Bauhaus: a inovação como resistência
Por Catherine Kuehl
Imagine um prédio largo de paredes claras, com fileiras de janelas de vidro amplas. As do segundo e último andar avançam pelo telhado, e bem no meio do prédio está a entrada principal com um hall que antecede a porta de duas folhas. Na mesma linha, o telhado tem uma torre hexagonal não muito alta nem muito larga, mas o suficiente para quebrar o padrão de ângulo agudos.
Dentro, os corredores são frequentados por estudantes e professores de diferentes países e de diversas faixas etárias. As salas de aula são palco para oficinas de cerâmica, pintura em vitral, impressão gráfica, escultura em pedra, madeira e plástico, tecelagem, carpintaria, metal e teatro. Essa é a Bauhaus em 1919, na sede de Dassau, uma cidade pequena no norte da Alemanha, há cerca de 130 quilômetros da capital Berlim.
Tá, me parece como qualquer outra escola de design, o que a Bauhaus tem de tão especial? Veja, tem pelo menos dois motivos que tornam a escola importante: o período em que ela funcionou e o legado que deixou. Podemos começar pelo período? Quando ela foi fundada? Foi em 12 de abril de 1919 por um jovem arquiteto chamado Walter Gropius — quando chegar na parte do legado, volto a falar dele. E você deve lembrar que a Primeira Guerra Mundial terminou em 11 de novembro de 1918. Isso é, exatamente cinco meses e um dia antes, mal tinha dado tempo de a Alemanha começar a se recuperar da derrota. Ah, e dali 20 anos iniciaria a Segunda Guerra Mundial.
Como os nazistas deixaram essa escola funcionar? Na verdade, não deixaram. A cidade de Weimar foi só a primeira sede, assim como Gropius foi só o primeiro diretor. A escola se mudou para Dessau em 1925, três anos depois, em 1928, Hannes Meyer assumiu a diretoria, ele ficou por dois anos, para, em 1930, Ludwig Mies van der Rohe virar diretor, mais dois anos se passaram até que a escola mudou-se para Berlim.
Tanto as mudanças de sede como na diretoria foram motivadas por pressões políticas que cresciam conforme o nazismo tomava conta do país.. Até que, em 1933, chegou até a Geheime Staatspolizei, a Polícia Secreta do Estado Alemão — você talvez conheça apenas pela sigla Gestapo —, que exigiu a remoção dos “bolcheviques culturais” e a substituição por simpatizantes nazistas. Esse episódio é descrito no livro História do Design Gráfico, de Alston Purvis e Philip B. Meggs.
Então, os nazistas assumiram a escola? Não, o governo alemão fez de tudo para reprimir as ideias que a Bauhaus propagava. Professores e estudantes aguentaram até onde conseguiram. No fim, para não entregar a Bauhaus aos nazistas, encerraram a escola. As portas foram fechadas em 10 de agosto de 1933. Nossa, isso não dá 15 anos desde a fundação! Realmente, mas como o historiador de arte Rafael Cardoso escreveu no livro Uma introdução à história do design, eu também acho a sobrevivência da Bauhaus um ato político dramático e até heroico.
A parte do “dramático” eu entendo, já o “heroico” vai ter que explicar melhor. A Bauhaus adotou valores opostos aos dos governantes, ela foi um ponto progressista que convergia movimentos vanguardistas da arte e design, com diferentes culturas, num ambiente dinâmico que incentivava o debate. Para Michael Siebenbrodt e Lutz Schöbeht, autores do livro Bauhaus 1919-1933, a escola foi marcada simultaneamente por visões socioutópicas e múltiplas tentativas de implementar uma escola de design na prática. Explicando em miúdos: não só ideias socialistas faziam parte da escola, como a diversidade de pessoas era uma das bases para a criatividade, essas são duas características que os nazistas repudiavam.
Vou citar novamente Cardoso, que explicou – também no livro Uma introdução à história do design – que foi a capacidade ímpar de reunir um grande número de pessoas muito criativas e muito diferentes em uma única escola que deu vida e força para a Bauhaus, transformando essa pequena instituição em um foco mundial para o fazer artístico. A Bauhaus foi resistência!
Agora está fazendo mais sentido ainda para mim os nazistas terem se incomodado e se empenhado tanto para acabar com a Bauhaus. Ainda falta você falar do legado. Ah, sim, pouco mais de um século depois da criação da Bauhaus, essa escola de design na Alemanha entre guerras continua a influenciar profissionais de diferentes áreas. Lá foi criado o icônico estilo Bauhaus, pelos professores — e, claro, pelos alunos — que buscavam uma estética popular ao priorizar a função da peça, considerar os enfeites inúteis e usar materiais acessíveis. Já tinha ouvido falar do estilo Bauhaus. As cadeiras são famosas, vejo em bares, restaurantes, lojas, escritórios e casas. Aposto que você conhece algumas poltronas e abajures desenhados na escola. Também são características do estilo as cores fortes e sólidas, geralmente vermelho, amarelo e azul, fonte sem serifa e formas geométricas. Além disso, a escola era mantida por recursos públicos e, como já contei, foi um polo de diferentes nacionalidades, idades, classes e gênero.
Ou seja, a Bauhaus era uma encruzilhada cultural custeada pelo governo alemão – e não se esqueça que foi tudo durante a ascensão do nazismo. E o Gropius? Vai falar dele? Vou falar agora. Esse jovem arquiteto fundou a Bauhaus ao unir duas instituições de ensino do governo, a Escola de Artes e Ofícios de Weimar, que era técnica e tinha foco nas artes aplicadas, com a Academia de Arte de Weimar que ensinava belas-artes. Ele batizou a nova escola de Das Staatliche Bauhaus, traduzido literalmente do alemão significa: A Casa da Construção Estatal. Não podia ser mais funcional e desprovido de enfeites. Bem notado, o próprio nome da escola é um exemplo do estilo Bauhaus. Ainda sobre a fundação, as movimentações feitas para a criação da Bauhaus foram um presságio de como seria o manifesto da escola, escrito pelo fundador Gropius e publicado em jornais da região.
Um manifesto? O que tem nele? O texto estabelece a filosofia que seria seguida pela escola e começa com uma sugestão de mudança na função de artista: “o objetivo final de toda atividade plástica é a construção!”. Então, faz um chamado à classe artística para se aproximarem das atividades manuais: “Arquitetos, escultores, pintores, todos devemos retornar ao artesanato, pois não existe ‘arte por profissão’! Não existe nenhuma diferença essencial entre o artista e o artesão. O artista é uma elevação do artesão”. E termina com: “formemos, portanto, uma nova corporação de artesãos, sem a presunção elitista que pretendia criar um muro de orgulho entre artesãos e artistas!”. Gropius queria com a junção de uma escola técnica com outra de artes plásticas propor o fim da divisão social entre arte e produção.
Esse Gropius deve ter sido um visionário. Foi mesmo! O historiador da arte, Ernst Gombrich, falou brevemente sobre o objetivo da Bauhaus no livro História da arte, que foi o de provar que arte e engenharia podem se beneficiar mutuamente. Já no livro História do Design Gráfico, que já citei antes, Purvis e Meggs, foram um pouco além e defenderam que, ao reconhecer as raízes comuns entre as belas-artes e as artes visuais aplicadas, Gropius procurava uma nova aliança entre arte e tecnologia e reuniu uma geração de artistas na luta para resolver problemas de design criados pela industrialização.
As aulas deveriam ser incríveis não? Desconfio que sim. No livro Bauhaus 1919-1933, Michael Siebenbrodt e Lutz Schöbeht apontaram que a pedagogia da escola oportunizou, além do desenvolvimento de talentos, a formação da personalidade individual. As lições eram mais do que o ensino profissionalizante. Por exemplo, antes de começarem a frequentar as oficinas, os estudantes participavam de aulas de nivelamento. Siebenbrodt e Schöbeht também comentaram sobre isso no livro. Eles defenderam que, nesse curso introdutório, eram desenvolvidas a capacidade mental, sensibilidade e criatividade. Os sentidos eram treinados para a concentração, observação detalhada e análise precisa de ambientes.
Entende? A Bauhaus mudava a história do design e de áreas afins, enquanto driblava os nazistas. Entendi sim… tem mais algo especial para me contar sobre a escola? Pode acreditar que tem muito mais. Porém, depois de oito mil caracteres, você deve estar com os olhos cansados. Fica para uma próxima vez.