Comunicação de surdos precisa da cooperação dos ouvintes
Quando tinha nove anos, Luíza Grilli recebeu o diagnóstico de Síndrome de Meniére. Os sintomas incluem uma sensação de tontura, perda auditiva, zumbido e pressão nos ouvidos. No ouvido esquerdo ela tem perda Severa Mista, o que possibilita o uso de aparelho auditivo, mas, no direito, há perda Profunda Mista, o que inviabiliza o uso do recurso mecânico. Hoje, aos 21 anos, Luíza é estudante de Letras. Ela conta que seu processo de oralização foi tranquilo, pois nasceu ouvinte, o que lhe permite uma boa dicção devido à memória auditiva. Mesmo assim, enfrentou muitas dificuldades, sobretudo na aprendizagem, por conta de professores despreparados e do bullying praticado pelos colegas. Pequenas atitudes de quem ouve normalmente podem contribuir para a inclusão de pessoas como Luíza nas conversas do cotidiano.
O aparelho auditivo, que Luíza passou a usar a partir dos 9 anos, era o pretexto preferido das crianças para os comentários maldosos. “No Ensino Médio havia pessoas que falavam mal de mim nas minhas costas, achando que eu não estava ouvindo”, lembra. Ao longo de sua aprendizagem, percebeu que muitos professores não sabiam lidar com uma aluna deficiente auditiva, pois falavam andando pela sala e de costas escrevendo no quadro dificultando a leitura labial. “Era terrível ter aula de inglês, a professora colocava música e eu não entendia nada”, exemplifica. A surdez de Luíza também é flutuante, em alguns dias escutava tudo, em outros, nada. Nesses dias ela precisava de materiais escritos/visuais, por isso tinha maior dificuldade em Matemática. Não entendia o raciocínio dos professores, pois as aulas eram orais, não havia textos ou livros de apoio.
A leitura labial é um processo contínuo e automático para Luíza, porque é uma forma de apoio visual necessária para comunicação. “Ajuda a saber se aquela palavra teve um som mais aberto ou fechado, para saber a referencia de palavra do som que eu entendi”, explica a estudante. A maioria dos surdos e deficientes auditivos precisa da leitura labial, por isso é importante que as outras pessoas falem de frente e articulem bem as palavras.
“Uma coisa que eu percebo é que muitos ouvintes conversam paralelamente à mesa. O surdo precisa olhar e saber de onde está saindo o som, para achar quem está falando já é uma perda de tempo”, observa. Para facilitar a comunicação com pessoas surdas ou com deficiência auditiva é importante, numa conversa em grupo, que apenas uma pessoa fale por vez. O volume da voz também é importante: gritar pode ferir o ouvido de quem está se acostumando com o aparelho auditivo e não contribui para a comunicação. “A pessoa pode falar no seu tom de voz normal, de uma forma nivelada e, se requisitado, falar um pouco mais alto”, afirma Luíza.
Gestos e leitura corporal também são indícios visuais para a comunicação com os surdos. Além disso, conforme Luíza, é importante repetir a fala quantas vezes for necessário e nunca ignorar a presença da pessoa com deficiência em uma conversa. “Mesmo que o surdo esteja acompanhado por um ouvinte, é importante que o interlocutor olhe e se comunique também com a pessoa surda, o acompanhante está ali apenas para ajudar, não para realizar o diálogo e, se você for o acompanhante, não fale por ele”, recomenda Luíza. Para as situações em que uma comunicação efetiva não é possível, a solução pode ser usar a escrita. De Libras (Língua Brasileira de Sinais), Luíza só sabe o básico, mas, para muitos surdos e deficientes auditivos, os gestos fazem uma grande diferença na hora de se comunicar.
Treinamento em Libras é uma das atividades do curso de Fonoaudiologia da Faculdade Ielusc
A fila prioritária em lojas, bancos e mercados também é um desafio, pois muitas pessoas não entendem que o objetivo não é ir mais rápido, mas ter um atendimento especializado. “Como a surdez não é uma deficiência aparente, muitas pessoas negligenciam o direito do acompanhante, o direito de legenda nos eventos ou em mídias “, relata a estudante.
A fonoaudióloga Patrícia Taranto explica que existem diferentes graus de perda auditiva, leve, moderada, severa e profunda. O problema pode ser de nascença ou gestacional, consequência de meningite, trauma acústico ou de outras complicações. Vanessa Bohn tem especialização em Audiologia e explica que a perda auditiva do tipo sensorioneural é irreversível e o tratamento é realizado com o uso de aparelho de amplificação sonora (AASI) ou o implante coclear. As perdas auditivas condutivas e mistas podem ter tratamento medicamentoso e cirúrgico, realizado por otorrinolaringologista.
“O desenvolvimento de fala e linguagem da criança com deficiência auditiva vai depender do tipo, do grau de alteração e do tempo levado para a realização do diagnóstico”, afirma Vanessa. Ela ressalta que a terapia fonoaudiológica é importante para o desenvolvimento da linguagem oral e escrita das crianças e pode ocorrer de duas a três vezes na semana.
Segundo Patrícia, a fonoaudiologia é extremamente importante nos casos de perda auditiva, tanto para prevenir e classificar o grau de deficiência, quanto para orientar sobre os recursos oferecidos para uma vida melhor. Ela conta que nem todas as faculdades de fonoaudiologia oferecem Libras na grade curricular, algo que, na opinião dela, é muito importante. Vanessa completa dizendo que, assim como ocorre com qualquer idioma, aprender Libras exige muito estudo e prática.