Entidades atuam na ressocialização de detentos em Joinville
Por Lucas Matheus Borba / Originalmente publicada no jornal Primeira Pauta
“Numa cadeia, ninguém conhece a moradia de verdade”, cita o médico Drauzio Varella, no livro Estação Carandiru, lançado em 1999. O Presídio Regional de Joinville não foge à regra. Atualmente, cerca de 1.130 homens e 80 mulheres encontram-se no local onde a capacidade é de 604 e 72 vagas, respectivamente. O local foi interditado em junho, mas o Tribunal de Justiça revogou a decisão do juiz João Marcos Buch.
Nasser Haidar Barbosa é psicólogo e faz parte da coordenação do Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Braz (CDH). Envolvido na questão carcerária desde 2005, hoje atua como apoiador no Conselho Carcerário, entidade que presidiu entre 2012 e 2016. Para ele, um caminho para a mudança passa por nova postura legal diante das drogas. “Eventualmente o cara vende para manter o consumo, vende como um mecanismo de sobrevivência, não é traficante”, explica. Segundo o psicólogo, é preciso fazer uma diferenciação entre quem vende drogas e quem trafica drogas. “O ciclo vicioso cria mais vagas para prender mais gente. A polícia se empodera do número maior de vagas e cumpre mais mandados”, acrescenta.
Cynthia Pinto da Luz começou a advogar em 1983 e, ainda durante a faculdade de Direito, trabalhava para a Pastoral Carcerária e para o CDH. Para ela, em vez do sistema prisional ressocializar e recuperar as pessoas para que tenham uma condição de retomar seus lugares na sociedade, acaba transformando os detentos em criminosos mais qualificados.
Conforme Nasser, é contraditório violar o direito da pessoa em nome do Estado, violar a dignidade humana sob a justificativa de que a pessoa violou o direito de outra. O psicólogo se posiciona totalmente contra a tortura. “Parece o que o Tribunal de Justiça e o Ministério Público fazem quando relativizam a decisão do juiz de interditar o presídio”, compara.
Para Cynthia, a desumanização do sistema e a banalização da prisão são tão grandes que levam as pessoas a uma situação mais violenta. “Se o cara é preso com alguns gramas de maconha, vai pra dentro do sistema, e a alternativa que tem é se aliar ao crime para sobreviver lá dentro”, explica.
Nasser e Cynthia acreditam que a Justiça Restaurativa seja uma alternativa para o problema. Esse sistema evita que alguns crimes ou conflitos judiciais se tornem efetivamente conflitos jurídicos. O agressor e a vítima sentam e pensam juntos na possibilidade de uma solução. Outras possibilidades são as centrais de penas alternativas, que envolvem outras formas de cumprimento de pena, que não as restrições da liberdade.
O 3º juiz da vara de execuções penais, João Marcos Buch, é um dos responsáveis pela situação não estar ainda pior. O Ministério Público (MP) pediu abertura de investigação contra o juiz corregedor no Tribunal de Justiça. O caso ocorreu depois que Buch entregou o próprio telefone para um preso tirar fotos de uma cela na Penitenciária, durante uma de suas visitas.
Buch criou uma cultura de comunicação direta com os detentos e tem uma rotina intensa de entrada nas unidades prisionais. De tempos em tempos recebe cartas dos apenados. “Nem sempre, por exemplo, o preso consegue relatar tudo que está acontecendo lá, então, essas cartas sempre vêm com um pedido de socorro”, explica Nasser. Uma das principais demandas é melhorar o tratamento dado às famílias dos presos no Presídio Regional.
Cynthia acredita que há um viés ideológico na tentativa de criminalizar o trabalho do juiz. “Poucos são os juízes que se preocupam em cumprir a lei como ela realmente determina”, explica. A legislação determina que os juízes corregedores fiscalizem e promovam garantias constitucionais para que pessoas presas não tenham seus direitos violados.
Demandas das pessoas presas
Outras demandas são sobre saúde, pedidos de trabalho e reclamações, como a falta de colchões no Presídio Regional. “Se é para gente julgar alguém pelo crime que comete, vamos começar pelo Estado, que comete, sistematicamente, o crime mais violento”, comenta Nasser.
Ele cita o exemplo de um jovem de 22 anos que quase morreu de tuberculose, uma doença tratável e até hoje têm vários problemas de saúde. “O Estado, que deveria puni-lo de forma proporcional ao que ele cometeu e de maneira educacional, perde todas as medidas, produz um efeito que é muito pior do que aquilo que ele fez”.
A Pastoral Carcerária trabalha nos presídios há 28 anos e visita os presos com um convite bíblico. “Eles recebem bem, ficam felizes com a nossa visita. Para alguns presos, a única visita é da pastoral, acontece bastante”, declara Marcus Vinicius da Costa, coordenador da Pastoral Carcerária.
Para Irecê Donadel, agente pastoral, o mais grave é a superlotação no Presídio Regional. Irecê e Marcus também defendem a Justiça Restaurativa. O Ministério da Justiça admite que a população feminina do cárcere aumentou 698% entre 2000 e 2016. As mulheres sofrem abandono, falta de capacitação profissional, oportunidade de trabalho, estudo, isolamento, condições de saúde, prevenção ao câncer, formação mínima de cidadania e o afastamento dos filhos.
O presídio, segundo eles, não é adequado para mulheres e é majoritariamente masculino. Na opinião de Irecê, parece que, quando a mulher comete um erro, é mais penalizada do que os homens.
Uma das ações desenvolvidas com as detentas foi a preparação de peças teatrais com dois grupos de mulheres. Os ensaios duraram meses e poucas pessoas foram assistir. “Só de ver os olhares diferentes, os sorrisos, a alegria já valeu a pena. Elas puderam colocar uma roupa diferente, usar o mesmo uniforme sempre faz perder um pouco da identidade”, constata Irecê.
Para a pastoral, uma medida urgente é o julgamento dos provisórios. A penitenciária é público-privada, parte dos serviços, como vigilância e nutrição, é terceirizada. O presídio é público.
“A penitenciária industrial não pode ser modelo devido à privatização”, afirma Irecê. O presídio é para provisórios, a penitenciária é para quem já teve a condenação, pois tem toda a estrutura para aqueles que vão passar mais tempo no local. Devido à falta de vagas na penitenciária, as pessoas pagam as penas no presídio.