Machismo ainda afasta mulheres da política
Por Fernanda Pereira / Leticia Rieper / Raquel Ramos /Foto capa: Agência Nacional
Das 513 cadeiras da Câmara Federal, 77 serão ocupadas por mulheres, na eleição anterior, foram 41. Apesar do acréscimo de 51%, a quantidade ainda é bem inferior à participação dos homens. No Senado, o número permaneceu o mesmo de 2010, com 7 parlamentares mulheres. Santa Catarina não elegeu representante feminina para o Senado, mas 4 candidatas estarão na Câmara Federal a partir de 1º de janeiro. Antes eram apenas duas.
Embora Joinville seja o maior colégio eleitoral do Estado, não contará com nenhuma mulher na Câmara Federal nem na Assembleia Legislativa. O encontro promovido pelo Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Joinville, no mês de setembro, reuniu candidatas de Joinville e região ao pleito de 2018, incluindo Ideli Salvatti do PT, única mulher candidata ao Senado por Santa Catarina. Nenhuma das presentes obteve votos suficientes para se eleger.
Uma das conquistas na luta pelo avanço da inclusão das mulheres nos pleitos eleitorais é a Lei 9.504/97, que obriga cada partido a ter 30% de vagas destinadas às mulheres. O que se percebe, a cada eleição, é uma verdadeira corrida em busca de mulheres para se candidatarem. A Lei de Cotas aumenta a presença feminina em cargos eleitorais, porém, para se eleger, é preciso enfrentar barreiras que ainda parecem intransponíveis para muitas.
Nas eleições de 2016, para Câmara de Vereadores de Joinville, as mulheres registraram o maior número de candidatos com zero voto, segundo o TRE de Santa Catarina. No total, 13 candidatos tiveram votação igual a zero e, destes, 8 eram mulheres. Sem o apoio dos partidos, sem estrutura, sem experiência, e tudo isso acrescido do preconceito masculino, a Lei de Cotas, na opinião das entrevistadas, pode ser também a causa de as mulheres liderarem as estatísticas de candidatos menos votados.
A advogada Carla Odete Hofmann foi candidata a deputada federal pelo PSDB nas eleições de 2018. Ela analisa que, por conta das cotas, os partidos são obrigados a ter mulheres como candidatas nos pleitos eleitorais, numa proporção de uma mulher para cada três homens. Porém, nem sempre isso se reverte em apoio financeiro e partidário. A ex-candidata de São Bento do Sul, cita o exemplo da Câmara Municipal de Sombrio, no sul do Estado, onde cinco vereadores tiveram o mandato cassado pela inclusão de “mulheres laranjas”. “Só quando a mulher exigir do seu partido político as condições necessárias, assim como as oferecidas aos homens, elas poderão concorrer com igualdade”, explica Carla.
Falta de respeito
Da mesma forma, Jucélia de Aguiar Mendes, do Partido dos Trabalhadores, candidata a vereadora em 2016, diz que “se a mulher recebeu voto zero, se nem ela mesma votou em si própria, a explicação pode estar no fato de incluírem o nome dela na lista de candidatos sem que a própria mulher tenha conhecimento”. Jucélia passou pela experiência de ver seu nome numa lista de “pré-candidatas” sem ter sido consultada. “Isso é um descaso, uma falta de respeito para com a mulher e precisamos combater”.
Quem também lamenta é a vereadora Tania Regina Larson, candidata à Deputada Estadual pelo Solidariedade. Tania não se elegeu, porém continua cumprindo o mandato na Câmara de Vereadores de Joinville. Ela reafirma a opinião de Jucélia, de que os partidos inscrevem mulheres sem que elas tenham conhecimento e faz referência a uma pessoa que se candidatou na última eleição em troca de favores, pela necessidade de o partido preencher as cotas.
A vereadora conta que é muito comum pessoas se iludirem na política. “Usam-na para ganhar tanques de gasolina e até cestas básicas”. Ela destaca a necessidade de valorização da mulher na política: “A mulher tem que se valorizar, tem que acreditar no potencial dela’’.
A votação zerada nas urnas também pode representar uma forma de protesto contra a falta de apoio do partido, conforme explica Tatiane Steil, que foi uma dessas mulheres de voto zero nas eleições municipais.
O machismo é uma das causas da dificuldade do envolvimento de mulheres na política, ambiente ainda dominado pelo sexo masculino, além da posição de supremacia dos homens nas religiões. Esse foi o tema que Janice Mendes desenvolveu no seu trabalho de conclusão de curso de Direito. Na pesquisa, ela investigou os agentes causadores da exclusão da mulher na política. Como resultado, ela aponta dois fatores: a cultura de que política não é “coisa para mulher”, mesmo conceito perpetuado por muitas religiões. “É preciso cada vez mais enfrentar essas ideias retrógradas. Para haver um avanço é necessário estar inserida no processo eleitoral”.
Mesmo com a participação da mulher cada vez maior no mercado de trabalho, com a igualdade garantida pela Constituição, Carla Hoffmann diz que a mulher ainda não se efetivou nos cargos políticos porque a maioria dos homens não a quer na vida pública. “O mundo masculino não enxerga a mulher com capacidade de decidir e com possibilidade real de participação nas carreiras políticas”, afirma.
Carla narra um exemplo dessa postura machista, vivida logo após a divulgação do resultado eleitoral, quando os homens também candidatos dirigiam-se a ela e diziam querer sua participação como vice na chapa no pleito de 2020 para Prefeitura Municipal de São Bento do Sul Ela observa que, mesmo como quem faz um elogio, eles sempre colocam a mulher numa posição inferior a deles, ou seja, como “vice”. Com educação, ela se voltou a um deles e afirmou: “Obrigada, mas sou eu que quero você como vice na minha chapa”.
De maneira em geral, as mulheres entrevistadas nesta reportagem têm pensamentos similares em relação à representatividade feminina dentro da política. “A mulher hoje, aquela que é líder, que luta por bandeiras, tem que botar o seu nome na política, não somente por cota, mas sim pelo trabalho e para defender os direitos das mulheres’’, diz Tania Larson. Ela lamenta pelos comentários machistas recebidos em sua rede social: “Muitos homens ainda não valorizam a mulher e a gente tem que começar a mudar este quadro’’.
Da mesma forma, Tatiana Barreto, que se candidatou à Deputada Federal e é filiada ao PSL, entende que a dificuldade da mulher para se inserir na política é igual em todos os partidos políticos. “A mulher tem que bater de frente porque o homem tem o pensamento da dominação do seu território e a mulher tem a ideia pré-estabelecida de que política é coisa de homem”, diz Tatiana. Ela recorre ao nome de Margareth Tatcher como exemplo de que essa cultura tem que mudar no Brasil, como aconteceu na Inglaterra. Tatcher, conhecida como a Dama de Ferro, foi primeira mulher a assumir o cargo de primeira-ministra do governo britânico, em 1979. Ela permaneceu no cargo por 11 anos.
Bombeira voluntária e profissional de Assistência Social no combate à violência contra a mulher, Tatiana se sente preparada para exercer, com eficiência, um cargo eletivo. “Eu sei, pela prática, a necessidade que a mulher tem quando sai de uma delegacia e vai para a realidade da sua casa, dos reflexos na saúde e no seu psicológico”, afirma ela, que é também estudante de Nutrição.
“Atuar na política não é só se candidatar a cargo eletivo”, explica Estela Menezes. As mulheres precisam também evoluir como eleitoras. Estela se mostra indignada quando ouve algumas dizerem que votam em um ou outro candidato porque é bonito ou charmoso, sem analisar o seu verdadeiro potencial de governante ou legislador. “Nestas eleições de 2018”, constata a ex-candidata, “os eleitores de um modo geral deixaram de votar em grandes nomes com propostas honestas, para votar em quem tinha chance de se eleger conforme as pesquisas. O que vemos hoje é a raiva e o ódio predominando nas campanhas”, destaca a representante do Podemos.
Ela enxerga a mulher com capacidade até maior que a do homem para exercer cargo eletivo e percebe que já passaram a ter mais confiança e a votar mais nas próprias mulheres. “Eu percebi isso na campanha que eu fiz. Trabalhei apenas cinco dias com material oficial do partido e, apesar do pouco tempo, consegui 200 votos”. Apesar da quantidade de votos, ela considera que teve um resultado bom, pois trabalhou “sem dinheiro, sem material, a pé, no antigo estilo político corpo a corpo, sem nenhuma estrutura, focada no bairro Costa e Silva”.
Não foi a primeira eleição em que Estela se candidatou, mas saiu mais satisfeita do que na anterior. Percebeu que está mais conhecida do que na primeira, porém só voltará a concorrer se o partido lhe oferecer condições. “Só é possível vencer uma eleição com estrutura e apoio partidário”, explica. Ela está convencida de que é “conversando nas ruas com o eleitor que se ganha o voto”.
A atuação na política está também nos trabalhos voluntários, associações de moradores ou ONGs. Na opinião de Carla Hofmann, mulheres que fazem esse trabalho começam a ter consciência dos problemas e promovem uma participação política pela vontade de mudança. “É com o poder do cargo eletivo que a mulher vai participar efetivamente das decisões. A munição é muito maior, com possibilidade maior de ação”.
Tania também acredita na importância das experiências aplicadas em trabalhos na comunidade de base para uma candidatura de sucesso. “Desenvolver atividades no bairro, associações beneficentes, igrejas é importante para o candidato se tornar conhecido. É um trabalho que pode levar anos para ser reconhecido. Tem que plantar pra colher na lá na frente”. Ela cita a importância de buscar um suporte para a eleição, um grupo para fortalecimento, não de politicagem, mas sim de ajuda à comunidade.
Um século de luta pelos direitos políticos
As mulheres conquistaram o direito ao voto em 1932, durante o Governo de Getúlio Vargas. Mas nem todas podiam votar, apenas as casadas, com autorização do marido, ou as viúvas e solteiras que tivessem renda própria. Em 1934, as restrições do voto feminino foram retiradas da legislação eleitoral e, em 1946, finalmente, a obrigatoriedade do voto foi estendida para todas as mulheres.
A luta pela democracia da ala feminina é anterior a essas datas, afinal elas também queriam o direito à cidadania, em uma época na qual a mulher era considerada como um ser de segunda classe, tendo a decisão de seus atos tomadas pelos homens.
Essa contextualização faz parte de uma história muito recente do Brasil. Mesmo com todas essas conquistas, ainda são necessárias mudanças para que elas consigam ocupar mais espaço na política brasileira. Passados 86 anos da liberação do voto feminino, a mulher é maioria entre os eleitores, 52% , mas é minoria em representação política, somente 13% no Senado e 15% na Câmara Federal.
A cultura machista é apontada pela maioria das mulheres como o principal problema para a participação na política. Mas a história mostra que o empoderamento e a mudança de comportamento da própria mulher é que fizeram com que as barreiras pudessem ser ultrapassadas e o homem passasse a enxergá-las como pessoas importantes no processo político e eleitoral do país.
A lei 9.504/97, em seu artigo 10, parágrafo terceiro, determina que: cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. Mesmo com essa legislação, o principal desafio das legendas é atrair mulheres que se filiem e estejam dispostas a lançar suas candidaturas.
TRE investiga candidaturas de “laranjas”
Marcos Aurélio Fernandes, presidente do diretório municipal do Partido dos Trabalhadores (PT) em Joinville, reconhece que houve evolução da legislação eleitoral, mas que ampliar o quadro de mulheres candidatas ainda é um desafio para os partidos. Além disso, ele afirma que é importante debater esse assunto, principalmente no cenário atual da política. “Mesmo com as leis estimulando, há um questionamento, esse é um debate do momento, a participação da mulher na política. Ao mesmo tempo, tem candidato à presidência da república que não respeita isso.” O ex-vereador também comenta que o país avançou muito em termos de legislação eleitoral para mulheres, pois, além da cota de candidaturas, a nova legislação sobre o fundo partidário também cria regras para que um percentual de 30% dos recursos obrigatoriamente sejam gastos com candidatura femininas.
Marquinhos reforça a importância da fiscalização do cidadão para que as mulheres não sejam usadas só como candidatas “laranjas”, isso é, quando só colocam o nome como candidata, mas, na realidade fazem campanha para angariar votos aos homens. “O TRE, em Santa Catarina, vem agindo através de denúncias de que, em alguns municípios, houve coligações nas eleições municipais de 2016 que colocaram mulheres somente para cumprir a cota. A denúncia conseguiu provar que essas mulheres não fizeram campanha para elas, ou seja, comprova que estavam só para ludibriar, enganar a justiça”.
O partido dos trabalhadores tem grande participação feminina na política já de longa data. Em Santa Catarina, uma das precursoras é Luci Teresinha Choinacki. Filiada ao partido desde 1982, ela foi eleita deputada estadual em 1986 e única mulher na assembleia naquele ano. Foi deputada federal por quatro mandatos, (1990, 1999, 2003 e 2011). Para a região norte catarinense, a referência do partido é Ideli Salvatti, líder operária e com histórica política na educação e nas pastorais, foi eleita para assembleia legislativa de SC em 1995 e 1998. Em 2002, foi eleita a primeira senadora de Santa Catarina e, no governo Dilma, assumiu o Ministério da Pesca e Agricultura, cargo que ocupou até 2011. Na esfera Nacional, o PT é o único partido que elegeu e reelegeu uma presidenta da república por dois mandatos consecutivos. Dilma Rousseff assumiu o cargo logo após o término do mandato do ex-presidente Lula e saiu em 2016 por meio de um processo de impeachment.
De olho na renovação
Méruli Peres Furquin, 30 anos, é empresária e atualmente ocupa o cargo de vice-presidente do diretório municipal do Partido Social Liberal (PSL), em Joinville. Desde os quinze anos passou a acompanhar a política em São Francisco do Sul, cidade em que morava na época. Chegou a participar das reuniões da juventude do PT, por influência do pai. “Mas lá vi coisas que não condizem com aquilo que eu acredito. Depois, com a maturidade, fui vendo que o modelo socialista que o PT adota não é referencial, ainda mais por tudo que aconteceu”, comenta. Continuou acompanhando os fatos políticos e, nos últimos cinco anos, em especial, a história de Jair Bolsonaro. “Ele, me despertou conceitos e princípios que eu tenho e que eu acho que é o correto para a sociedade”.
A empresária diz que, no início, recebeu represálias, principalmente na igreja que frequenta, comentários de que mulher não tinha que estar envolvida com política, mas, atualmente, percebe a mudança de comportamento dessas pessoas. “Elas admiram e incentivam, falam: ‘você tem que continuar, a gente precisa de alguém que nos represente’”, afirma. Méruli comenta que, no partido, a maioria ainda é homem, mas é ela quem conduz as reuniões. “Eles respeitam, são bem parceiros, não tem nenhum tipo de retaliação”.
A militante do PSL afirma que a mulher representa renovação na política e que ela também quer fazer parte disso. “Eu, como mulher, quero representar uma limpeza, justiça, até onde eu puder, quando ver que não dá mais, que está difícil, eu não vou atrelar a minha imagem a essas pessoas”. Para Mérulli, no cenário político atual, a principal referência feminina é Janaina Paschoal (PSL), candidata pelo estado de São Paulo, eleita deputada estadual com votação recorde em todo Brasil. “Ela é uma mulher de fibra, de garra, que teve uma votação como deputada estadual fora de série. Fala aquilo que pensa”. Em Santa Catarina, a empresária aponta Ana Caroline Campagnolo (PSL) como uma mulher de destaque. De Itajaí, aos 26 anos, foi eleita em 2018 como Deputada Estadual por Santa Catarina. A deputada eleita Ana Caroline Campagnolo já enfrenta um inquérito civil, movido pelo Ministério Público Federal, além de uma série de manifestações de repúdio de entidades ligadas à educação e da OAB-SC, porque no dia da eleição presidencial publicou um post em redes sociais incitando estudantes a utilizarem celulares para gravar o que ela chama de “doutrinação” de professores em sala de aula.