdido e, a julgar pela gravidade do quadro clínico da nossa economia, vai precisar uns dois a três anos para reagir”, estima. Os dados do IBGE divulgados na quinta-feira confirmam os prognósticos de Cipriano. O PIB (Produto Interno Bruto) caiu 0,2% no primeiro trimestre de 2019, comparado ao último trimestre do ano passado. A última vez que o Brasil teve uma contração trimestral da economia foi quarto trimestre de 2016 (-0,6%).
Ao contrário do que o governo prega, Cipriano não acredita que a Reforma da Previdência possa solucionar o problema econômico do Brasil. “É uma das formas de economizar, mas deveria ser amplamente debatida com a sociedade e, depois de implantada, precisa passar por uma séria avaliação dentro de quatro ou cinco anos, para verificar quais os efeitos positivos e negativos”, argumenta,
Instabilidade política emperra reação econômica
Segundo o presidente da Associação Empresarial de Joinville (ACIJ), João Joaquim Martinelli, não há uma relação direta entre a reforma trabalhista e o nível de emprego. A situação atual, segundo ele, tem estreita relação com a falta de segurança política para que o empresário faça investimentos e empreenda.
“É claro que a reforma flexibilizou as regras de contratação, mas por si só não é suficiente. Não se faz investimentos para o curto prazo, mas sim para o médio e longo prazos e, no momento atual, está difícil visualizar como será a economia do país no próximo ano. Emprego decorre desses investimentos” (João Martinelli, presidente da ACIJ)
De acordo com o presidente, caso as reformas pretendidas sejam feitas, começando pela da Previdência, é possível uma melhora no cenário de emprego. “Caso as reformas não sejam realizadas, dificilmente conseguiremos recuperar o nível de emprego desejado”, observa.
Na opinião de Martinelli, para que haja uma recuperação da economia a classe política brasileira precisa entender o momento pelo qual passa o país e sua importância em auxiliar na solução dos problemas. “Acreditamos que tudo está atrelado a uma mudança de cenário, as reformas trarão ao empresário ânimo para investir, contratar. As reformas dependerão muito mais do poder legislativo do que do executivo”, explica.
Economistas preveem mais dificuldades
A principal causa do desemprego é o fraco desempenho da economia e a crise já caminha para o estágio de recessão, caso o governo não adote políticas econômicas mais eficazes para estimular os investimentos tanto públicos quanto privados. O alerta é da economista e professora da Univille Anemarie Dalchau.
Conforme a professora, é normal que haja períodos de desaceleração da produção, pois a economia é cíclica. “Essa desaceleração diminui a demanda que, por sua vez, afeta o lucro das empresas e estas passam a trabalhar com ociosidade, levando à demissão de colaboradores”, explica. O desemprego afeta a renda das famílias que passam a fazer cortes maiores em seus orçamentos. Neste caso, dois trimestres consecutivos de crise são interpretados como recessão. “As incertezas quanto à produção e consumo chegam a proporções onde a única certeza dos empresários é desempregar e parar novos investimentos para não falir”, diz Anemarie.
Para o professor de economia João Luis Bertoli, o desemprego tem suas conexões com a crise de 2008 e com a elevação da taxa de juros e cortes nos gastos do governo em 2015, que provocaram uma retração na atividade econômica. “Foi o que de fato expandiu essa taxa que passou de 6,5% no último trimestre de 2014 para 13,7% no primeiro trimestre de 2017”, explica.
“É ilusório pensar que uma redução do custo da mão de obra, ou seja, o rebaixamento do salário, possibilitaria uma expansão nos investimentos. Sem um mercado consumidor fortalecido o empresário industrial não tem para quem produzir.” (João Bertoli, economista)
A reforma trabalhista não é suficiente para fazer frente às incertezas e riscos decorrentes do fraco desempenho da economia, segundo Anemarie. “Precisamos que as empresas invistam. Só o investimento vai gerar empregos”, aponta. Do mesmo modo, a economista alerta que a reforma da previdência é uma das causas da instabilidade econômica, mas não é a única vilã. Ela destaca a necessidade de reformas ainda mais amplas, como a fiscal e a comercial. “Somos um país com a mais complexa e perversa política fiscal no mundo”, observa.
No comércio internacional, Anemarie afirma que o Brasil é muito protecionista. “Queremos vender muito para todos, mas comprar pouco. Há necessidade de ajustes nessas relações comerciais”, avalia.
“O que os investidores se perguntam é como o governo vai honrar seus compromissos diante de um déficit público crescente. Ninguém quer investir ou emprestar dinheiro para quem demonstra não ter fôlego para honrar seus compromissos assumidos.” (Anemarie Dalchau, economista)
Bertoli complementa que a reforma da previdência também não ajudará na redução da taxa de desemprego, pois ampliará os investimentos no mercado financeiro e não no mercado produtivo, que realmente gera postos de trabalho. “Quanto maior as aplicações no mercado financeiro, menor tende a ser a atratividade de investimentos no setor produtivo”, explica. “Se o setor financeiro gera mais ganhos do que o setor produtivo, pra que investir no setor produtivo?”, questiona.
Câmbio e guerra comercial
As oscilações cambiais também contribuem para o clima de incertezas na economia. Sonho dos exportadores e pesadelo dos importadores, o dólar alto também traz reflexos à economia catarinense. O estado exporta de produtos primários a serviços tecnológicos de alto valor agregado, mas também busca, em diversas partes do mundo, as inovações tecnológicas que facilitem seu processo produtivo. O dólar mais alto, como explica Anemarie, pode frear essas importações e atrasar investimentos que poderiam gerar novos empregos ou novos negócios.
Em tese, a desvalorização do real frente ao dólar poderia ser duplamente benéfica ao Estado, pois tornaria o preço dos produtos brasileiros mais atrativos lá fora e, ao mesmo tempo, estimularia a indústria brasileira a comprar produtos nacionais. Entretanto, conforme observa Bertoli, por conta da guerra comercial entre Estados Unidos e China, o mundo está menos propenso ao comércio internacional e o cenário não é bom para exportação. “No Brasil, a própria conjuntura interna está muito ruim, pois as pessoas estão com uma renda mais baixa, só compram o mínimo necessário e acaba sobrando muito pouco para consumir outras coisas, então o cenário interno também é desfavorável”, explica.
De acordo com Bertoli, como o consumo interno está estagnado, o investimento está deprimido e os gastos do governo estão congelados, a exportação tem sido a única salvação que faz o PIB crescer a uma taxa baixíssima. “Se a guerra comercial se aprofundar, pode levar a uma guerra generalizada do comércio internacional e isso poderia afetar diretamente as nossas exportações”, calcula o economista.
Anemarie concorda que a guerra comercial entre China e Estados Unidos – que juntos com a Argentina são os principais parceiros comerciais do Brasil – contribui para gerar apreensão. No caso do país vizinho, a situação já não é nada favorável. Entretanto, ela acredita que possam surgir novas oportunidades de negócios na disputa entre chineses e norte-americanos, pois novos acordos podem acontecer, tanto em setores já consolidados quanto na abertura de novos campos de negociação.