Ciclistas enfrentam desrespeito e agressões no trânsito
Por Taynara Reinert
Na cidade, a bicicleta ocupa um pequeno espaço quando comparado ao carro, que obstrui ruas e avenidas. Quando mais utilizada que o automóvel, a bicicleta torna mais livres os espaços urbanos, o que resulta em mais fluidez no trânsito, menos congestionamentos e mais áreas disponíveis para caminhar, correr e pedalar, entre outras atividades. É o que afirma Giselle Noceti Ammon Xavier, Coordenadora do Grupo Ciclobrasil, Extensão e Pesquisa em Mobilidade Sustentável Cefid/Udesc e Fundadora da Viaciclo, Associação dos Ciclousuários da Grande Florianópolis, em artigo escrito para a Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC.
Joinville está à frente da média nacional no que se refere ao uso da bicicleta, mas, mesmo assim, o número de automóveis só aumenta. As informações apresentadas no documento Joinville Cidade em Dados 2018 apontam que, nos últimos 17 anos, a quantidade de motocicletas quadruplicou e a de automóveis quase triplicou.
Os benefícios proporcionados pela bicicleta são diversos e os mais mencionados popularmente abrangem saúde, economia, melhores condições sociais e ambientais. Segundo os dados do estudo Impacto Social do Uso da Bicicleta, realizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), com patrocínio do banco Itaú, utilizar uma bicicleta na cidade de São Paulo como meio de transporte economizaria R$ 451,00 ao mês, 90 minutos por semana e reduziria em até 10% as emissões de dióxido de carbono que, em excesso, é o principal gás responsável pelo efeito estufa. Imagine então como seria benéfico para a cidade de Joinville expandir a ideia da bicicleta como mobilidade urbana.
É importante que os governantes propiciem a inserção de uma mobilidade mais sustentável, justa e com segurança. “Quando uma cidade é feita para o uso dos motorizados e isso é incentivado, quem opta por outra forma de transporte é desrespeitado e muitas vezes culpabilizado, não levando em conta a diferença de ‘poder’ exercido no trânsito e o risco de vida a que ciclista e pedestre estão expostos por conta de pequenas ações dos motoristas”, expõe a ciclista Carolina Sato.
Sempre na defensiva
Os desafios diários do trânsito joinvilense levam o cicloativista Altamir Andrade a pedalar defensivamente. Mesmo com a ampliação das ciclofaixas na cidade, outra questão atinge diretamente quem pedala: a agressividade dos motoristas. Altamir afirma que em qualquer pedalada de dez minutos já sofre agressões verbais de desrespeito, imprudência ou violência de motoristas e motociclistas. “Continua sendo marcante ser chamado de vagabundo, apesar de estar me locomovendo com bicicleta para o trabalho. Sou xingado por motoristas violentos quando ocupo a faixa de veículos onde não há ciclofaixas ou ciclovias”, relata.
Entre as agressões que marcam Altamir até hoje está o episódio em que uma mulher parou na ciclofaixa e, quando ele reclamou com gestos, ela jogou o carro propositalmente em cima dele. Além de se machucar, Altamir ainda teve prejuízo em sua bicicleta. A motorista? Essa seguiu em disparada e fugiu.
Outra situação marcante para ele ocorreu recentemente. Um carro não lhe deu preferência na ciclofaixa e quase o atropelou. Como reação ao susto, Altamir disparou um grito: “Idiota!”. O motorista saiu do carro acompanhado da esposa e ambos o agrediram. Altamir caiu da bicicleta, então o agressor a levantou e a jogou contra Altamir “Ele gritava que eu estava louco, que eu poderia ter provocado um acidente por não parar para o carro passar e que eu poderia ter destruído a vida dele se ele tivesse me matado num atropelamento. Uma total inversão.” Depois do susto, ele foi socorrido por pessoas que assistiram à cena e, chocadas, vieram a seu encontro. “Cena das mais incríveis vividas em minha vida”, relembra.
Por situações como essas é que Altamir pede que as pessoas respeitem o Código de Trânsito Brasileiro, atentando-se sempre para a prioridade de respeitar o mais fraco, ou seja, pedestres primeiro, em segundo os ciclistas e então os demais.
Assédio e medo no cotidiano das mulheres
Carolina também reclama da falta de respeito de motoristas de automóveis e de ônibus que costumam cortar a frente dos ciclistas ou dar a famosa “fina”, ou seja, quando passam muito perto das bicicletas, sem entender que isso desestabiliza quem está pedalando. Mas uma cena específica a marcou. Ela estava voltando para casa de bicicleta, por volta da meia-noite, e um carro a perseguiu urrando palavras abusivas e a acompanhando devagar. “Eu fiquei com muito medo. Felizmente consegui chegar em casa sem que nada acontecesse, pois o carro acabou seguindo seu caminho.” Ela começou a se locomover com a bicicleta por influência do pai, que sempre a utilizou, mas sua escolha também foi baseada na mobilidade em si “Também por ser mais prático que o uso de transporte coletivo e mais barato.”
Na sua adolescência, a bicicleta representava mais do que mobilidade, o que reforçou o elo. “Foi um símbolo de independência, pois sempre achei que ela me proporcionava autonomia para ir e vir aos locais. Esse sentimento me ajudou a manter o vínculo com a bicicleta que se perpetua até hoje”, reforça.
Tal independência causa incômodo a algumas pessoas, que agem de forma opressiva, principalmente sobre as mulheres. Pesquisa feita pelo Instituto YouGov em 2016 mostra que 86% de 503 mulheres brasileiras ouvidas por todas as regiões do país sofreram assédio em público em suas cidades. Os tipos de assédios são diversos e o mais habitual é o assobio (77%), seguido por olhares insistentes (74%), comentários de cunho sexual (57%) e xingamentos (39%). Metade das mulheres entrevistadas afirmam que já foram seguidas nas ruas, 44% tiveram seus corpos tocados, 37% presenciaram homens se exibindo para elas e 8% foram estupradas em espaços públicos. “É bem difícil, quando você é uma mulher andando de bicicleta seus problemas são maiores por conta do assédio e do machismo. Além de me preocupar com a violência do trânsito, eu tenho que pensar na violência de gênero e como de alguma forma eu sou fetichizada por ser mulher andando de bike.” Absurdos como esses fazem muitas mulheres, como Carolina, terem que se preocupar com a roupa que vão vestir ao pedalar. “Escolho sempre na roupa mais discreta possível, pois eu não quero ser notada enquanto pedalo.”
De acordo com Carolina, é comum que mulheres se vistam de forma mais masculina para não serem identificadas como uma mulher e, assim, evitar abuso. Ela mesma já foi foi vítima de abuso verbal e comentou ter ouvido coisas como “gostosa”, “vem pedalar em mim”, o que para ela e tantas outras mulheres gera indignação e sentimento de impotência. Mas Carolina resiste e se mantém firme na sua escolha pela bicicleta “O projeto de incentivo à compra de motorizados é uma questão política e os resultados disso podemos ver todos os dias com um transporte público caro e ineficiente, poluição e um trânsito caótico que mata milhares pelo país. Então, pra mim, a bicicleta tem um papel de libertação, de inversão de uma lógica pré-estabelecida que, se incentivada, traria frutos muito significativos para o mundo todo.”
Ela reforça o recado para que as pessoas andem de bicicleta, afinal é estando no lugar do outro – no caso, do ciclista – que se promove a empatia para o processo de mudança e melhoria. “É preciso mais apoio e incentivo do Estado para melhorar estruturas no trânsito e na cultura, nosso trânsito é doentio e violento e isso reflete o que somos e as relações de poder que estabelecemos.”
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Foto capa: Agência Brasil