Em Santa Catarina, educação é fator decisivo para combater a violência política de gênero
Por: Maria Luíza Venturelli
Neste capítulo, a professora Vanessa da Rosa compartilha sua vivência pessoal e os desafios enfrentados como mulher em uma posição de poder
uando entende-se que o machismo e a violência de gênero são problemas estruturais da sociedade, é possível recorrer a soluções. Uma das medidas para combater essa violência é a educação anti machista, tanto nos ambientes escolares quanto dentro de casa. Ensinar as novas gerações que as mulheres devem ter autonomia e liberdade de viver sem sentir medo desde a infância é possibilitar um futuro com uma sociedade mais igualitária e segura.
Em 2023, entrou em vigor em Santa Catarina a Lei Maria da Penha Vai à Escola, que cria estratégias para combater a violência contra a mulher na rede pública de ensino. O texto foi promulgado no dia 20 de dezembro de 2023 pelo ex-presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc), o deputado Moacir Sopelsa, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
A proposta busca divulgar em escolas da rede estadual, prioritariamente com alunos do ensino médio, os mecanismos previstos na lei federal nº 11.340, a Lei Maria da Penha, de 2006, que estabelece punições para crimes de violência contra a mulher.
A lei estadual prevê que sejam impulsionadas reflexões sobre o combate à violência e esclarece para os alunos a necessidade de denunciar casos aos órgãos competentes. Também estabelece que devem ser feitas ações de conscientização sobre a importância do respeito aos direitos humanos, principalmente aqueles que promovem a igualdade de gênero, além de movimentos que contribuíram para a conquista dessas garantias.
Para a professora do município de Joinville Vanessa da Rosa, a educação tem um papel essencial no combate a todas as vertentes da violência de gênero. “Na minha escola, quando um menino agride uma menina, a gente faz ele estudar a Lei Maria da Penha. É preciso educar meninos e meninas, não dá para passar pano, fechar os olhos, porque ninguém nasce machista, e sim aprende a ser. Não nascemos, nos tornamos a partir das relações sociais”, aponta a educadora.
A trajetória de Vanessa no mundo da educação é longa. Aos 50 anos, ela é professora de carreira em Joinville há 33 anos. Natural de Curitiba (PR), fez o ensino fundamental, médio e magistério no Instituto de Educação do Paraná. Aos 16 anos, passou a viver em Joinville sozinha, deixando a família no estado vizinho. Foi na cidade catarinense que começou a fazer faculdade de pedagogia na Faculdade Guilherme Guimbala (ACE) e trabalhar no Serviço Social da Indústria (Sesi) de Joinville na área de educação infantil.
No Sesi atuou por 13 anos, onde passou a ser supervisora de educação infantil. Neste mesmo período também fez pós-graduação em História da Arte pela Universidade da Região de Joinville (Univille). Já em 2001 ela começou uma trajetória como professora de História da Arte nos cursos de turismo, jornalismo, publicidade e propaganda e enfermagem da Faculdade Ielusc. Também foi aprovada no concurso público para atuar como professora de crianças do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental, no município de Joinville.
Em toda a sua trajetória de vida, Vanessa foi um exemplo de alguém que busca mudar o mundo através da educação. Porém, ela sempre buscou mais, e em 2012, durante o governo de Carlito Merss, do Partido dos Trabalhadores (PT) conseguiu o feito histórico de ser a primeira mulher negra a comandar uma secretaria de Joinville, a pasta da Educação. Para ela, toda essa caminhada dentro da educação pode ser considerada um ato político. “A gente faz política todos os dias. Mesmo nas relações sociais a gente tá fazendo política’, resume a educadora.
Como secretária da educação, o desafio de Vanessa era ainda maior. Em uma cidade que cultua tradições germânicas, ela, mulher negra periférica, funcionária de carreira, assumiu a maior rede de ensino do estado. Para ela, foi algo muito impactante em todos os sentidos, principalmente porque o racismo se mostrou muito presente quando Vanessa assumiu essa função. Ela relembra que como mulher negra, ao chegar nos eventos, precisava apresentar o cartão de secretária, ou não seria reconhecida como tal.
Em toda a sua trajetória de vida, Vanessa foi um exemplo de alguém que busca mudar o mundo através da educação. Porém, ela sempre buscou mais, e em 2012, durante o governo de Carlito Merss, do Partido dos Trabalhadores (PT) conseguiu o feito histórico de ser a primeira mulher negra a comandar uma secretaria de Joinville, a pasta da Educação. Para ela, toda essa caminhada dentro da educação pode ser considerada um ato político. “A gente faz política todos os dias. Mesmo nas relações sociais a gente tá fazendo política’, resume a educadora.
Como secretária da educação, o desafio de Vanessa era ainda maior. Em uma cidade que cultua tradições germânicas, ela, mulher negra periférica, funcionária de carreira, assumiu a maior rede de ensino do estado. Para ela, foi algo muito impactante em todos os sentidos, principalmente porque o racismo se mostrou muito presente quando Vanessa assumiu essa função. Ela relembra que como mulher negra, ao chegar nos eventos, precisava apresentar o cartão de secretária, ou não seria reconhecida como tal.
“Em cada função, eu senti na pele o que é ser mulher e negra em uma cidade que ainda carrega um estigma muito grande, um racismo muito estrutural. Se pra mulher é um ambiente que não estamos preparadas, para as negras é ainda mais difícil”, declara.
Apesar de 27% da população feminina se declarar negra, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) contínua do IBGE, um levantamento feito pela consultoria Gestão Kairós, especializada em diversidade, aponta que, entre 900 líderes entrevistados, em níveis acima de gerência, apenas 25% são mulheres e, entre elas, apenas 3% são negras. Além disso, no âmbito político, mulheres negras representam apenas 2% do Congresso Nacional e são menos de 1% na Câmara dos Deputados.
Esse fato também foi abordado por Vanessa no livro “A invisibilidade da mulher negra em Joinville: formação e inserção ocupacional”, fruto da pesquisa realizada durante o mestrado da autora. A obra faz uma análise sobre como aconteceu a inserção de mulheres negras em centros de educação infantil da rede pública de Joinville e em setores da área da saúde, identificando fatores sociais, culturais, políticos e econômicos que influenciaram neste processo.
Algo que também influenciou muito quando Vanessa assumiu como secretária da educação foi o seu gênero, pois os últimos secretários da educação de Joinville eram homens e a presença dela causou estranhamento em muitas pessoas. A educadora, desde o início de sua trajetória profissional, em especial no cargo de secretária, sentiu na pele a violência de gênero que um cargo de poder feminino traz. Porém, a situação ficou ainda pior quando ela decidiu se candidatar a um cargo eletivo.
Após o período de atuação na secretaria da educação, Vanessa voltou a atuar na escola como professora e supervisora do ensino fundamental. Nas eleições de 2022, se candidatou ao cargo de deputada estadual de Santa Catarina, pelo PT, na coligação Federação Brasil da Esperança — PT/PCdoB/PV. Ela, que sempre foi filiada ao partido mas nunca havia tentado se candidatar, define esse momento de sua trajetória como uma virada de vida.
“Eu resolvi aceitar o desafio e é um desafio imenso. O Brasil foi um dos primeiros países a conceder o direito ao voto para a mulher. No entanto, as mulheres conquistaram o direito ao voto, mas não são votadas”, reflete a educadora. Vanessa aponta que até mesmo o Afeganistão possui mais mulheres em parlamentos.
A luta das mulheres por seus direitos e pela equiparação dos gêneros ganhou força no mundo todo a partir do século XIX, e um dos pontos fortes desse movimento era garantir a conquista de direitos políticos para mulheres. Isso porque, nesse século, as mulheres não eram enxergadas como cidadãs e, assim, ficavam excluídas de uma das formas de exercício mais importantes desse direito.
Além de não terem direito ao voto, as mulheres ficavam excluídas da política, não podendo candidatar-se aos cargos existentes. Foi somente por meio do engajamento das mulheres que o voto tornou-se um direito garantido. Essa luta aconteceu não somente no Brasil, mas em todos os países ocidentais. A ação em defesa do voto feminino ficou conhecida como movimento sufragista, e começaram a ser debatidas no Brasil por volta do final do século XIX.
Foi somente durante a presidência de Getúlio Vargas que as mulheres tiveram seu direito ao voto garantido. Elas têm direito desde 1932, por meio do Decreto nº 21.076, assinado por Vargas. O decreto dava direito a mulheres casadas, com autorização de seus maridos, viúvas e solteiras com renda própria. Sem restrições, mulheres podem votar desde 1934. De lá para cá, o desafio de ampliar a participação política das mulheres ainda é uma tarefa árdua a vencer, lotado de misoginia e machismo.
Um estudo realizado pela União Interparlamentar, organização internacional responsável pela análise dos parlamentos mundiais, mostra que dentre 192 países, o Brasil aparece na 142° colocação do ranking de participação de mulheres na política nacional. Os dados, que foram atualizados em outubro de 2021, analisam as eleições federais entre 1997 e 2018. Entre os países da América Latina, apenas o Haiti ocupa uma posição inferior ao Brasil no ranking que sinaliza a participação das mulheres na área.
Conquista histórica
Nas eleições de 2022, a candidatura de Vanessa representou muito para as mulheres negras de Joinville e Santa Catarina. A professora atingiu mais de 17 mil votos e assumiu como primeira suplente, um feito histórico em um contexto de violência política de gênero e racismo. Ela cita que desde 1934, ou seja, há mais de 80 anos, o estado não elegia uma mulher negra como deputada.
Essa conquista não acontecia desde Antonieta de Barros, primeira deputada estadual negra do Brasil, primeira deputada mulher no parlamento catarinense e a primeira representante feminina negra no poder legislativo em toda a América Latina.
Em 1934, primeira eleição em que as mulheres brasileiras puderam votar e serem votadas para o Executivo e Legislativo, Antonieta concorreu para uma das vagas de deputada à Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (ALESC) e ficou suplente do Partido Liberal Catarinense (PLC). Como Leônidas Coelho de Souza não tomou posse, Antonieta foi convocada e assumiu o mandato.
Vanessa destaca que todo esse processo de eleição não foi nada fácil. “As mulheres já não são muito votadas e dentro desse cenário de fazer campanha também tem muita violência. As pessoas não se percebem violentas, mas tem violência simbólica, psicológica”, explica.
Ela também lamenta a triste história de inúmeras mulheres que foram candidatas apenas para cumprir a cota de 30% dos partidos. O Congresso Nacional promulgou em 5 de abril de 2023 a Emenda Constitucional 117 (originária da PEC 18/21), que obriga os partidos políticos a destinar no mínimo 30% dos recursos públicos para campanha eleitoral às candidaturas femininas, distribuição que deve ser proporcional ao número de candidatas.
A cota vale tanto para o Fundo Eleitoral, como para recursos do Fundo Partidário direcionados às campanhas. Os partidos também devem reservar no mínimo 30% do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão às mulheres. “Você percebe a violência nos comentários e olhares. Não entrei para brincar, fazer de conta ou cumprir os 30%. Mas sim fiz uma campanha justa, mostrei minha trajetória, de forma propositiva e alegre” resume a parlamentar.
Em toda a campanha, Vanessa bateu muito na tecla de que, em 88 anos, era inadmissível que mais nenhuma negra, além de Antonieta de Barros, tivesse se sentado nas cadeiras da Alesc. A vontade de estar presente dentro da política catarinense foi impulsionada pela necessidade de se manter firme para ser ouvida e representar todas as outras mulheres.
Entre as propostas, Vanessa deixou claro durante toda a campanha que além de defender o gênero feminino e os negros, tinha o compromisso de melhorar a educação, exergá-la além da sala de aula. Além disso, garantir mais segurança às mulheres, dando a elas a certeza que seus agressores estão sendo vigiados, criar varas especializadas para investigar e julgar os crimes contra elas e dar voz à comunidade LGBTQIA também estavam nas propostas. “Só quem viveu na pele tudo isso, no dia a dia, sabe das necessidades”, explica a suplente.
Vanessa relata que nunca sofreu violência política de gênero pessoalmente, mas nas redes sociais os ataques e ofensas eram comuns. Segundo ela, por trás das telas dos celulares e computadores, as pessoas têm coragem de proferir as mais duras palavras. “Eu adotei uma postura nas redes sociais que eu lia essas postagens e excluía. Claro que não recebi uma ameaça de morte como inúmeras outras colegas, pois teria levado adiante. Mas xingamentos criei o costume excluir, pois acho de um profundo desrespeito e mal gosto a pessoa entrar na minha rede social para falar coisas negativas”, resume.
Bolsonarismo intensificou casos
A cada dois anos, o Fórum Nacional de Segurança Pública divulga seu relatório com a coleta de dados relacionados à violência contra a mulher, além de estudos dos números para identificar causas e fatores de risco. As pesquisas identificaram um pico nas formas de violência contra a mulher, inclusive a violência política, que está em seu nível mais alto desde 2017. De acordo com o relatório, o bolsonarismo está atrelado à explosão de violência.
A pesquisa foi feita em conjunto com o Datafolha. Pouco mais de mil mulheres, de 126 municípios, foram entrevistadas ao longo da segunda semana de janeiro de 2023 sobre casos de violência de gênero que tenham vivenciado. Em 2019, com Bolsonaro recém eleito, 25,6% das entrevistadas afirmaram ter vivenciado algum tipo de agressão, ameaça, perseguição ou estrangulamento. Em janeiro de 2023, logo ao acabar o governo, essa porcentagem subiu para 35,6%.
“Com o bolsonarismo, a violência ficou mais intensa com as mulheres e legitimou. Santa Catarina está entre os estados mais violentos com elas. Quando a gente tem um governo abertamente machista, pessoas que já concordavam com essas posições se sentem à vontade para bater, falar, criticar mulheres”, aponta Vanessa.
Violência política de gênero ronda mulheres em todas as regiões de Santa Catarina
No cenário político catarinense, a situação é complicada. Em diversos pontos do estado, mulheres em cargos eletivos precisam lidar com inúmeras formas de violência velada ou escancarada, por parte de colegas do meio político ou até com ataques da população em geral.
Dentre as violências relatadas, a maior parte está relacionada ao machismo vivido diariamente, tanto dentro quanto fora dos partidos, manifestado por meio de assédios, ameaças, deslegitimação de seu lugar na política, e falta de apoio — financeiro e político — do partido às suas candidaturas.
No dia 21 de fevereiro de 2018, a atual deputada federal por Santa Catarina, Ana Paula Lima (PT) sofreu uma ofensa misógina durante uma sessão plenária da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), quando ainda era deputada estadual. O ataque aconteceu após a parlamentar defender a extinção das Agências de Desenvolvimento Regionais (ADRs), órgãos do governo do estado, por julgá-las “cabide de emprego de partidos”.
Contrário à opinião, o deputado Roberto Salum usou a tribuna para dizer que não gostaria de debater com a deputada Ana Paula, “mas com o marido dela, que é homem”. Ana é casada com o ex-deputado federal e presidente do PT em Santa Catarina, Décio Lima. Outro deputado, Mário Marcondes, também usou a palavra para declarar apoio ao posicionamento do colega. Segundo testemunhas, o gesto de Salum recebeu o consentimento de outros deputados e passou entre risos no plenário.
Já em 2019, a posse dos deputados eleitos na Alesc prometia ser histórica para as mulheres de Santa Catarina, que nunca haviam tido um número tão grande de representantes na Assembleia Legislativa, ainda que fossem apenas cinco. Porém, o assunto principal envolvendo a posse das deputadas foi o macacão usado por Ana Paula da Silva, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), durante a cerimônia. A quinta parlamentar mais votada do estado virou alvo de críticas devido à roupa que usava.
Paulinha, como é conhecida, chegou a pensar que o seu traje de posse poderia provocar reações por ser vermelho, uma cor estigmatizada desde as eleições de 2018. Porém, foi o decote do macacão, comprado especialmente para a ocasião, que causou alvoroço nas redes sociais, e fez com que centenas de pessoas a chamassem de “daputada”, “trabalhadora do cabaré” e questionassem “a quantos ela tinha dado” para se eleger, entre outros incontáveis comentários ofensivos.
Os discursos de ódio, repletos de conteúdo misógino, tomaram tamanha repercussão que a Alesc emitiu uma nota de repúdio aos comentários ofensivos.
“Reforçamos que este tipo de visão não cabe mais em uma sociedade diversa, onde todo cidadão tem o direito de se expressar. E que o ataque a qualquer parlamentar é também um ataque ao Parlamento e, por consequência, à democracia”, disse a nota.
Atualmente, reeleita deputada estadual pelo Podemos, Paulinha ainda precisa lidar com comentários ofensivos por conta de sua vestimenta. Basta acessar as redes sociais da parlamentar para encontrar comentários repletos de machismo. “Isso é roupa de ir trabalhar?”, comentou um internauta em uma publicação do dia 18 de maio de 2023. “Delícia do congresso”, disse outro.
Os atos de assédio não param por aí. Em 8 de dezembro de 2022, a vereadora Carla Ayres (PT), que foi assediada em uma sessão da Câmara de Florianópolis ao ser abraçada e beijada à força pelo seu colega de parlamento Marquinhos da Silva, do Partido Social Cristão (PSC). Ayres compartilhou o momento da violência nas redes sociais.
O assédio aconteceu no mesmo dia em que os parlamentares aprovaram a criação da Procuradoria da Mulher na Câmara Municipal. Ela relata que estava conversando sobre outro projeto com vereadores aliados ao governo, Jeferson Richter Backer, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Maikon Costa, do Partido Liberal (PL) e Gabriel Meurer (Podemos), quando Marquinhos começou a fazer piadas.
Ao Portal Catarinas, Ayres contou detalhes do que aconteceu. “O Marquinhos o tempo todo muito fanfarrão no plenário, com uma postura de torcida, como se eu estivesse perdendo uma discussão para base do governo. Enquanto eu descia da tribuna, conversei com o Jeferson até sobre votar o projeto ontem mesmo, para não adiar”, detalha a vereadora. Foi quando aconteceu o momento que é possível ver no vídeo compartilhado.
“Quando eu passei ao lado do Marquinhos, ele fez uma gracinha como ‘ah perdeu a discussão’, eu nem me lembro exatamente o que ele falou, mas nesse sentido. Eu respondi ‘para Marquinhos, essa é uma discussão séria, não é torcida, para de ser infantil’, algo nesse sentido. E aí me virei, ele veio por trás e fez aquilo”, conta em referência ao momento que é abraçada e beijada no rosto sem consentimento.
O parlamentar segurou a mão da parlamentar, se levantou, abraçou-a por trás e a beijou no rosto. A petista, instintivamente, afastou o rosto e seguiu caminhando.
Pelas redes sociais, Marquinhos pediu desculpas e disse não perceber no momento que se tratava de um assédio. “Reconheço meu erro em abordar a vereadora de maneira inconveniente, sem a sua autorização, e diante disso peço minhas sinceras desculpas a ela e a todas as mulheres que se sentiram ofendidas pelo meu ato. Ressalto que em nenhum momento agi de maneira mal-intencionada, porém, fui infeliz em invadir o seu espaço. Levarei essa atitude equivocada como um aprendizado, compreendendo essa situação e repudiando toda forma de assédio”, escreveu.
Já em 2023, a deputada federal Júlia Zanatta (PL) denunciou a conduta de um colega durante uma das sessões da Câmara dos Deputados do dia 11 de abril. Nas imagens divulgadas por ela, o deputado Márcio Jerry do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) aparece conversando próximo ao pescoço da parlamentar, próximo ao ouvido dela.
De acordo com a deputada, ela participava da Comissão de Segurança Pública no plenário, quando foi abordada pelo colega. “Nunca dei liberdade para esse deputado e nem sabia qual era o nome dele, mas ele se sentiu LIVRE para chegar por trás de mim”, disse ela em uma publicação nas redes sociais.
Márcio Jerry escreveu nas redes sociais que a deputada “deturpou, distorceu” a cena. “Fake news absurda. Apelei a ela para respeitar a deputada”, pontuou. O parlamentar explicou que viu a deputada discutindo com Lidice da Mata, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), e que ela estava agindo de forma desrespeitosa com a colega. O deputado alega que se aproximou e pediu respeito a sua aliada.
Trazer à tona questões como as violências enfrentadas por essas mulheres revela que, além das barreiras históricas para se eleger, quando as mulheres chegam ao poder ainda enfrentam muitas dificuldades para manter os cargos conquistados, simplesmente por serem mulheres.
Os desafios e o preconceito contra mulheres em cargos de poder são históricos, mas vem ganhando contornos específicos nos últimos anos, especialmente com o crescimento da polarização política, e resulta em um agravamento da reação às mulheres nos espaços parlamentares.
Para as prefeitas, a situação também é preocupante. Nas eleições de 2020, três em cada dez candidatas foram discriminadas por serem mulheres. O dado é da pesquisa Equidade de Gênero na Política, desenvolvida pelo DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher Contra Violência. Neste cenário, em 295 municípios catarinenses, 28 prefeitas foram eleitas e comandam as prefeituras no estado desde 2021.
Nilza Simas, do Partido Social Democrático (PSD) é a atual prefeita de Itapema, reeleita em 2020, sendo a candidata à prefeitura que mais recebeu votos em todo o estado. Ela é um exemplo de algo não comum para muitas mulheres em todo o país, pois conseguiu se consolidar na política da cidade e conquistar espaço em meio a maioria masculina.
Em 2008, Nilza se tornou vereadora na cidade e também a primeira mulher a assumir a presidência da Câmara Municipal. Na reeleição, em 2012, foi recordista de votos entre as mulheres. Na eleição municipal seguinte, novo feito: a primeira mulher eleita para comandar o Executivo. E, em 2020, obteve a reeleição com 18.557 votos, representando um apoio de 63,74% do eleitorado.
“Não diria que o mundo político é machista, mas é masculino, porque as mulheres não ousam entrar para a vida pública. Elas têm um certo receio (…) Temos que incentivar, com trabalho e números. As mulheres são capazes de assumir a vida pública”, disse Nilza, em entrevista ao ND+.
Por Todas Nós
Não se espera que alguém aceite um convite para uma experiência que promete ser dolorosa e cheia de empecilhos. Ao lutar para que mais mulheres ocupem espaços de poder na política, é justamente isso que está sendo oferecido: uma experiência não só perigosa, mas violenta. Ao pensar na possibilidade de concorrer a um cargo eletivo, elas temem por sua segurança dentro e fora das redes sociais, e pelos ataques que sabem que irão sofrer não só de oponentes, mas também de colegas dentro do próprio partido. A violência política de gênero atinge, de certo modo, todas as mulheres que escolhem seguir pelo caminho da política.
Nos quatro capítulos da reportagem especial “Por Todas Nós” foram contadas histórias de mulheres que tiveram a coragem de se impor e enfrentar todos os desafios de uma disputa política em um país em que o gênero, orientação sexual e raça são fatores determinantes para a participação feminina na política. A baixa representatividade e participação feminina na política nacional podem ser considerados reflexos das desigualdades entre os gêneros presentes em tantas esferas da sociedade brasileira.
São formas de violência política de gênero todas as ações violentas direcionadas a mulheres que estão na disputa do poder político, seja nos partidos políticos, nos movimentos sociais, durante a campanha eleitoral, ao longo do mandato e mesmo após ele, por serem mulheres. Assim como a violência doméstica, a violência política pode incluir violência física, psicológica, simbólica, sexual, patrimonial, moral ou feminicida, com o objetivo principal de diminuir ou anular direitos político-eleitorais das mulheres.
Desde agosto de 2021, a Lei n.º 14.192/2021, que criminaliza a violência política de gênero, contribui para mudar o cenário e abre, no país, um momento de transição de uma cultura de normalização para uma cultura de criminalização. Mesmo com avanços no cenário político para mulheres catarinenses e de todo o Brasil, ainda existem muitas lutas que precisam ser ganhas.
Vanessa da Rosa, Maria Tereza Capra, Ana Lúcia Martins, Maria Elisa Máximo, Juliana Bertholdi e tantas outras citadas nesta reportagem são exemplos de mulheres que enfrentam batalhas diárias e se mantêm fortes mesmo em meio à violência. Por meio destas personagens, a reportagem “Por Todas Nós” trouxe à tona as vivências e desafios de milhares de mulheres que, como elas, são incansavelmente diminuídas por conta do seu gênero.