O prazer de traduzir Clarice Lispector para o mundo
Por Luiz dos Anjos
Nascido em Munique no ano de 1970, filho de mãe espanhola e pai alemão, Luis Ruby cresceu aprendendo dois idiomas. Atualmente, mora em sua cidade natal e traduz espanhol, português, italiano e inglês. Ele já trabalhou na tradução de autores como Clarice Lispector, Roberto Bolaño, Rafael Cardoso e Niccolò Ammaniti. Ao longo de sua carreira, recebeu várias premiações, como o Prêmio de Tradução de 2003 da Embaixada da Espanha na Alemanha, o Prêmio de Arte e Literatura da Baviera, a Bolsa de Literatura de Munique e a Bolsa de Excelência do Fundo de Tradutores Alemães.
Revi – Por que você estudou a língua portuguesa?
Luis Ruby: Por motivos pessoais (…) Porque em 1992, em uma escola de línguas em Paris – sim, enquanto eu aprendia francês –, conheci pessoas do Brasil de quem ainda sou amigo. Antes da minha primeira visita ao Brasil (1996), comecei a aprender um pouco a língua. O caminho do espanhol não é tão longe quanto do alemão. Além das relações pessoais, fiquei particularmente fascinado pela Música Popular Brasileira, que permanece até hoje. E além da música, há textos de músicos-escritores como Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros. Com todo o amor pela literatura, as línguas são muito exigentes.
Revi – Como conheceu Clarice Lispector e por que você escolheu traduzir livros brasileiros?
Ruby: Por volta de 2010 e 2011, quando foi anunciado que o Brasil seria o país convidado da Feira do Livro de Frankfurt em 2013, conversei com alguns amigos de editoras que gostariam de fazer algo com o Brasil também. Eu tinha traduzido livros do espanhol, inglês e italiano na época. Um editor então perguntou se eu estaria interessado em chamar a atenção para Clarice Lispector no mundo da língua alemã – tentamos isso para Schöffling Verlag, que teve a biografia de Benjamin Moser (“Why This World”) traduzida para o alemão e três de seus romances novos ou lançados pela primeira vez.
Assumi “O brilho” e “O dia da estrela”. As histórias (“Todos os contos”) foram posteriormente publicadas pela Penguin. Eu realmente li Clarice quando me ofereceram a primeira tradução; antes disso, eu só a conhecia casualmente. Aliás, também tive a oportunidade de traduzir um pequeno romance de Jorge Amado, “A morte e a morte de Quincas Berro d’Água”, com muito prazer.
Revi – Como a literatura brasileira é vista na Alemanha e na Europa?
Ruby: Infelizmente, pouco se traduz e, principalmente, se lê. Alemanha e Brasil são culturas complementares em alguns aspectos; não necessariamente fáceis de reunir, mas muito enriquecedoras em ambas as direções. Por outro lado, a literatura é, sobretudo, uma questão de poucos – “Pérolas aos poucos”, com o título de Zé Miguel Wisnik –, o que não é um problema específico entre as nossas duas culturas.
Revi – Qual a sua maior dificuldade em traduzir livros do português para o alemão?
Ruby: Várias. Às vezes, surgem coisas culturalmente distantes – por exemplo, do candomblé. Por isso, pode ser difícil entender do que se trata e encontrar palavras adequadas e compreensíveis em alemão. As estruturas sociais também são muito diferentes; para dar apenas um exemplo: na Alemanha, há empregadas domésticas apenas na classe alta, a maioria dos leitores não tem experiência com elas.
Em geral, a cultura brasileira – apesar de sua enorme diversidade, talvez se possa generalizar – permite muito mais borrões do que a alemã. Também há muitas coisas que você não quer que sejam precisas e seletivas. Para citar Caetano: “Enquanto aqui embaixo, a indefinição é o regime”. Reproduzir indefinição como abertura em alemão (abertura de significado, abertura cultural) é um desafio. E acho que isso é essencial, especialmente com uma autora como Clarice.
Caso contrário, minhas dificuldades estão relacionadas à extrema idiossincrasia desta autora. Difícil dizer o quanto disso tem a ver com o português. Talvez, assim: ela apenas escreveu nesta língua e fez sua própria linguagem (pessoal) e forma de expressão a partir dela. Em parte contra as regras, como a literatura “permite”, com a liberdade que um grande autor assume. Um tradutor deve consistentemente jogar o jogo dos autores, só para que o estranho não pareça uma inadequação da tradução, mas se torne transparente como a intenção do original.
Revi – Você está pensando em traduzir algum outro livro brasileiro?
Ruby: Definitivamente, de Clarice. Agora que todas as suas histórias foram publicadas em alemão, o próximo passo é uma seleção das Crônicas. Se eu ler mais literatura brasileira, sem dúvida terei outras ideias. Nós, tradutores, gastamos muito tempo com alguns livros; é chocante como resta pouco tempo e lazer para uma leitura livre.
Revi – Na sua opinião, o que é preciso fazer ou ser para se tornar um tradutor?
Ruby: Ser um leitor atento e insatisfeito, que fica perguntando e pesquisando. Além disso, ter curiosidade sobre a própria língua (ou seja, alemão para mim) e alegria em encontrar e desenvolver oportunidades nela. E é sempre sobre diálogo, principalmente sobre ouvir o que está no original; depois, também sobre o intercâmbio com colegas e pessoas nas editoras com quem você trabalha. Se possível, converse com os autores, seja pessoalmente ou lendo entrevistas.
Frases para destacar (olhos)
“Um tradutor deve consistentemente jogar o jogo dos autores”
“Nós, tradutores, gastamos muito tempo com alguns livros; é chocante como resta pouco tempo e lazer para uma leitura livre.”
“É sempre sobre diálogo, principalmente sobre ouvir o que está no original.”