Brechós, bazares e desapegos refletem preocupação com economia e ambiente
Basta andar pela cidade ou fazer uma busca na internet para perceber que o número de brechós e sites de desapego tem aumentado nos últimos anos. A revenda de roupas usadas é uma tendência mundial. Nos Estados Unidos, estudo realizado pela Thred Up, em parceria com a Ellen MacArthur Foundation, mostra que esse mercado ainda tende a crescer bastante. Em 2016, 45% das mulheres entrevistadas tinham comprado ou estavam dispostas a comprar peças de segunda mão. Esse índice aumentou para 64% em 2018.
A pesquisa também mostrou que o mercado total de roupas usadas dobrou nos últimos cinco anos. Atualmente, 40% das consumidoras entrevistadas já consideram o valor de revenda no momento em que compram uma peça nova, ou seja, pensam em revendê-la mais tarde.
A proliferação dos brechós e desapegos, conforme a doutora Graziela Morelli, professora do curso de Moda da Univali (Universidade do Vale do Itajaí) está relacionada tanto à questão de sustentabilidade quanto às dificuldades econômicas. Do ponto de vista da sustentabilidade, favorecem uma mudança de cultura, que passa pela não-necessidade de posse e valorização da experiência, além de prolongar o ciclo de uso das peças. Do ângulo econômico, a abertura de brechós se intensificou após a crise de 2008.
Por um mundo melhor
O ReCloth Brechó de Boutique foi criado por três sócias: Carla da Silva Alves, a irmã dela e a prima, Roberta da Silva Pacheco. A preocupação com a sustentabilidade está presente até na mobília da loja. “São móveis que a gente ganhou de amigos, parentes. Tem móveis que minha sogra ia jogar fora, eu peguei, pintamos e usamos como enfeite no brechó”, conta.
A ideia do brechó, segundo Carla, teve o apoio da família. “Minha mãe vendeu roupas por muitos anos, lá em casa tínhamos muitas roupas. Falei com a minha irmã e a minha prima para fazermos um brechó e elas toparam na hora.” As peças são compradas de forma consignada, passam por uma avaliação criteriosa e depois são colocadas à venda. O brechó fica localizado na rua Anita Garibaldi, 574, esquina com a rua Porto União.
Para a professora e pesquisadora Graziela Morelli, a preocupação com a sustentabilidade é um posicionamento que passa a ser perene na indústria da moda, pois tal comportamento atinge toda a sociedade. “As marcas de moda estão preocupadas em buscar soluções para garantir sustentabilidade”, explica. “Não é uma totalidade ainda, é algo em crescimento. O próprio fast fashion está preocupado, até pela pressão que vem sofrendo, por isso desde marcas de luxo a marcas menores e também a indústria têxtil, que trabalha com a matéria-prima, vêm investindo bastante em ações de sustentabilidade”, ressalta. A professora cita o Copenhagen Fashion Summit como exemplo de evento voltado a discutir questões de sustentabilidade.
Roupas descartadas no ambiente podem levar até 200 anos para se decomporem totalmente, dependendo do tipo de tecido. Para fabricar uma calça jeans, emitem-se poluentes que equivalem a dirigir um carro por 128 quilômetros e, para fabricar uma camiseta de algodão, são gastos, em média, 2,7 mil litros de água, de acordo com a World Resources Institute. A preocupação com todo esse impacto sobre os recursos naturais já começa a atingir os consumidores. De acordo com o estudo da Ellen MacArthur Foundation, o índice de consumidores entrevistados que prefere comprar produtos de marcas amigas do meio ambiente cresceu de 57% em 2013 para 72% em 2018.
De renda extra à fonte principal de receita
Renda para quem vende, economia para quem compra. Essa lógica levou o casal Angelita Amanda Inácio e Fernando Paoli a abrirem o Angel Bazar e Brechó, localizado na rua Ministro Calógeras, 266. Ela atende a divisão feminina e infantil e Fernando cuida das roupas masculinas. Um diferencial do Bazar é a consultoria de moda. “Eu monto uma mala já pensando no estilo da cliente e mando para a casa da cliente, ela escolhe mais à vontade”, comenta.
O local também oferece horário diferenciado, com um feirão aos domingos à tarde. “É bem legal, pois é um evento para a família. Geralmente os homens ficam assistindo a um jogo enquanto as mulheres ficam bem à vontade”, explica.
Para as jornalistas Jéssica Karina Weirich e Letícia de Castro, o De Pisan Brechó nasceu da necessidade de uma renda extra quando ainda estavam na faculdade. O nome do brechó online no Instagram é uma homenagem à feminista Christine de Pizan. “A gente tinha roupas que não queria mais usar e nossas amigas também, então decidimos montar o brechó online”, conta Letícia.
Como todo brechó, o De Pisan possui algumas regras na hora de escolher as roupas que serão vendidas. Uma das facilidades é enviar fotos das peças por direct. “A gente analisa se não tem nenhum rasgo, se não está manchado, além do estilo. Se há interesse, combinamos o valor”, explica Jéssica. Para as amigas, o brechó fez com que elas pensassem na moda de forma mais consciente.
Kathleen Mori, dona do Brechó Desapega Que Eu Pego, começou vendendo objetos da família. “Eu vendia produtos de pesca do meu pai, do meu irmão, prancha. Comecei vendendo móveis, depois optei por vender só roupas”, conta. O brechó, localizado na rua Água Marinha, 428, no bairro Saguaçu, fica no piso superior da casa dela.
O espaço é pequeno, mas ela pretende expandir para uma sala. O público alvo são as mulheres, pois, de acordo com a proprietária, elas têm mais facilidade em desapegar. “Homem já é mais difícil, eles usam a roupa ou sapato até gastar bem. As mulheres, muitas vezes, compram por impulso nem sempre usam”, explicou.
Mudança cultural leva à troca da posse pela experiência
A indústria da moda, na opinião da professora Graziela, já sente efeito desse reaproveitamento de peças. “A indústria busca entrar nesse sistema também, apresentando soluções que vão desde reciclar uma peça, agregando valor a ela sem uma transformação industrial, até a inclusão de peças Vintage em grandes lojas de departamentos”, exemplifica. “É preciso buscar novas possibilidades, pois criar, produzir, vender e jogar fora não vai mais acontecer na totalidade, vamos mesclar o guarda-roupa com outras soluções”, afirma.
Graziela destaca o minimalismo como tendência que vem crescendo. “Voltar-se mais para a experiência e menos para o acúmulo é uma mudança social para pessoas que estão mais ligadas a si mesmas, a seu bem-estar, do que preocupadas em se mostrar aos outros”, observa. Por isso, ela observa que os brechós refletem um movimento que engloba crise, sustentabilidade, outro olhar para a relação com a sociedade e questionamento da necessidade de posse.
Autora do livro “Do empréstimo a não posse: novas perspectivas no consumo de serviços e produtos”, resultado de sua tese de doutorado, Graziela afirma que a sociedade começa a valorizar a experiência mais do que a posse, como ocorre com os clientes da Netflix ou do Uber. “Os brechós indicam uma mudança de cultura, mas ainda estão presos à aquisição do produto”, destaca. Ela cita outros sistemas voltados para a moda, como aluguel de roupas, empréstimos, guarda-roupa compartilhado e sistemas de assinatura nos quais a posse não ocorre. “Você pode pagar uma espécie de assinatura e ter direito a emprestar uma quantidade determinada de peças por mês, no mês seguinte pode trocar. Aí sim deixa de haver a posse. São possibilidades desse segmento que estão em evolução”, conta. Seja por cuidado com o ambiente ou por questões econômicas, a previsão é de que, até 2028, as peças de segunda mão representem 13% do guarda-roupa das mulheres contra os 6% atuais, segundo a pesquisa Resale Report 2019.