Faltam políticas de auxílio a mães cientistas no Brasil
Por Giovana Corrêa e Luana Verçosa / Foto capa: Tânia Rego – Agência Brasil
Fernanda Staniscuaski é docente e pesquisadora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, professora na instituição e mãe. As horas de pesquisa no laboratório deram vez às noites de cuidado com seus dois filhos. “Eu estava acostumada a ter disponibilidade para poder trabalhar das 7 da manhã às 7 da noite se necessário. Podia escrever projetos, preparar aulas em casa, mas, depois que os guris nasceram, isso não acontece mais”, relata. A pesquisadora conta que a maternidade impactou diretamente na sua carreira científica. Ao dividir o seu tempo entre as horas em sala de aula, a pesquisa e as crianças, a ciência acaba ficando para trás.
O Brasil é um dos países que conta com a maior quantidade de artigos científicos publicados por mulheres. De acordo com o relatório Gender in the Global Research Landscape, publicado pela editora Elsevier, cerca de 49% de toda a publicação científica do Brasil é feita por mulheres. A porcentagem de artigos escritos por autoras é ainda maior, cerca de 72%, segundo a pesquisa divulgada pela Organização dos Estados Ibero-americanos. Apesar disso, ainda não existem políticas específicas de auxílio em períodos como a maternidade, o que faz com que a produtividade acadêmica das pesquisadoras diminua.
Para Fernanda, as dificuldades não ficam apenas na organização do tempo. A falta de amparo para dar continuidade à carreira e o preconceito dentro do meio acadêmico também dificultaram o avanço da cientista.
Uma pesquisa realizada pela think tank britânica Overseas Development Institute (ODI), em 2016, revela que as mulheres passam mais tempo (até 10 anos a mais) do que os homens em atividades domésticas não remuneradas, principalmente no cuidado com os filhos. No Brasil, segundo dados do IBGE (2016), elas dedicam quase o dobro de horas semanais aos afazeres domésticos do que os homens: são 20,9 horas contra 11,1. Essa discrepância afeta diretamente as demais áreas da vida das mulheres. No meio acadêmico, por exemplo, muitas vezes elas precisam conciliar inúmeras funções com a maternidade. “A produção científica é um tipo de atividade que requer uma outra temporalidade, não é algo que você resolve de imediato, ela requer pesquisa, saída para coleta de dados, tempo de reflexão para formular teorias a partir de leituras e tudo isso exige uma concentração que o cuidado com a maternidade muitas vezes não permite”, explica a doutora em Antropologia Social Maria Elisa Máximo.
Elisa aponta que a ciência, hoje, não difere da lógica do mercado: quanto mais se produz, mais se conquista. Como exemplo, menciona que algumas linhas de financiamento exigem uma comprovação de produtividade na área. “Se você está, digamos, há um ano sem produzir um artigo, sem coordenar um projeto, orientar alunos, sem, enfim, realizar essas coisas que são da nossa rotina acadêmica, você irá pontuar menos e, provavelmente, não vai conseguir obter uma linha de financiamento”, argumenta. Consequentemente, sem recursos financeiros, a pesquisadora passa ainda mais tempo sem produzir e perde ainda mais oportunidades. “A licença-maternidade coloca a mulher em uma posição desigual na competição com outros pesquisadores homens ou mulheres que não estejam vivendo essa situação. E não existe nenhuma política pública que atenue os efeitos dessa disparidade”, avalia Maria Elisa.
Diante desta situação, há algum tempo pesquisadoras se organizam no meio científico em um movimento para dar visibilidade a esse problema. Elas passaram a utilizar a plataforma Lattes para incluir, no texto de apresentação, o período em que estiveram de licença-maternidade. O propósito é contribuir para a construção de políticas públicas que atuem para minimizar os impactos negativos que o período da maternidade causa na carreira científica. Motivada por essa demanda, a Diretoria Executiva do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aprovou, recentemente, a proposta de incluir a data de nascimento e de adoção de filhos como um campo de preenchimento facultativo do Currículo Lattes.
Parent in Science estuda impacto da maternidade na produção científica
Essa conquista é um dos frutos do projeto criado por Fernanda Staniscuaski, o Parent in Science. Desenvolvido com o objetivo inicial de criar um fundo de pesquisa específico para mães-cientistas, o foco do projeto mudou, pois praticamente não existiam dados sobre a situação de mulheres que são mães e pesquisadoras. Fernanda explica que faltam informações tanto no âmbito nacional quanto internacional. “Não tínhamos dados, principalmente quantitativos, sobre o impacto da maternidade na carreira científica no Brasil. Até mesmo em termos mundiais, a quantidade de dados era limitada. Então o Parent in Science virou um projeto de pesquisa que visa entender o impacto da maternidade na produção científica e obtenção de financiamento na carreira das cientistas brasileiras”, explica.
Além de estudar as condições das mães que estão inseridas no meio acadêmico, a fim de traçar o perfil dessas mães-cientistas, o Parent in Science tem algumas reivindicações para diminuir a desigualdade no meio científico. Salas de amamentação nas universidades, creches nos campi, editais específicos para mães cientistas e aceitação de crianças nos espaços de eventos científicos são algumas solicitações do projeto.
Coletivo apoia mães pesquisadoras
Pesquisar, apoiar e compartilhar experiências são os propósitos do Coletivo Mães na Universidade, criado pelas doutorandas Vanessa Clemente Cardoso e Fernanda Moura. Tudo começou quando, em novembro de 2017, Vanessa decidiu criar um grupo no Facebook para mães que cursavam pós-graduação. Ela tomou a iniciativa depois de perceber que, embora participasse de muitos grupos de mães, a realidade que vivia era bem diferente das outras mães por enfrentar tanto as dificuldades relacionadas à maternidade quanto problemas ligados à pesquisa científica e à carreira acadêmica. Com a criação do grupo “Mamães na pós-graduação”, ela conseguiu se conectar com outras mulheres que viviam a mesma situação e lembra que houve muita troca de experiências e relatos desde o início.
Meses depois, Vanessa recebeu um convite da estudante da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Fernanda Moura, para administrar a página que ela havia acabado de criar: “Mães na Universidade”. A página reúne os relatos de superação dessas mulheres, assim como as histórias de mães que acabaram desistindo da carreira acadêmica devido às dificuldades para conciliar os dois universos. Motivada por isso e por outras iniciativas que conhecia, Vanessa mobilizou estudantes e professoras na sua universidade e elas criaram o Coletivo de Mães da UFG, que atualmente é administrado por dez mães.
Após a criação desse coletivo, Vanessa começou a ser contatada por acadêmicas de todo o Brasil, que também administravam grupos parecidos, pedindo dicas e orientações. “Para falar a verdade eu não sabia muito o que dizer, era um universo muito novo para mim também. Eu fui fazendo as coisas e foi tomando uma proporção que nem eu imaginava”, relata. Depois de muitas trocas e conversas com essas mulheres, ela pensou em criar o Coletivo Nacional de Mães na Universidade, de forma que todas as informações que havia reunido até ali fossem sistematizadas, divulgadas e compartilhadas entre todas essas mães. A ideia é facilitar não apenas a manutenção dos coletivos já existentes, mas também a criação de novos, já que as mães não precisariam começar seus projetos do zero e poderiam seguir modelos de sucesso.
O Coletivo Nacional Mães na Universidade é administrado por mulheres de diversos coletivos pelo Brasil, entre eles o da Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, PUC, Universidade Federal Fluminense e UFG. O coletivo reivindica mais creches nas escolas e universidades públicas, auxílio-maternidade para as bolsistas e pesquisadoras mães, concessão da licença maternidade para mães-estudantes e direito à alimentação dos filhos nos restaurantes universitários, bem como a garantia de sua integridade, segurança e cuidado em todos os espaços da universidade e escolas.
Alteração no texto feita em 26/4/2019 às 11h28: Fernanda Staniscuaski é docente e pesquisadora da UFRGS, já concluiu seu doutorado, portanto não é “doutoranda”, como originalmente estava na matéria.