Pandemia afeta saúde mental dos brasileiros
Por Eduardo Gums*
Com a pandemia do novo Coronavírus, temos visto relatos sobre a saúde mental dos trabalhadores, que se viram com uma responsabilidade maior, algo que nunca foi esperado deles. Além do compromisso de cuidar de suas casas e filhos, também precisam lidar com uma grande carga de trabalho e com a dificuldade de conciliar tantas tarefas. Isso afeta a saúde mental.
A pandemia, segundo especialistas, aumentou a procura por tratamentos de saúde mental. Uma pesquisa divulgada em maio pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e publicada pela Agência Brasil, com cerca de 400 médicos, o que corresponde a 8% dos psiquiatras do país, mostrou que 89,2% dos especialistas entrevistados destacaram o agravamento dos quadros psiquiátricos em seus pacientes neste ano turbulento.
Segundo o levantamento, 47,9% dos consultados tiveram aumento nos atendimentos após o início da pandemia. Segundo Antônio Geraldo da Silva, presidente da ABP, “são quase 200 mil casos e mais de 11 mil mortes”, tornando esta “uma situação de medo, de ameaça constante, sem saber o que fazer”.
Nos últimos dez anos, o mundo sofreu um aumento de 18,4% nos casos de depressão. Isso corresponde a 322 milhões de pessoas ao redor do mundo. Neste mesmo período, no Brasil, o número de pessoas com depressão era de 5,8%, superando, proporcionalmente, o número de pessoas com depressão ao redor do mundo. Isso torna o Brasil, segundo os dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), o país com a maior taxa de depressão entre as nações da América Latina. O mesmo vale para a ansiedade. O Brasil também tem a maior taxa, liderando o ranking com 9,3%. Essa porcentagem engloba outros transtornos como, fobias, transtornos obsessivos compulsivos, estresse pós-traumático e ataque de pânico.
Os dados coincidem com uma pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que relata que o número de casos de depressão dobrou e os de ansiedade e estresse aumentaram 80%. Além disso, o percentual de pessoas que relataram sintomas de estresse agudo na época do começo da pesquisa (20 a 25 de março/2020) era de 6,9%, enquanto que, na última semana da pesquisa (15 a 20 de abril/2020), o número sofreu um aumento de 9,7%. Em casos de depressão, o número também subiu de 4,2% para 8%. Nos casos de crises agudas de ansiedade, o salto foi de 8,7% para 14,9%. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os percentuais médios desses problemas são: 8,5% para estresse, 7,9% para ansiedade e 3,9% para depressão.
Segundo profissionais da área da psiquiatria os casos continuam a aumentar. Para Juliana Gomes Pereira, médica psiquiatra geral com certificação para atuação na psiquiatria da infância e adolescência pela ABP, o público mais afetado pela pandemia em questões de saúde mental é o público jovem que tem poucos recursos para driblar os efeitos negativos do isolamento, pois o cérebro está em desenvolvimento. Segundo ela, crianças e adolescentes são os mais afetados. Além disso, conta que nessa idade, o cérebro está em formação e que “o espaço social é fundamental para o desenvolvimento social com seus pares, pelos estímulos, adequações sociais e tolerâncias às frustrações fora de casa”.
Sobre a forma como a pandemia aumentou a busca por tratamento psicológico, a médica diz que a pandemia obrigou as pessoas a desacelerarem suas vidas e a prestarem atenção ao que ocorre internamente. Ela conta que, antes da pandemia tínhamos válvulas de escape para lidar com os problemas internos e, quando a pandemia começou, “as pessoas voltaram- se a si mesmas e buscaram mais ajuda em saúde mental’’.
Segundo Juliana, a relação entre meio familiar e saúde mental é intrínseca. “O estilo de vida é determinante na incidência de transtornos mentais”. Há também, segundo ela, a predisposição genética.
Os transtornos mentais listados pela psicóloga estão de acordo com as pesquisas citadas. Ansiedade, depressão, bipolaridade, TOC e TDAH são os transtornos e doenças mentais que mais foram diagnosticados na pandemia.
Segundo Jalissa Maiã Araújo Voiciekouski, psicóloga organizacional do trabalho, outros transtornos percebidos que sofreram um aumento durante a pandemia são a ansiedade generalizada e crises de pânico. A quarentena e o isolamento podem afetar ou agravar quadros de transtornos mentais. Conforme a psicóloga Juliana, muitas pessoas se beneficiavam de atividades externas para se sentirem bem e o isolamento trouxe esse impedimento.
A classe social mais afetada, segundo Jalissa, foi a população de baixa renda, por causa da perda de emprego. Ao mesmo tempo, ela reconhece que, de alguma forma, todos foram afetados. A ansiedade decorrente das incertezas foi um dos motivos para o aumento da ocorrência de transtornos mentais.
“Muitos viram que suas certezas não garantiam mais o futuro”, comenta Jalissa sobre os problemas que podem ter originado um aumento no diagnóstico de pessoas com transtornos mentais.
Nas relações familiares, Juliana diz que a falta de válvulas de escape é algo negativo para pais e filhos. “o confinamento só aumentou a pressão e a dificuldade de comunicação por estarem muito tempo juntos. Os abusos e a violência pioraram e houve muito sofrimento psíquico em função disso.’’
A psicóloga complementa dizendo que, por outro lado, “muitas famílias se reaproximaram, muitos pais começaram a conhecer seus filhos melhor e que as pessoas buscaram uma vida mais calma, com mais horas de sono, melhor alimentação e melhor organização”.
Se, por um lado, a pandemia ampliou os problemas de saúde mental, por outro houve casos de reaproximação de famílias.
*Reportagem desenvolvida na disciplina de Jornalismo Impresso 3, com orientação do Prof. João Kamradt