Escavações no sambaqui atraem visitantes ao bairro Guanabara
Por Lucas Borba
O sambaqui Morro do Ouro, localizado no bairro Guanabara, é um sítio pré-histórico, datado em 4.100 anos. Desde o dia 18 de julho, uma equipe de pesquisadores trabalha em escavações numa área de 12 metros quadrados, que está no topo do monte. A intenção é entender não apenas a alimentação dos povos passados, mas o cultivo e o manejo de plantas na costa da Mata Atlântica durante a Pré-História. Cerca de 30 pessoas participam da pesquisa. O número varia conforme revezamentos e a chegada de novos voluntários. A escavação vai até o dia 10 de agosto e o estudo tem prazo de um ano para ser concluído. É possível visitar o local diariamente, das 10 às 16 horas.
Para a arqueóloga Dione da Rocha Bandeira, são muitas as questões a se estudar em relação aos sambaquis, afinal eles ocupam praticamente toda a costa brasileira e há muitos sítios que nunca foram estudados. “Ainda não se sabe ao certo como eles chegaram à costa, existem algumas teorias; não se sabe se os sítios que estão na costa são os mais antigos. Hoje, onde está o oceano pode haver alguns sítios mais antigos, há indícios”, explica.
Sambaqui significa em tupi: tamba (concha) e ki (amontoado), ou seja, “monte de conchas”. A Pré-História corresponde ao passado que antecede a escrita (por volta de 3.000-2.000 a.C. na Mesopotâmia e no Egito), um conceito flexível conforme a cultura estudada. Os sambaquis eram amontoados, propositalmente, por populações pré-históricas e são considerados como obras arquitetônicas, onde se encontram sepultamentos humanos, instrumentos de pesca e caça, além de peças produzidas em ossos de animais e conchas.
“Para preservar você precisa conhecer”, afirma Ana Sprenger Valuf, estudante de Antropologia com linha de formação arqueológica na UFPel (Pelotas). Segundo Ana, com a divulgação do projeto, as pessoas visitam o lugar e conseguem ter a dimensão da importância dos sambaquis nas histórias delas, de Joinville e do Brasil. Os sambaquis acabam virando um grande documento, um registro de concentração de informações, principalmente biológicas, sobre o ambiente antigo.
Estudo reúne equipe multidisciplinar
A pesquisa é multidisciplinar, integra uma rede de pesquisadores do Brasil e do exterior. Envolve as universidades de York e Exeter (da Inglaterra); Univille, o Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville; Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (São Paulo) e Museu Nacional do Rio de Janeiro. A Associação de Amigos do MASJ e a Faculdade Ielusc também apoiam o projeto por meio da participação de voluntários. Além de joinvilenses, a pesquisa conta com estudantes de Pelotas (RS), Rio Grande (RS), São Paulo (capital), Florianópolis (SC), Yorkshire (Inglaterra) e Guaratuba (PR).
O projeto é uma iniciativa do bioarqueólogo André Carlo Colonese, brasileiro radicado na Inglaterra e pesquisador da Universidade de York. Uma vez fechado na escavação, o material será separado, depois enviado às instituições responsáveis por diferentes tipos de análise. Parte do material vai para a Inglaterra, parte para o Museu Nacional do Rio de Janeiro e para a USP. Tudo o que for guardado vai retornar para o Museu do Sambaqui e outra parte ficará na Univille para análise faunística.
A estudante Isabela Scarabel, da Univille, explica que, pelos dentes é possível identificar quais eram os alimentos consumidos. Da mesma forma, resíduos encontrados em restos de ossos também ajudam a decifrar esse enigma do passado. “Em pesquisas recentes encontraram bastante carboidrato nas ossadas, principalmente das mulheres, como se elas fossem coletoras e isso ajuda a entender a cultura deles”, conta a estudante de Ciências Biológicas.
As intervenções em sítios arqueológicos podem ocorrer partindo de um pressuposto científico ou de uma demanda de obra pública ou privada. Ambas precisam de projeto, autorização do Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e licenciamentos.
Rosane Patrícia Fernandes é de Guaratuba, cursa doutorado em Patrimônio Cultural pela Univille. Para ela, são diferentes visões que contribuem para a construção de um único saber. É uma soma de esforços nas grandes áreas de conhecimento. “A biologia, a história, e a gestão [educacional] contribuem de uma forma macro para entender a diversidade que compõe o sítio”, explica Rosane.
Como foi o fim dessa sociedade dos povos sambaquianos? Em tese, quando chegaram os europeus, os sambaquianos já não estavam mais no litoral, teriam outros grupos culturalmente diferentes. Como se deu essa relação entre esses povos ainda não está claro. Em se tratando da Baía da Babitonga, ainda não se sabe como se relacionam esses vários sítios que se encontram em uma mesma região. São necessárias mais datações para saber se eles eram contemporâneos ou não.
Os materiais arqueológicos encontrados podem gerar novas pesquisas, mais conteúdos para a comunicação museológica e informações que complementam um mapeamento arqueológico do continente sul-americano.
José Maria Casquero Luiz Filho é estudante de Arqueologia na FURG, Universidade de Rio Grande (RS). Ele é de Itapecirica da Serra (SP). Para José, a presença dos sambaquis em plena cidade é algo incrível. “Tem os moradores de rua, crianças, todo esse clima urbano e a gente fazendo parte”, continua o pesquisador.
Preservação do patrimônio histórico
A pesquisa alimenta as ações de educação, é fundamental para demonstrar a importância do patrimônio. Rodrigo Dondé, formado em Relações Internacionais e professor de Idiomas, visitou a escavação no dia 25. Ele teve a impressão de que é um processo lento para se descobrir evidências. São várias pessoas trabalhando, mas é uma área pequena em relação ao sambaqui inteiro.
“Como a gente ainda não tem muitas pesquisas de campo, isso coloca mais em evidência que a gente também tem ali resquícios de história antiga. A gente costuma achar que história antiga só existe em outros países, como México e Egito, mas aqui também tem essas evidências”, ponderou Rodrigo.
Para Dione, a pesquisa traz mais visibilidade ao patrimônio arqueológico, principalmente quando há escavação, como nesse caso, em que uma equipe permanece vários dias, no mesmo local, escavando e produzindo dados novos e descobertas.
Dione vê o projeto como um grande difusor de informações em relação ao patrimônio arqueológico. Outra contribuição fundamental é a produção de conhecimento sobre esse patrimônio. “É uma contribuição grande que o estudo do patrimônio traz para a compreensão sociedade brasileira, sobre a história de ocupação desse vasto território”, destaca a arqueóloga.
Uma janela para o passado
Segundo André Colonese, o Morro do Ouro é um exemplo muito claro de como os sítios arqueológicos podem ser dinâmicos, porque preservam informações do passado, mas isso não significa que devam ser cristalizados no tempo e isolados das outras atividades cotidianas. O sítio foi usado como cemitério, pode ter sido usado para outras finalidades. “Hoje é usado como local de recreação, isso nós vemos em vários outros sítios arqueológicos ao redor do mundo. A importância é oferecer uma narrativa histórica do que foi esse local e, em parte, ajudar na preservação do patrimônio porque conta uma história importante das comunidades daqui”, disse o bioarqueólogo.
A arqueologia tem colocado os sambaquis como cemitérios, ou seja, não eram locais de moradia, como se acreditava décadas atrás. Isso leva a outros questionamentos: onde esses povos moravam? Haveria também sambaquis de moradia? “Talvez a gente precise direcionar a atenção para essas áreas ao redor do sambaqui, para além dele em si, a fim de verificar se existem outras evidências de moradia deles”, explica Dione. Uma tarefa muito mais difícil em área urbana.
Como obra arquitetônica e banco de informações históricas, o sambaqui precisa ser preservado para a história da humanidade não ser esquecida. Para Dione, é quase uma janela para o passado. Os achados no Morro do Ouro permitem saber como essas pessoas viviam, compreender como era o ambiente. “Se tem espécies de animais e vegetais e seus restos estão aqui, é possível buscar dados que possam falar se o ambiente era do mesmo jeito que é hoje, se era diferente, se existiam mais espécies, se eram mais abundantes, como é que era esse ambiente e pensar essas questões ambientais contemporâneas”, afirma Dione.