Ciclista de Joinville narra experiência na L’Étape du tour na França
Foram 167 quilômetros pedalados durante 7 horas, 33 minutos e 36 segundos pelas montanhas da França, entre as cidades Annecy e Le Grand Bornand. Com subidas de até 12 km e média de 11% de inclinação, o percurso soma 4 mil metros de elevação. Esse desafio foi vencido por Pedro Joel Barboza, 50 anos, residente em Joinville. Em julho deste ano, ele participou da L’Étape du Tour 2018 de France.
O evento foi criado em 1993 e é realizado em vários países, inclusive no Brasil. Para qualquer ciclista amador, pedalar trechos já percorridos pelos maiores ídolos do ciclismo é um sonho e permite ter a exata sensação do que seja competir na mais famosa e tradicional competição de ciclismo do mundo. Tudo isso ao mesmo tempo em que acontece o famoso e oficial “Le Tour de France”.
Mas, a história de Joel com o ciclismo não é de amadorismo e começou bem antes da façanha na França. Morador do bairro Glória, seu pai tinha restaurante, um dos primeiros a servir caranguejo na cidade. Para ajudar o pai, ele trabalhava como garçom e, com as gorjetas que ganhava dos clientes, comprou, do irmão, a sua primeira bicicleta esportiva. “Um dia, eu estava na pracinha da rua XV conversando com os amigos, quando o Hasselmann passou e convidou: ‘Venha treinar com a gente’”, conta Joel referindo-se ao amigo Rubens Hasselmann, conhecido pelos joinvilenses pelas famosas empadas. E assim, aos 14 anos, Joel começou a treinar na pista em torno da Expoville, no único lugar asfaltado que havia em Joinville. “Ali, ainda piá, iniciei meus treinos”, lembra.
Participar do L’Étape du Tour foi um projeto que começou há dois anos, quando ele assistia à competição pela TV. Surpreendeu a esposa, Claudia Regina Moser Barboza, ao dizer que iria festejar seu aniversário de 50 anos correndo aquela prova na França. Fez disso um objetivo e iniciou a preparação técnica com Ivan Razeira, fez reserva financeira e convidou amigos. De Joinville, partiram com a mesma finalidade Max Zuffo, Gerson Ritz, Carlos Eduardo Pereira e Arno Huch Junior. Eles praticam ciclismo por prazer, mas Joel faz questão de comentar que todos cuidaram do condicionamento físico. Entre eles, apenas Arno e Joel foram atletas profissionais.
“Participar do L’Étape foi uma realização pessoal, uma grande experiência profissional”, declara Joel. “É gratificante”, repete ele várias vezes durante a entrevista, e se diz orgulhoso por ter sido o colocado de número 2.722 entre os 16 mil participantes. A prova é amadora, qualquer pessoa pode fazer, mas ele, que já foi profissional, reconhece que havia pessoas com muito mais potencial no seu pelotão. “Eles são muito mais competitivos, têm o ciclismo no sangue, são treinados desde criança e estão muito mais bem preparados do que nós”, explica.
Embora seja uma prova aberta a amadores, garantir a vaga exige seleção feita por meio do preenchimento de um formulário. Perguntas como: se já participou daquela ou de outra prova do Le Tour, há quanto tempo é atleta, quais as principais provas de que já participou, se é ou não profissional de ciclismo são feitas aos que pretendem participar.
As respostas a essas perguntas garantiram a Joel a colocação no segundo pelotão junto com outros atletas com treinos e atividades ciclísticas feitas com regularidade. Com a classificação obtida – e agora já com uma participação no Le Tour – Joel pretende se inscrever no próximo ano fazendo parte do primeiro pelotão.
Desafio guardado para sempre na memória
Durante as quase oito horas que passou sobre a sua bicicleta Speed, Joel enfrentou passagens desafiadoras, subidas íngremes e paisagens deslumbrantes. “Depois do Col de la Croix-Fry com vista para as montanhas de Aravis, vem uma subida de 7 km até o Plateau des Glières, com uma elevação média de 11%. Segue por 1,5 km em estrada sem asfalto até chegar no topo, onde os membros da resistência costumavam se esconder durante a Segunda Guerra Mundial. Em seguida vem o Col de Romme e o Col de la Colombière. Esta última, já no final da prova, torna-se uma das subidas mais difíceis com 1.613 metros acima do nível do mar”, descreve o manual técnico da prova. “Foi a única prova comparável à subida da Serra do Rio do Rastro”, relata o ciclista. “O ganho total de altitude é de mais de 4.000 metros, até a descida para a reta final em Le Grand-Bornand, e só então se tem a recompensa de todo esforço de uma vida”, desabafa o ciclista joinvilense.
Impressionado com a excelente organização, com o estado de conservação das estradas secundárias do percurso e com a acolhida dos moradores à beira da estrada a aplaudir os atletas, Joel não hesita em descrever os trechos mais interessantes do desafio. Havia muitos socorristas por todo o caminho, assistência mecânica e pontos de abastecimento e hidratação a cada 20 km. “Essas paradas eram em tendas com cerca de 200 metros quadrados”, fala Joel, enquanto abre os braços como quem quer dar noção do tamanho. Nas tendas, os competidores recebiam, com fartura, fruta, castanhas, tábuas de frios e queijos e bebida isotônica.
Logo após a participação no tour, em viagem pelo interior da Europa, ele se surpreendeu com a quantidade de ciclistas nas estradas. “Carros e bicicletas convivem em harmonia, porque todos respeitam as leis de trânsito”, avalia.
Vamos pedalar?
Em sua trajetória profissional, na cidade em que sempre morou, Joel também realiza projetos sociais com base na sua própria história. “Lembra que lá no começo eu te contei que o Hasselmann me disse ‘vamos lá pedalar?’” e prossegue: “Faço esse mesmo convite para meninos e meninas, porque vejo isso como uma possibilidade de futuro para as crianças e adolescentes”. Conta com orgulho sobre as pessoas que trabalharam com ele na loja, treinam juntos. Sente-se recompensado quando muitos pais lhe agradecem pelo que faz.
A responsabilidade do esportista assume tom de crítica quando aponta a falta de incentivo e de políticas públicas para o esporte, em especial ao ciclismo. “Hoje só tem master correndo”, informa. Master são pessoas acima de 30 anos, que já têm vida feita e fazem do ciclismo seu esporte. A falta de jovens para treinar impossibilita a formação equipes de competição. “Há um completo desinteresse pelo esporte, a moçada só quer saber de computador”, afirma. Sobre a alegação de que, no Brasil, ninguém sobrevive do esporte ele reage: “Tudo o que tenho devo ao ciclismo. Foi o esporte que me deu”.
Das lembranças especiais de sua carreira, Joel cita “As voltas de Santa Catarina”, competição clássica dentro do calendário nacional e que atrai competidores de alto nível técnico, com etapas de elevado grau de dificuldade. Só nessas competições Joel já subiu umas 15 vezes a Serra Rio do Rastro. Também cita os Jogos Abertos como “uma competição que sempre emociona muito porque todo mundo quer ganhar”.
A carreira de ciclista profissional está encerrada, mas a vida de atleta nunca. Joel continua e sempre será ciclista de corpo e alma. Permanece em constante exercício para se manter fisicamente apto para outras competições que terá pela frente. E, a mais próxima já agendada é a L’Étape Brasil, em 30 de setembro, com percurso de 117 km em Campos do Jordão.
A trajetória
Pedro Joel Barboza soma títulos em competições desde a década de 90. Foi campeão estadual nas categorias de base, campeão estadual elite em 1990, campeão brasileiro de mountain bike master (1999), campeão nos Jogos Abertos, com medalha de ouro no 4 X 100, em 1992 e, mais tarde, como técnico, foi tetracampeão dos Joguinhos Abertos de Santa Catarina, tricampeão de mountain bike cross-country elite, como técnico de Ricardo Pscheidt (2006, 2008 e 2010), além de ter participado quatro vezes do Ironman: dois em Florianópolis, um na Áustria(2014), outro no Canadá (2015).