Dia da Consciência Negra incentiva reflexões sobre preconceito racial
Por Amanda Cristina, Amanda Primo e Jucilene Schneider
Com o objetivo de mostrar à sociedade que o racismo, além de ser um comportamento condenável, é um processo histórico e político, a Defensoria Pública da União (DPU) lança nesta terça feira (20), data da Consciência Negra, a campanha audiovisual Interfaces do Racismo, que conta com 4 minidocumentários. Saiba mais clicando aqui
Confira também o primeiro minidocumentário Interfaces do Racismo: Racismo Estrutural
Entre 2015 e 2017, a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua) constatou que o número de brasileiros que se autodeclaram pretos e pardos aumentou. Agora mais 6% dos brasileiros passaram a se declarar negros, totalizando 17,8 milhões de pessoas e 1% deles se declaram pardos, totalizando 96,9 milhões.
Em 2017, foi realizado um estudo com cerca de 200 pessoas entre 18 e 50 anos. Destas, 67% acreditam já terem sido rejeitadas para uma vaga de emprego apenas por serem negras, além de seis entre dez delas terem sido vítimas de racismo no ambiente de trabalho.
“Acredito que todo preto já tenha sofrido com racismo, seja de forma direta ou indireta. Ao longo dos meus 23 anos, já vivi bastante situações desagradáveis em relação ao assunto”, explica Sabrina Quariniri. Tudo começou quando ela entrou na escola. Era a única aluna negra, e seus colegas colocavam apelidos por causa de seu cabelo afro. Também já foi “enquadrada” por policiais na rua, quando estava com uma amiga branca, que foi liberada sem ser revistada, ao contrário de Sabrina. “O racismo é algo que está incrustado na cabeça das pessoas, o racismo é cultural. Uma das saídas que vejo é começar a discutir o assunto nas escolas, virar obrigatório o ensino da cultura afro para as crianças e ensinar as pessoas a respeitarem as diferenças desde pequenas.”
Símbolo de resistência
Jeferson França vê o Dia da Consciência Negra como símbolo de resistência, um dia de profunda reflexão sobre a luta e o sangue derramado de seus ancestrais e antepassados que vivenciaram o racismo como forma de extermínio. “A ilusão de que somos todos iguais é uma falácia, pois somos desiguais no mercado de trabalho, na cultura, na saúde, na religião e principalmente em cargos políticos nos quais se tomam decisões que representam a sociedade”, explicou. Segundo ele, é de responsabilidade da mídia e da imprensa buscar mais pluralidade, já que a informação define a maneira como a sociedade se relaciona. “Estamos aqui lutando contra o racismo e buscando visibilidade o ano inteiro, não só em datas pontuais.”
Para Jeferson, não adianta se posicionar contra o racismo e aturar ou compactuar com piadas racistas em grupos de amigos brancos. “Todo negro já sofreu racismo, por mais que ele não tenha consciência disso”, contou. Ele ainda explica que o preconceito está nos pequenos acontecimentos do dia a dia, olhares diferentes ao entrar no banco, perseguição do segurança do shopping, nas entrevistas de emprego, nas salas de aula.
“A mudança tem que vir por parte de vocês, brancos. Precisam assumir seu papel de privilegiados na sociedade, voltar na história e ver que a população negra foi sempre marginalizada”, expõe Jeferson. Ele esclarece que a chave da mudança consiste na ocupação pelo negro de lugares que majoritariamente são ocupados por uma classe dominante e racista que enxerga o outro com menos desenvoltura intelectual e menos humano só por ser diferente. “Por isso a representatividade negra é tão importante para que o menino ou a menina negra que sofre com o racismo consiga se enxergar em outros indivíduos que não estejam sempre ligados ao estereótipo de favelado, empregada doméstica, jogador de futebol, corpos exóticos e força. Somos muito mais que isso.”
Para Sabrina Quariniri a data é uma forma de trazer à tona assuntos como o racismo, não ser lembrada em tom comemorativo, mas para todos ficarem cientes de toda a luta e sofrimento que o povo negro passou para ser realmente respeitado como ser humano. “É também uma data importante para nós, negros, conhecermos nossas raízes e, assim, podermos explicitar livremente a nossa cultura e saudar nossos ancestrais”, contou.
Relembrar é preciso para não repetir erros do passado
“A importância do dia da consciência negra é principalmente a memória, relembrar para resistir, relembrar para não repetir os erros do passado”, explica a doutora em Antropologia Social Maria Elisa Máximo. Segundo ela, a palavra “consciência” é muito importante, porque é através da conscientização que as pessoas conseguem perceber o quão racista é o país em que vivem e assim podem apoiar a luta dos movimentos raciais e minimizar os efeitos do racismo, pois é um dia de visibilidade, representatividade, luta e resistência.
Entretanto a antropóloga considera difícil para as pessoas reconhecerem o privilégio de serem brancas. “Se eu nunca sofri preconceito racial, é difícil saber o quanto isso dói, por mais que eu me esforce e me coloque no lugar do outro, mas é justamente por isso que temos que fazer esse exercício, pois eu não sei o que é o preconceito racial, então não posso falar sobre uma coisa que eu não vivencio”, afirma. Para Maria Elisa, essa dificuldade em não reconhecer os privilégios causa certo repúdio, crítica e recusa da população branca em legitimar e reconhecer a importância da consciência negra. “Você pode estar em uma situação horrível, disputando uma vaga de emprego, mas se você for branca, contra uma pessoa negra, talvez você ganhe por ser branca”, considera. Portanto, além da conscientização, é importante reconhecer os privilégios antes de julgar a importância do dia da consciência negra.