Seleção brasileira na luta antirracista
Brasil busca por vitória que ofusca qualquer outra estrela
No dia 27 de setembro, a seleção brasileira de futebol jogou contra a Tunísia seu último amistoso da Data Fifa antes da Copa do Mundo do Qatar, que inicia dia 20 de novembro. A partida terminou em 5 a 1 para a equipe canarinho, que teve uma performance digna de aplausos. O show brasileiro, contudo, foi ofuscado por outro acontecimento: o racismo.
Minutos antes do apito inicial, o time brasileiro fez uma ação contra a discriminação racial. O elenco posou para uma foto com faixa que dizia: “Sem nossos jogadores negros, não teríamos estrelas na nossa camisa”. Pouco tempo depois, por volta dos 20 minutos do primeiro tempo, uma banana foi arremessada em direção a Richarlison em sua comemoração do gol de desempate. Em entrevista pós-jogo, o jogador disse: “acho que foi até Deus que me livrou de não ter visto aquilo, porque… Na hora, de cabeça quente… Mas que possam reconhecer esse torcedor e puni-lo, porque é difícil, né?”
Infelizmente, não se trata de um caso isolado. Outros nomes conhecidos do futebol brasileiro têm sofrido discriminação. É o caso de Vinicius Jr, atleta do Real Madrid, que recentemente foi vítima de manifestações racistas de torcedores, jogadores e da própria imprensa espanhola. A polêmica começou com uma goleada de 4 a 1 dos merengues sobre o Mallorca pela La Liga (campeonato espanhol). O jogador brasuca se destacou com um gol e diversas firulas, que irritaram, principalmente, o atacante rival Jaume Costa.
A internet inflamou com discussões sobre a diferença entre jogar futebol com alegria e respeitar o adversário. Dias antes do clássico contra o Real Madrid, o jogador Koke, capitão do Atlético de Madrid, publicou comentários irresponsáveis sobre o assunto em suas redes sociais: “cada um tem seu jeito de ser e comemora os gols como quiser, mas se Vinícius marcar gol e comemorar dançando? Vai ter confusão, certamente”.
A questão que mais chama a atenção é que Vini Jr. não é o primeiro jogador a comemorar com dancinhas. Há muito tempo isso é moda, inclusive, entre jogadores europeus, como o próprio Antoine Griezmann, futebolista francês que atua ao lado de Koke no clube colchonero.
Em meio à efervescência das discussões sobre o tema, a mídia não poderia ficar de fora. Colocou seus “especialistas” para discutirem a respeito disso. O problema é que as críticas se tornaram ofensas racistas. Em um programa de TV da Espanha, Pedro Bravo, presidente da Associação de Agentes Espanhóis, disse: “tem que respeitar o adversário. E quando você marca um gol em seu adversário, se quiser sambar, vá para o Sambódromo, no Brasil. Aqui, o que você tem que fazer é respeitar seus companheiros de profissão e deixar de brincar de macaco. Tem que respeitar.”
Em resposta às discriminações, Vini Jr. publicou um vídeo em suas redes sociais. Famosos no mundo inteiro apoiaram o atleta pela hashtag #BailaViniJr, que chegou a ocupar o trending topics do Twitter.
O comentarista espanhol Pedro Bravo, criticado pelos ataques que proferiu contra o jogador na televisão, pediu desculpas em outro programa, mas sem reconhecer o teor racista em suas falas.
O problema, claro, não se restringe apenas ao futebol europeu. Em agosto, o Seminário de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol, organizado pela CBF, divulgou o Relatório Anual de Discriminação Racial no Futebol, com dados sobre o ano de 2021. Conforme a pesquisa, o número de casos de racismo duplicou no ano passado. Foram registrados 64, frente a 31 de 2020 — um aumento de 106%. A tendência é que 2022 tenha outro crescimento.
Evidentemente, o futebol é um reflexo da sociedade. Enquanto não resolvermos o mal do racismo nela, outros jogadores pretos sofrerão discriminação. E, neste contexto, a seleção brasileira pode muito bem ser uma frente de luta, tal como os jogadores, agentes de transformação. Neymar Jr., Richarlison, Vinícius Jr., Raphinha, Casemiro, entre outros futebolistas, formam hoje um plantel de ídolos que exercem grande poder de influência sobre as novas gerações. A forma como encaram o racismo é exemplo para muitas pessoas. Isso supera qualquer grande jogada e gol que possam fazer.
Há outra coisa em jogo no torneio que será disputado no Qatar. Não se trata mais de exportar para o mundo o estilo brasileiro de jogar, alegre e ousado, mas de mostrar que pessoas pretas exercem papel de protagonismo em diversas esferas, dentre as quais está o futebol. Que nesta Copa torçamos pela equidade com mais fervor do que pelo hexacampeonato, pois uma sociedade mais igualitária e inclusiva será uma vitória maior para o Brasil do que uma estrela a mais no peito.