Acadêmica utiliza análise semântica para estudar “arquitetura da mentira”
Ela já perdeu a conta de quantas entrevistas, quantas notícias, quantas reportagens produziu ao longo de quatro anos do curso de Jornalismo, mas o que Marília Comelli não perde é a curiosidade. E foi movida por um desses rompantes de aluna curiosa que mais um ponto de interrogação se formou na sua cabeça: afinal, como as fake news se tornaram um problema tão grave em plena era da informação? Pensando nisso, ela decidiu estudar, em sua pesquisa de conclusão de curso, a arquitetura da mentira. Sua monografia faz uma análise semântica de notícias falsas propagadas nas eleições de 2018.
Como corpus da pesquisa, ela selecionou dez declarações do então candidato a presidente, Jair Bolsonaro, declaradas falsas pelo site Aos Fatos, serviço especializado em checagem. Todos os enunciados foram feitos a grandes veículos de comunicação.
“No Brasil, somente entre julho e setembro de 2018, circularam 4,8 milhões de notícias falsas e, destas, 46,3% abordavam política”, destacou a estudante com base em pesquisa do BFNDR Lab.
Para empreender seu estudo, Marília utilizou como abordagem teórico-metodológica a análise semântico-discursiva e, para isso, precisou se familiarizar com teorias dos estudos da linguagem pouco abordadas no curso de Jornalismo. “Por meio de marcas linguísticas, presentes na materialidade do texto, busca-se revelar a intencionalidade do emissor e o efeito de sentido produzido na circunstância da enunciação”, explicou.
Entre as fake news, Marília abordou o caso do “kit gay”, a declaração de Bolsonaro de que o voto eletrônico “não existe em nenhum lugar do mundo” e do falso “9º Seminário LGBT Infantil”.
Conforme os resultados da pesquisa, o discurso estudado apresenta padrões que funcionam com estratégias para convencer o público a acreditar em informações falsas. “Uso de afirmações repetidas, verbos no imperativo e na voz ativa, inversão do papel de vítima/culpado, uso de chavões para tratar de modo simplista discussões complexas e perguntas retóricas são alguns dos padrões observados”, explicou.
Os dois professores avaliadores, Lívia Vieira e João Kamradt, elogiaram o bom texto de Marília, a metodologia adotada e a forma como conseguiu encadear teoria, análise e postura crítica. “Para estudos futuros, recomendo que você também problematize os selos adotados pelas agências de checagem e que você coloque a lista de padrões utilizada na apresentação também no final do último capítulo”, sugeriu Lívia.
Kamradt observou que os serviços de checagem estão relacionados ao declínio da checagem que deveria ser feita nas redações e da própria polarização política. “Para etapas futuras de suas pesquisas, sugiro estudar como essas fake news reverberam nas redes sociais, onde elas realmente se popularizam”, disse o professor. O trabalho foi orientado pela professora Marília Crispi de Moraes. A aluna tirou nota dez.