Cinema e televisão refletem desigualdade racial
Por Pedro Novais
“A única coisa que diferencia as mulheres negras de qualquer outra pessoa é a oportunidade.” Essa frase marcou o discurso da atriz Viola Davis no Emmy de 2015, quando foi a primeira mulher negra a ganhar na categoria de melhor atriz. Cinco anos depois, o discurso ainda diz muito sobre a indústria cinematográfica.
Em 2020, a morte de George Floyd, homem negro asfixiado por um policial enquanto já estava rendido, deu início a manifestações em escala global e impulsionou o movimento Black Lives Matter. O movimento tem lutado contra o racismo e por mais visibilidade à população negra, problemas que estão presentes em toda a sociedade e que se refletem no cinema e na TV. Segundo estudo publicado em 2019 pela Universidade da Califórnia (Ucla), apenas um em cada cinco filmes são estrelados por pessoas negras, ou seja, menos de 20% das produções feitas.
Nação não se vê nos filmes nacionais
O problema é muito pior quando se amplia o cenário para além das telas. Ainda de acordo com dados da Ucla, atrás das câmeras a desigualdade é muito mais visível. Apenas 12,6% dos diretores são pessoas negras, número que se mantém praticamente inalterável desde 2014. Nas séries, só 9,4% dos criadores são negros e, nas premiações, 80% dos troféus são entregues a diretores brancos e 80% a atores brancos. Viola Davis, infelizmente, continua a ser uma exceção.
No Brasil, segundo dados da Ancine divulgados em 2018, dos 142 longas lançados em 2016, um total de 75% foram dirigidos por homens brancos, e dos 827 atores e atrizes de filmes que tiveram os elencos analisados, apenas 13,4% eram negros ou pardos, isso em um país onde, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais da metade da população é negra. É uma nação que não se vê nos filmes nacionais.
Ambiente hostil para mulheres
Os números de ambas as pesquisas revelam que o cenário é ainda mais problemático quando se diminui o recorte para mulheres negras, praticamente inexistentes dentro da indústria. De acordo com a Ucla, enquanto homens negros apareceram em 86 dos filmes produzidos entre 2016 e 2017, mulheres negras estão em somente 29 deles. Na direção, somente 12,6% das produções dos filmes tiveram uma mulher na direção, com ou sem um co-diretor, número que, no início da década, era de 6,5%.
Nas produções televisivas, as mulheres – brancas e negras – representam 22,2% dos criadores de séries. Entre roteiristas, a prática nada igualitária se repete, 12,6% de mulheres contra 87,4% de homens, dentre os quais 92,2% são brancos.
No Brasil o padrão é reforçado. Dos 142 filmes analisados pela Ancine, nenhum foi dirigido ou roteirizado por mulheres negras. Do total, 111 desses filmes tiveram homens como diretores e apenas três deles eram negros. Mulheres dirigiram sozinhas apenas 28 filmes. Na produção dos roteiros, a participação das mulheres restringe-se a 16,2%, todas brancas.
A área de produção executiva foi a única onde mulheres se destacaram, com participação de 39,7% dos filmes. Mais uma vez, todas as profissionais eram brancas, embora duas tenham contado com a participação de mulheres negras ou pardas.
Apesar dos dois estudos mostrarem algum aumento na participação de pessoas negras na produção e no elenco dos filmes ao longo da década passada, é nítido que a desigualdade racial e de gênero ainda é muito presente na indústria cinematográfica. É uma mostra de como funciona o racismo estrutural que, embutido nas práticas e costumes sociais, continua segregando.
Representatividade importa
A falta de representatividade negra nas telas também é sentida pelos espectadores. A artista e integrante do movimento negro de Joinville Isabelle Amorim, 22, afirma que se sentir pouco representada ao assistir a filmes e séries, mas que vem notando a presença de mais personagens negros nos conteúdos que consome. “Quando acontece de me sentir representada é algo muito incrível.”
Isabelle acredita que a representatividade é muito importante, pois a população negra, principalmente no Brasil, é muito grande, e é essencial que essas pessoas se vejam e se sintam representadas. “É muito importante, principalmente para as crianças. Por exemplo, meu afilhado de 4 anos estava assistindo a um desenho animado que tinha protagonistas negros, ele olhou e disse: ‘Olha lá! Sou eu!'”, relatou.
Apesar de nos últimos anos a presença de personagens negros ter aumentado, alguns problemas ainda persistem, como representações estereotipadas, personagens negros que aparecem e logo morrem – a chamada “falsa representatividade” – e, o mais frequente, personagens que só existem para falar sobre racismo. “É muito cansativo, porque nós não sabemos falar só sobre racismo”, critica a artista. “Quando um filme tem personagens negros que simplesmente existem e têm questões normais como qualquer outra pessoa é incrível e faz com que as pessoas rompam com ideias estereotipadas”, explica.
Sobre a falta de oportunidades, Amorim acredita que todas as pessoas, sejam elas negras, brancas, asiáticas ou indígenas, merecem ter oportunidades iguais. “Todos têm capacidade, independente da raça ou gênero.” A artista está muito confiante no impacto dos protestos Black Lives Matter nas produções futuras. “Eu acredito que vai mudar. Está na hora de mudar. E esses protestos estão aí justamente para isso.”
O cinema e a televisão são meios com grande alcance de público, por isso é tão importante que pessoas negras, assim como LGBTQIA+ e outras minorias não só sejam representadas, como também produzam conteúdos que ajudem a levar informação, a acabar com preconceitos e estereótipos e, o mais importante, que mostrem que todos têm mais em comum do que imaginam.