Das Gabinet des Doktor Caligari: uma previsão da Alemanha Nazista
Obra de grande relevância no Expressionismo alemão, Das Gabinet des Doktor Caligari (O Gabinete do Doutor Caligari, em português) é um dos principais trabalhos de Robert Wiene (1873-1938), consagrado como um dos mais influentes diretores do cinema alemão. É também um precursor em muitas técnicas frequentemente utilizadas hoje, tais como o plot-twist, que é quando o filme tem uma reviravolta no desfecho, e a ambiguidade, que dá a quem assiste o poder de decidir o final.
O longa-metragem foi lançado em 1920, em um período pós-guerra conturbado por instabilidades econômicas e políticas. O enredo conta a história de uma série de crimes cometidos em um pequeno vilarejo por um sonâmbulo chamado Cesare, que, adormecido por 23 anos, é mantido sob controle de um misterioso homem que se diz vidente, Dr. Caligari. Cada delito do sonolento criminoso realizava as previsões de seu mestre.
Filmado em preto e branco e em uma época em que o cinema ainda era mudo, O Gabinete do Doutor Caligari é um daqueles clássicos que se pode chamar de “atemporal”. Isso porque, embora tenha sido lançado há mais de cem anos, causa até hoje reflexões vivas e atuais. Um pesquisador de cinema chamado Siegfried Kracauer comenta em seu livro De Caligari a Hitler: Uma História Psicológica do Filme Alemão, publicado em 1947, sobre a semelhança de enredo do longa-metragem com a Alemanha Nazista. Para o autor, a relação do hipnotizador com o sonâmbulo sugere a mesma conexão que existe entre um líder totalitário e seus seguidores.
Todavia, não só a temática provoca desconforto. O horror é parte de toda a estética da obra. O formato dos cenários, a fonte utilizada para as inscrições em tela e até mesmo a maneira como luz e sombra são manejadas exprimem traços agudos e agressivos. Luz e sombra, neste filme, não são elementos; são coadjuvantes. Quando não assumem, vez ou outra, papel de destaque em planos nos quais a projeção da sombra torna invisível o próprio dono.
A iluminação é pensada de forma peculiar e heterodoxa em relação às demais escolas cinematográficas. Neste filme, a sombra do cenário é pintada à tinta, afastando-se da realidade e abraçando o abstracionismo, característica principal do movimento artístico a que pertence a obra. Também a maquiagem dos personagens – rostos pálidos, intensas olheiras, lábios escuros – busca o desumano e irreal. A quebra da quarta parede, herdada por uma relação ainda íntima com o teatro, ocasiona o olho-no-olho. Cada close-up nas faces das figuras dá sentido à afirmação de Nietzsche de que “se olhas por longo tempo para dentro de um abismo, o abismo também olha para dentro de ti”. É um convite. Não diretamente a quem assiste, mas ao seu inconsciente. Àquilo que está recalcado.
Todos esses ingredientes formam em um caldo um dos, senão o primeiro thriller na história do cinema. Não é de se espantar, contudo, que um dos maiores sucessos do cinema alemão naquele tempo seja tão sinistro e amedrontador. Nada daquilo foi criado. Como o próprio Goethe indicou em sua fórmula para o êxito, um trabalho artístico deve capturar o Zeitgeist (espírito da época). A loucura, o inconsciente, os sonhos, entre outros assuntos abordados pelo longa-metragem, já estavam em voga nos círculos acadêmicos europeus. O que chama mais a atenção é que, apesar do personagem Caligari se declarar como vidente, quem parece fornecer previsões são os roteiristas Hans Janowitz e Carl Mayer.