Planos e vieses econômicos dos candidatos a presidente
As eleições presidenciais ocorrem no próximo domingo, dia 2 de outubro. De acordo com a pesquisa Ipec, divulgada nesta segunda-feira (26), o ex-presidente Lula (PT) tem 48% das intenções de voto e o presidente Jair Bolsonaro (PL), 31%. Depois aparecem Ciro Gomes (PDT), com 6%, e Simone Tebet (MDB), com 2%. Soraya Thronicke (União Brasil) e Felipe D’Avila (Novo) empatam em 1%.
A Revi reuniu as principais propostas para a economia apresentadas por estes seis candidatos mais bem-posicionados nas pesquisas e os classificou em escolas do pensamento econômico.
Lula (PT) – keynesianismo
Classificação: keynesianista porque, por um lado, suas políticas sociais e suas propostas de reformas dependem de uma intervenção do Estado, e, por outro, não se recusa a possibilidade de abertura para o capital estrangeiro.
Viabilidade: considerando que Lula possui hoje uma das maiores coligações entre partidos da história, é completamente viável que suas propostas sejam aprovadas no Congresso. Unem-se diversas bancadas sob sua gestão. A questão é: sua proposta de governo é esquerdista, como muitos pensam? A resposta é “não”. Embora possamos ver propostas de caráter mais progressista, seu projeto de governo acena para partidos políticos que não dialogam com os ideais da esquerda, mas sim com os da direita. “Keynesianismo de centro” é a melhor classificação que vejo para Lula. Capaz de dialogar porque tem algo em comum com todos, mas incapaz de ser completamente popular, porque o “todos” inclui a burguesia.
Projetos:
- Revogar o teto de gastos e construir um novo regime fiscal que reconheça a importância do investimento social, dos investimentos em infraestrutura e que esteja vinculado à criação de uma estrutura tributária mais simples e progressiva;
- Propor uma reforma tributária, que simplifique tributos e em que os pobres paguem menos e os ricos paguem mais; fazer os muito ricos pagarem imposto de renda;
- Propor uma nova legislação trabalhista, revogando os “marcos regressivos” da atual legislação, “agravados pela última reforma” e restabelecer o acesso gratuito à Justiça do Trabalho;
- “Abrasileirar” o preço dos combustíveis e ampliar a produção nacional de derivados, criando uma nova política de preços da gasolina, diesel e gás, que considere os custos nacionais;
- Retomar a política de valorização do salário-mínimo e buscar modelo de previdência social que concilie o aumento da cobertura com o financiamento sustentável;
- Implementar um Bolsa Família renovado e ampliado, orientado por princípios de cobertura crescente, baseados em patamares adequados de renda;
- Ampliar o acesso a direitos associados a políticas de inclusão;
- Elevar a taxa de investimentos públicos e retomar os investimentos em infraestrutura e em habitação; estimular o investimento privado por meio de créditos, concessões, parcerias e garantias e redução o custo do crédito;
- Retomada da “centralidade e da urgência” no enfrentamento da fome e da pobreza;
- Oposição à privatização da Petrobras, da Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), reorientar a Petrobras para ser uma empresa integrada de energia e preservar o regime de partilha;
- Oposição também à privatização dos Correios e da Eletrobras, e defesa do fortalecimento dos bancos públicos
- Promover a renegociação das dívidas das famílias e das pequenas e médias empresas por meio dos bancos públicos
- Estabelecer uma política nacional de abastecimento, que inclui a retomada dos estoques reguladores e a ampliação do apoio aos pequenos agricultores e à agricultura orgânica;
- Apoiar o desenvolvimento de uma economia verde, baseada na conservação e no uso sustentável da biodiversidade; combater o uso predatório dos recursos naturais e estimular as atividades econômicas com menor impacto ecológico;
- Fortalecer o Mercosul, a Unasul, a Celac e os Brics.
Bolsonaro (PL) – neoliberalismo
Classificação: neoliberal porque suas propostas revelam em grande parte uma preocupação maior por manter o establishment vigente, que favorece o capital e a burguesia.
Viabilidade: é bem difícil enxergar a viabilidade dos projetos econômicos de Bolsonaro. Em seu governo, ele não só se tornou refém do chamado “centrão”, como esteve envolvido em uma série de escândalos de corrupção que, por inferência dele mesmo, ainda não findaram em mandados de prisão para ele e outros integrantes de sua família.
Projetos:
- Manutenção do valor de R$ 600 para o Auxílio Brasil a partir de janeiro de 2023;
- Avançar na agenda de empreendedorismo e microcrédito para os mais vulneráveis;
- Estímulo ao empreendedorismo com o objetivo de ampliar a renda e o emprego;
- Manter a legislação trabalhista e combater a informalidade;
- Isentar os trabalhadores que recebam até cinco salários-mínimo do pagamento de Imposto de Renda;
- Garantir uma política fiscal que reduza a relação entre a dívida pública e o PIB;
- Modernizar os processos de governança da condução da política econômica, com o objetivo de colocar o Brasil dentro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da The European Free Trade Area (EFTA);
- Fortalecer os mecanismos de financiamento, com o aumento da concorrência e da competitividade do Sistema Financeiro Nacional;
- Desenvolver o potencial turístico brasileiro;
- Avançar na infraestrutura das regiões menos desenvolvidas para garantir o crescimento sustentado de médio e longo prazo;
- Agregar mais valor nas atividades de pecuária e mineração, com destaque para minério de ferro, manganês, nióbio, alumínio e grafeno.
Ciro Gomes (PDT) – keynesianismo
Classificação: Tal qual Lula, Ciro tem uma visão econômica que não se rende totalmente ao liberalismo, mas não é completo amante do Estado absoluto. Um exemplo dessa intervenção do Estado seria a proposta de diminuição da informalidade no mercado. Isso deixa subentendido que, em seu projeto, compreende-se que o Mercado tem dificuldade em se autorregular.
Viabilidade: A viabilidade de todos os seus projetos econômicos – principalmente aqueles que propõem reformas – dependerá do diálogo (em cifras, talvez) do poder Executivo com o Parlamento. Segundo o próprio presidenciável, o Congresso aprovará tudo porque ele não pretende ficar mais de um mandato.
Projetos:
- Criação de um novo Projeto Nacional de Desenvolvimento (PND), com investimento em ciência e desenvolvimento tecnológico, aumento de empregos e redução da informalidade;
- Retomada das obras de infraestrutura logística e social;
- Pacto entre os setores público e privado para gerar empregos e garantir estabilidade de preços;
- Reformas tributária e fiscal, com redução de subsídios e incentivos fiscais em 20% no primeiro ano do governo (R$ 70 bilhões), recriação de imposto sobre lucros e dividendos (R$ 70 bilhões em receitas), adoção do princípio do orçamento base zero e exame detalhado dos gastos, taxação de grandes fortunas (0,5% sobre fortunas acima de R$ 20 milhões, alcançando em torno de 60 mil contribuintes);
- Alteração da carga tributária no país por meio da diminuição do imposto sobre consumo e produção e aumento da tributação sobre a renda;
- Junção de ISS, ICMS, IPI, PIS e Cofins em um só imposto;
- Reforma da previdência em três pilares: renda básica garantida, parte da renda associada ao regime de repartição e outra ao de capitalização;
- Criação de um fundo de investimento em infraestrutura, com ênfase aos complexos industriais do agronegócio; do petróleo, gás e derivados; da saúde e da defesa;
- Mudança da política de preços da Petrobras, ampliação da capacidade de produção, desenvolvimento de energias eólica e solar;
- Renegociação das dívidas de famílias e empresas com a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, com pagamentos em até 36 vezes;
- Implantação do programa de renda mínima universal.
Simone Tebet (MDB) – keynesianismo
Classificação: Simone foi a mais difícil de classificar. Apesar de suas propostas parecerem liberais e de sua legenda ser conservadora do ponto de vista moral, alguns pontos revelam uma visão de que a intervenção do Estado é necessária. Um exemplo é o incentivo à igualdade salarial entre homens e mulheres.
Viabilidade: Seus projetos são possíveis de serem aprovados porque, dentro do Congresso, o MDB tem uma bancada mediana para grande. “Dialogando” com mais alguns de outras bancadas, é completamente viável concretizar os planos econômicos deste governo, considerando também a quem eles interessam.
Projetos:
- Restabelecimento do tripé macroeconômico, “com metas de inflação críveis e respeitadas, responsabilidade fiscal e câmbio flutuante”;
- Manter o Banco Central independente e uma política fiscal responsável, para a efetividade da política monetária
- Recriação do Ministério do Planejamento, com orçamento anual e orientado por um programa plurianual, além de “total transparência” ao Orçamento da União, tornando públicas sua indicação e execução dos gastos;
- Implementar uma reforma tributária em até seis meses, com a criação do IVA e de um fundo constitucional para compensar estados e municípios do Norte, Nordeste e Centro-Oeste;
- Reinserção do BNDES no fomento ao emprego e na coordenação do Programa Nacional de Desestatização, além de reforçar prestação serviços a estados e municípios em concessões de serviços públicos, extinguindo a atual Secretaria de Desestatização;
- Reorganização do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) para dar diretrizes mais claras aos projetos e aumentar integração com estados e municípios;
- Programa de transferência de renda permanente com foco em renda mais baixa, aliado a compromissos de frequência na escola, saúde preventiva e vacinação em dia;
- Instauração de um programa de renda mínima para eliminar a pobreza extrema;
- Fortalecimento do Cadastro Único para melhora da focalização dos programas sociais;
- Criação do “Poupança Mais Educação”, para dar suporte a jovens de baixa renda para que concluam o ensino médio;
- Criação do “Poupança Seguro Família”, um seguro de renda para os trabalhadores informais e formais de baixa renda em situações de queda súbita de rendimento;
- Reajustes anuais do salário-mínimo, ao menos pela inflação do período;
- Redução da contribuição previdenciária para a faixa de um salário-mínimo para todos os trabalhadores, para estimular a formalização;
- Incentivo a políticas de igualdade salarial entre homens e mulheres;
- Ampliação do microcrédito produtivo, em especial a mulheres empreendedoras, pessoas com deficiência e regiões de menor renda;
- Regulamentar um sistema nacional para o mercado de créditos de carbono, para redução, compensação e mitigação das emissões, além de pagamento de serviços ambientais.
Felipe D’Avila (Novo) – neoliberalismo
Classificação: Redução de tributos e maior liberdade para a iniciativa privada. Isso resume o plano econômico neoliberal de D’Avila, se sua legenda não for suficientemente explicativa.
Viabilidade: sua legenda não tem força no Congresso. Uma ou outra proposta pode passar por ser favorável para grandes bancadas, mas é difícil vencer a “politicagem” sem força no Parlamento ou sem o presidencialismo de coalizão.
Propostas:
- Buscar por uma nova economia baseada no respeito ao meio ambiente e na redução das emissões de carbono;
- Reposicionamento econômico, dentro dessa realidade de cuidado com o meio ambiente, para crescer e gerar empregos e renda;
- Abertura unilateral da economia brasileira, com redução de impostos e de burocracia em portos e aeroportos, além de apoiar o processo de adesão à Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE);
- Simplificação da tributação sobre consumo, renda e folha de pagamento;
- Na parte fiscal, o plano é uma reforma administrativa que busque o equilíbrio das contas públicas.
Soraya Thronicke (União Brasil) – neoliberalismo
Classificação: Assim como D’Avila, Soraya aposta na isenção de impostos para microempreendedores e simplificação do regime tributário, o que deverá auxiliar o livre comércio e diminuir a intervenção do Estado, objetivo de qualquer gestão liberal. Além disso, sua visão econômica é liberal, mas sua legenda é conservadora. Há poucos anos, via-se Soraya apoiando Bolsonaro em 2018, quando também se tornou senadora.
Viabilidade: Seus projetos são viáveis do ponto de vista econômico, principalmente porque dialogam com os interesses de muitas bancadas que estão no Parlamento, mas a quem esses projetos liberais realmente irão favorecer?
Propostas:
- Mudança no sistema tributário (prioridade no plano econômico) e otimização de gastos públicos. Sobre a tributação, implantação do Imposto Único Federal (IUF);
- Estruturar e implementar uma Política de Apoio e Desenvolvimento de Microempreendedores Individuais e de Micro e Pequenas Empresas;
- Simplificar de forma radical o Sistema Tributário;
- Universalizar o combate à evasão fiscal;
- Respeitar o princípio Federativo (manutenção da autonomia dos Estados, municípios e do DF);
- Desburocratizar (redução da papelada, de autorizações, de multas, de custos diretos e indiretos de processamento, de obrigações acessórias e de fiscalização);
- Modernizar (adequação ao mundo digital);
- Conferir segurança tributária (redução do contencioso e garantia de que não haverá perda de arrecadação);
- Incluir cláusula de performance bond nas licitações de obras públicas para garantir que se o contratado não cumprir com suas obrigações, de acordo com os termos e condições do contrato, a seguradora será responsável por contratar terceiros para dar continuidade ao projeto ou efetuar o pagamento de indenização ao segurado, até o valor limite da garantia;
- Propor interrupção de pagamento de impostos para pequenas empresas que não estiverem em condições de pagar, com reequacionamento dos débitos;
- Melhorar a transparência na prestação de contas dos tributos;
- Gerar empregos e renda apoiando as atividades econômicas com uso intensivo de mão de obra. Estimular o crescimento econômico por meio do investimento e aumento da produtividade.
Observações gerais:
Reformas: Estas propostas que se fundamentam na possibilidade de uma reforma trabalhista, fiscal ou tributária dependem única e exclusivamente da maneira como o Executivo pretende dialogar com o Parlamento. Se as reformas fossem simples, teríamos uma a cada ano. O problema é que reformas mexem com o que não se quer mexer: com a cegueira do regime fiscal brasileiro, com os privilégios cedidos pelo sistema tributário aos mais afortunados ou com os grandes empregadores, por exemplo.
Redução do valor do combustível: Alguns candidatos também propuseram a diminuição dos preços dos combustíveis. Para que isso seja possível, o Brasil precisa desenvolver tecnologia própria capaz de refinar o petróleo extraído. Assim, o país não ficará tão dependente da tecnologia de países estrangeiros e, consequentemente, terá maior autonomia para precificar seus combustíveis.
Meio ambiente: Não só é possível preservar o meio ambiente a partir de projetos econômicos sustentáveis como também é um dever de todo e qualquer país. Desde o fim do século XX se discute sobre agendas mundiais como a de 2030 da ONU para a construção de uma sociedade mais sustentável. O Brasil, apesar de possuir uma das maiores diversidades em flora e fauna do mundo, nunca protagonizou nenhum desses debates. Portanto, é mais que viável pensar em sustentabilidade na atualidade: é necessário.
Fortalecimento das relações internacionais: Isso é totalmente possível, desde que o Brasil consiga projetar seu poder dentro de relações econômicas internacionais. É certo que, no cenário geopolítico mundial, embora relevante, o Brasil não consegue adentrar os centros políticos mais importantes.