
SUS como porta de entrada para tratamentos fitoterápicos
Por Larissa Hirt
O uso de plantas medicinais é uma tradição antiga. A Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou que, no início da década de 1990, 65 a 80% da população, dos países em desenvolvimento, as utilizavam como única forma de acesso aos cuidados básicos de saúde. “Há 65 anos, quando eu era mais novo, não tínhamos acesso a remédios de farmácia. Quando a gente ficava mal, sempre faziam um cházinho de alguma planta medicinal. Era assim que a gente se curava”, relembra José da Maia, de 75 anos.
A fitoterapia compreende os terapêuticos que utilizam os medicamentos, onde constituintes ativos são plantas ou derivados vegetais. Mas são medicamentos que merecem cuidados, assim como os fármacos de farmácia. A Política Nacional de Plantas Medicinais e Medicamentos Fitoterápicos, criada pelo decreto nº 5.813, de 22 de junho de 2006, tem por objetivo garantir o acesso seguro da população e o uso racional de plantas medicinais. E é um serviço oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Ana Carla Prade, 48 anos, farmacêutica responsável pelo Farmácia Viva em São Bento do Sul, explica: “é um tratamento que pode ser oferecido pelo SUS e isso vai depender do entendimento da gestão sobre conceitos fundamentais de saúde. E quando a gente fala de socioecologia, quando a gente fala de valorização da biodiversidade brasileira, quando a gente fala de saúde integrativa que tem a ver não só com a utilização de um medicamento, mas com uma compreensão muito maior do ser humano. A fitoterapia está inserida nesses processos, é um tratamento natural, é um tratamento que preconiza o uso de plantas para questões leves de saúde.”
De acordo com dados do ObservaPICS/Fiocruz (2022), no Brasil, foram contabilizados 555 serviços. 81 (14,6%), estão ativos e 72 em implementação. Já em Santa Catarina, 13 (16,3%) estão ativos. No município de São Bento do Sul, essa já é uma realidade.
Seu Eraldo Skonieczny, de 53 anos, conheceu o programa em 2019, pela indicação da médica da Estratégia de Saúde Familiar (ESF) Francine Weihermann. “Há alguns anos eu vinha fazendo um tratamento para dor de estômago com medicação de farmácia. A doutora me indicou um tratamento de espinheira santa”, comenta.
Então, foi encaminhado para a Farmácia Viva do município. Aos cuidados da farmacêutica Ana Carla Prade, Eraldo passou por um tratamento de cinco semanas, e a melhora foi perceptível. “Hoje me sinto muito melhor e ainda tomo o chá, mas com menos frequência. Já se tornou um hábito tomar o chá de espinheira santa, além dele auxiliar na proteção do estômago”, destaca.
O acesso ao tratamento
Assim como Skonieczny fez, para ter acesso ao serviço, a porta de entrada é a Unidade Básica de Saúde, com o acompanhamento do médico da família, ou do profissional capacitado. Após anos fazendo tratamento para dor de estômago, com medicamento sintético, a médica Francine Weihermann o encaminhou para a Farmácia Viva.
“Para acessar a fitoterapia ou um fitoterápico, uma droga vegetal que é a forma farmacêutica que nós trabalhamos aqui, a pessoa precisa passar na unidade de saúde e via encaminhamento ela vai para uma consulta em fitoterapia. Nessa consulta, esse tratamento vai ser prescrito e a droga vegetal, o chá, só sai aqui do Farmácia Viva com essa receita, com essa prescrição”, explica Ana Prade.
Ainda se tem a crença de que por ser natural, não pode fazer mal. Mas, assim como qualquer medicamento ou tratamento, precisa ter orientação e cuidado. Os profissionais também devem estar aptos para fazer encaminhamentos. Não é uma exclusividade médica. “Os dentistas podem prescrever e várias enfermeiras foram treinadas em protocolos municipais para atender os pacientes em determinadas situações de saúde. Como saúde mental, protocolo do uso da espinheira-santa para questões digestivas e o protocolo de saúde bucal e orofaringe”, enfatiza a farmacêutica.
Segundo dados da Secretaria de Saúde de São Bento do Sul, a Farmácia Viva, juntamente com o Centro de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (CEMPICS) já realizaram 12.780 atendimentos desde a sua inauguração, em 2019. “É bastante demanda, principalmente para questões relacionadas à ansiedade, a essa dispepsia alta que muitas vezes o omeprazol não é muito efetivo, profissionais que desejam retirar o omeprazol dos pacientes, para insônia, e os dentistas prescrevem bastante”, comenta, “tem uma demanda, mas não é uma demanda como a do auriculoterapia, que as pessoas pedem mais”.
Ervanária municipal e as parcerias com os produtores
No Brasil, 18 municípios onde existem serviços em fitoterapia, têm parceria com produtores locais em caso de plantio. O Recanto do Noti, localizado no bairro Rio Vermelho Povoado, em São Bento do Sul, é parceiro do projeto e há cinco anos plantam espinheiras-santas.
A proprietária do recanto, Marisa Muelhmann, de 65 anos, comenta que conheceram pelo Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). E as plantas são doadas para o SUS. “São estimadas 200 mudas de espinheira santa, a colheita e a plantação são feitas a mão, e não se pode usar nenhum produto químico”, fala.
O modelo no município é de ervanaria, além de ser um estabelecimento que realiza dispensação de plantas medicinais, também atua na desidratação e armazenamento correto. A forma de atuação na cidade se dá por meio do plantio e beneficiamento de plantas medicinais. Além de São Bento do Sul, mais seis locais em Santa Catarina atuam dessa maneira, totalizando 8,8%.
As dificuldades da inserção do serviço
Apesar dos avanços em pesquisas científicas sobre o tema, uma das dificuldades é a aceitação, seja por parte da população, como por parte dos profissionais. “Na faculdade de medicina não é ensinado nada de fitoterapia, pelo contrário até falam contra, que não funciona, que é coisa de vó, que é coisa do passado. Isso é uma das dificuldades”, comenta a médica Francine.
Além disso, não tem tanto medicamento fitoterápico no mercado hoje em dia, a manipulação é uma opção, já que nomes comerciais são poucos e caros. Das 555 unidades de serviço em fitoterapia no Brasil, 4,3% ofertam dispensação de medicamentos fitoterápicos industrializados, sem plantio ou manipulação.
O processamento também exige um cuidado, desde a plantação, secagem, armazenamento e modo de preparo. “É mais complicado para uma pessoa de casa fazer, por exemplo, precisa secar a planta. A pessoa acha que secar um dia já tá bom, mas tem que secar no sol, numa estufa, senão pega fungo. E aí estraga toda a planta. Em vez de fazer o bem, pode fazer mal. Então é difícil essa erva que ela tem no quintal, ela mesma poder utilizar”, explica, “mas cada vez mais estão falando nesse tema(…) eu acho que é uma tendência que veio pra ficar.”
Os benefícios
Uma pesquisa realizada em 2019, pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), por meio do Instituto Datafolha, constatou que a automedicação é um hábito comum a 77% dos brasileiros que fizeram uso de medicamentos nos últimos seis meses da coleta de dados.
“Os medicamentos sintéticos se utilizados de forma irracional, por tempo indeterminado, a não ser que realmente por critério médico, eles podem sim fazer mal à saúde. A automedicação é uma realidade, as pessoas tomam medicamentos sem nem saber para quê, qual a função daquele medicamento e o tempo que ele pode ser utilizado, e sim eles podem fazer mal. Por exemplo, anti-inflamatórios de forma indiscriminada pode levar a problemas de estômago, pode levar a problemas renais. A gente tem sim dentro dos medicamentos sintéticos um potencial de intoxicação que é bastante grave cada vez mais as pessoas têm disponíveis nas farmácias, nos corredores da farmácia os medicamentos. Então elas vão lá e se servem sem uma orientação adequada”, explica Prade.
As Práticas Integrativas e Complementares, bem como a fitoterapia, são tratamentos que utilizam saberes tradicionais, e de uma forma mais suave. A biodiversidade disponível, por exemplo, é um benefício, há muita diversidade na maneira que cada município ou estado encontrou para realizar seus programas de Fitoterapia.
Os usuários também saem ganhando, o tratamento com plantas medicinais, tem uma potência menor do que um medicamento sintético, porém os efeitos adversos são menores. “Ele possui menos efeitos colaterais, é são utilizadas doses menores. No caso de saúde mental, o potencial de dependência desse tratamento é muito baixo. Ele não deixa, por exemplo, não dá déficit de memória como acontece com alguns medicamentos sintéticos, ansiolíticos”, complementa.
Muitos tratamentos não podem ser substituídos pela fitoterapia. “A gente não pode, por exemplo, substituir um antibiótico por uma planta medicinal”, reforça, “mas a gente pode complementar o efeito do antibiótico com a planta medicinal. Isso não tem problema nenhum.”
A fitoterapia no SUS se faz pela união do conhecimento científico, saber popular e uma gestão interessada em investir.