Longe de casa encontrei um lar – Capítulo 2
Somayhe mora no Brasil com sua família há 18 anos e busca manter viva as raízes de seu país natal
Por Raquel Ramos
Capítulo 2
O casamento – Uma história de amor à primeira vista
No dia da viagem para o Brasil, Hamidreza Nikdelamnab, foi chamado por uma prima de Somayhe para levar a família dela ao aeroporto. “Ele tinha uma caminhonete e precisávamos de um carro grande, porque éramos cinco pessoas: a minha mãe, os seis filhos, e muitas malas”, conta.
Ela relembra que naquele dia, pouco observou o homem que hoje é seu marido. Estava mais preocupada em viajar para o Brasil e rever o pai de quem estavam separados há 5 anos. Mas depois ficou sabendo que naquela oportunidade “Ele já gostou de mim, mas não podia se pronunciar porque nossos costumes não permitem um homem se aproximar de uma mulher que não conhece”, inicia o relato.
No Irã, quando um homem fica interessado em uma mulher, a mãe do rapaz entra em contato com a mãe da moça, explica o interesse do filho e propõe que eles se conheçam. Portanto, dentro dos costumes “Ele conversou com a mãe dele sobre a moça que tinha visto e pediu para ela falar com a família para eles se conhecerem”, explica.
Seguindo as formalidades da cultura, dois meses depois de chegarem ao Brasil, a mãe de Hamidreza procurou Mahi Samadi, mãe de Somayeh, para pedir a mão da filha dela em casamento. É dessa forma que acontece: “Depois que as mães conversam entre si, elas falam com os pais dos futuros noivos e então iniciam as conversas. Dão as referências dos pretendentes e combinam de marcar um chá para as famílias se conhecerem”, conta. Como eles estavam no Brasil e a família do pretendente no Irã, essas tratativas foram feitas através das tias dela, que moram lá. “A nossa opinião só vale depois, se os pais aceitarem a união. Daí o casal pode conversar”, fala sempre sorrindo.
Porém, na família de Somayeh sempre houve um pouco mais de consenso. Embora ela não quisesse casar, naquele momento, foi aconselhada pela mãe a aceitar que o rapaz viesse ao Brasil para se conhecerem. “Meus pais falaram que ele era de uma família boa, o rapaz é educado, a família é religiosa, fator de grande importância. Se você gostar, você casa, se não gostar, devolve o noivado”, diz. Somaye explica que anos atrás não era assim. Pelas tradições quem decidia pelo casamento, ou não, eram os pais.
Na cultura iraniana não existe o namoro para o casal se conhecer. Esse período de relacionamento é chamado de noivado. Um compromisso sério, mas que pode ser desfeito. Uma relação onde não há contato físico entre o casal. Havendo a decisão entre os noivos para a concretizar o casamento, esse noivado tem que ser formalizado em cerimônia realizada em uma Mesquita. Entre Hamidreza e Somayhe isso aconteceu em 29 de maio de 2003, em Curitiba.
Durante dois anos eles ficaram noivos. Em 19 de junho de 2004, foi realizado o casamento civil, com a presença de um representante da Embaixada do Irã, em festa realizada aqui em Joinville. Com um sorriso ela relembra de quando se conheceram “quando ele veio a gente foi se apaixonando, cada vez um pouquinho mais e nos casamos”. Na primeira viagem ao Irã, já com o primeiro filho, a família de Hamidreza fez uma festa íntima para comemorar o casamento. Somayeh comenta: “uma festa íntima que tinha mais de 500 convidados.”
Estabelecer o dote de casamento é uma prática tradicional no Irã. Antes do noivado os pais dos noivos estabelecem qual vai ser a quantia do dote baseada em moeda de ouro. Tudo é combinado antes e o valor varia conforme a cotação no dia em que este for pago. Não existe o que chamamos de pensão alimentícia ou herança e sim o pagamento do valor do dote em caso de separação ou viuvez. Somayhe faz questão de deixar claro que desde o início não aceitou este costume: “Não estou à venda. Dote parece coisa de quem está se vendendo. Eu nunca quis e não tenho dote.”
Essa mentalidade mais liberal do que a dos iranianos tradicionais, ela justifica como influência recebida desde a época quando o pai voltava das viagens e comentava os costumes do Ocidente. “Na França é assim, na Suíça é diferente.” Naquela época não havia vídeo chamada. Mas o pai mandava cartas, fotografias dos lugares por onde andava e ela já percebia muitas diferenças. “Mas isso não acontecia na família do meu marido. Por isso, eles têm, até hoje, uma cultura e pensamentos muito mais fechados”, explica.
A figura paterna e a família do cônjuge homem tem uma representação forte dentro da cultura iraniana. Ela menciona o que aconteceu durante a sua permanência no Irã, quando o marido precisou fazer uma cirurgia cardíaca. Ela, como esposa, acompanhou o marido nas consultas médicas, procedimentos, e fez o depósito para pagamento do hospital. Estava à frente de tudo e ainda assim foi exigido a presença do pai dele para assinar a autorização da intervenção cirúrgica. Caso o pai seja falecido, a mãe vai, e na falta desta, são os irmãos dele que devem comparecer para assinar. “Eu e nada é a mesma coisa”, diz ela. Uma aceitação com ares de indignação.
Os dois irmãos e a irmã de Somayhe são casados com brasileiros. Os pais nunca se opuseram, mas é necessário que o(a) pretendente brasileiro(a) aceite as tradições da família iraniana. “Na verdade”, comenta, “as duas culturas têm que ser respeitadas.”
A Mulher iraniana
“A mulher iraniana se arruma para ficar em casa. É vaidosa, se veste com trajes de tecidos finos e muito ouro, para esperar o marido. Quando você vai à casa de uma iraniana, você é recebida por uma mulher produzida como se estivesse indo para uma festa”, diz enchendo-se de orgulho. O uso de maquiagem é um item quase obrigatório entre elas, com destaque para os olhos e os lábios.
Quando vai para o Irã, confessa: “sempre sou a mais simples”, por conta do hábito adquirido nos anos que mora no Brasil. “Adoro ouro, mas como aqui nós evitamos usar, ao colocar já me sinto como se estivesse com coisas demais em mim. O meu cérebro pensa diferente”, explica. Ela atribui esse sentimento à mudança radical dos costumes que há entre os dois mundos.
O véu é um hábito religioso, porém as mulheres usam e fazem combinação como um acessório comum. Elas tem vários lenços. “Assim como aqui, colocamos a cada dia uma blusa diferente, lá não repetimos o mesmo lenço”, comenta. Além disso, ele tem que combinar com a bolsa, com o sapato e com a roupa. Lembra que quando retornou ao Irã, depois de cinco anos no Brasil, percebeu que havia perdido completamente a prática desta combinação. E conta como curiosidade que quando chegou usou um véu no primeiro dia e repetiu no dia seguinte. A reação da sogra foi imediata. “Ela me chamou e delicadamente perguntou se eu não tinha outro véu. Respondi que não, mas que não havia problema porque só havia usado uma vez”. E continuou: “Ela argumentou que as pessoas que me viram no dia anterior, seriam as mesmas daquele dia, e mandou eu ir ao bazar e comprar quantos lenços quisesse”.
Mesmo alegando que seria um desperdício, pois logo voltaria para o Brasil e os lenços ficariam sem uso não foi convencida. As cunhadas, conhecendo o fato, chegavam cada uma com um lenço para presenteá-la. Ainda hoje, mesmo depois de dar para tantas outras pessoas, conta que “ainda tem muitos em casa, alguns sem nenhum uso.”
Geograficamente o Irã está no Oriente Médio e cercado por países árabes. Eles se orgulham muito de sua etnia persa e não gostam de ser confundidos com árabes. Segundo Somayhe, a cultura iraniana é mais liberal do que nos países árabes. “No nosso país a mulher pode votar, pode dirigir, pode trabalhar, pode desfazer casamento”, conclui.
Há tanto tempo morando em um país com diferenças tão acentuadas, faz ela admitir, embora com certa inquietude, que “quando chego lá me sinto estranha no meu próprio país, porém, em uma semana assimilo tudo e fico igual a elas.” Da mesma forma quando volta para o Brasil é necessário se readequar. “O nosso cérebro é muito inteligente e se adapta a tudo”, admite.
3 Comments
Foi um prazer escrever esta história e vê-la publicada na REVi é uma honra.
Amei essa reportagem .
Belo relato e linda família!