A cultura Drag em Joinville
Por Anna Bibow e Milena Natali
Felipe Arthur, conhecido pelo pseudônimo de Galláxia, atua como Drag Queen, cantor, compositor, DJ e arquiteto. É considerado uma das Drag Queens mais influentes do norte catarinense. Seu primeiro contato com a arte ocorreu ainda na infância, e hoje, faz parte de uma tribo urbana pouco reconhecida na região. De acordo com Felipe, as Drag Queens desempenham um papel importante na cultura LGBTQIAP+ ao quebrar estereótipos de gênero e desafiar as normas sociais.
O artista escreveu recentemente uma música, seu primeiro trabalho audiovisual, nomeado “PIRA”. A música está nas plataformas de streaming e tem videoclipe no Youtube, contendo cenas de empoderamento. Santa Catarina é o quarto estado brasileiro com mais registros de violência contra a população LGBTQIAP+ e Galláxia sente-se constantemente censurado. Apesar de não ser explícito, esse cerceamento ocorre de diferentes maneiras, algumas das quais estão relacionados ao preconceito e à discriminação, fazendo jus à letra de sua música.
Confira a entrevista:
Em sua experiência, quais as dificuldades de levar esse estilo de vida em cidade como Joinville?
Eu acredito que ser Drag Queen no Brasil é igualmente associado à dificuldade, pois a arte Drag é uma cultura marginalizada, as pessoas não vêem com bons olhos, afinal o desconhecido assusta. No geral, as Drags sofrem preconceitos em qualquer lugar do mundo, mas, especificamente em Joinville, creio que o maior problema é a falta de oportunidades e de mercado para atuar. Nossa região é carente de espaços que acolham esse grupo social e que deem liberdade para performar. As Drag Queens passam dificuldades independentemente da cidade no Brasil. Mas, em Joinville, faltam ambientes propícios à liberdade de expressão. Porque quem faz Drag, faz por amor, mas também faz por profissão. Santa Catarina é desprovida de espaços que acolham a gente, onde se possa trabalhar, para então mostrar a nossa arte. Então eu acredito que essa seja a maior adversidade aqui.
Como você vê o crescimento da cultura drag em Joinville?
A Cultura Drag em Joinville passa por altos e baixos, de vez em quando alguns artistas passam pela cidade, entretanto, não permanecem por um longo período. Apenas os locais atuam de maneira fixa. Nesse momento, o cenário está em ascensão, com mais eventos inclusivos na cidade, encontros e festas que abordam o tema de maneira relevante. Inclusive, sou produtor de uma festa chamada Drag Show, no Soma. É um evento para realmente fomentar a cena Drag Queen, isso impulsiona o movimento na cidade e, por consequência, aparecerem novas Drags. Até o Reality Show Drag Race Brasil mudou a perspectiva das pessoas sobre a cultura, essa visibilidade é de extrema importância. Acredito que haverá transformações constantes para os próximos anos.
Qual a sua relação com as demais drags da cidade? Vocês compartilham as mesmas ideias e valores?
Não tenho contato com todas, mas tenho com a maioria. Com as Drag Queens da Velha Guarda, que são as artistas que já estão aí fomentando a cena bem antes da gente, eu não tenho muito contato, mas com as da minha geração, no geral, tenho uma ótima relação, nós conversamos, nos apoiamos e, acima de tudo, nos respeitamos. Sempre com uma comunicação muito boa, até porque precisamos de união, sabemos das dificuldades vivenciadas, então a gente busca se abraçar nessas causas em que compartilhamos o mesmo propósito.
Em relação ao público, como é a reação das pessoas? Tem alguma história que marcou sua carreira?
A reação das pessoas geralmente é muito calorosa, porque quem consome a arte Drag gosta do conteúdo. Então esse público nos vê realmente como estrelas, tem total interesse em saber da nossa vida e dos nossos projetos. Esse carinho todo é muito bom, o reconhecimento do trabalho faz todo o esforço valer a pena. Acho legal quando percebem um pouquinho do Felipe na Gallaxia e vice-versa. Inclusive, quando estou fora da minha Persona Drag, estou desmontado, essas pessoas vêm trazer ainda esse carinho, então é muito legal. Já passei por bastante vivências, afinal, são 8 anos de Drag, é uma longa caminhada. Uma experiência recente foi a contratação pela Workroom Porto Alegre, é um bar que reforça a cena Drag no sul do país, na verdade ele tem uma visibilidade nacional. Então eu fiquei muito feliz de poder ter a oportunidade de pisar naquele palco e fazer o que faço de melhor. Acredito que seja uma das memórias mais marcantes pra mim, além do meu primeiro videoclipe e composição própria, ‘PIRA’, que é uma grande mistura de pop, brega funk e trap.
Como drag, você acredita que tem o reconhecimento necessário para sobreviver apenas da cultura em Santa Catarina, estado que ocupa o quarto lugar em registros de violência contra a população LGBTQIAP+?
Olha, eu estou lutando e trabalhando muito para conseguir sobreviver apenas da minha arte. Mas ser artista no Brasil é muito complicado, ainda mais Drag Queen, como eu comentei antes, as pessoas vêm com outros olhos. Eu acredito que dá pra viver somente com Arte Drag, mas se dedicar o tempo somente a isso. Ultimamente, inclusive, está aparecendo muito trabalho para performar, só que a questão de valorização na parte financeira não é tão grande, o que acaba não compensando. A maioria das Drags de São Paulo, que trabalham nas grandes baladas, têm um outro emprego durante o dia, porque realmente não dá pra pagar todas as contas só vivendo da arte. Estou esperançoso que as coisas vão melhorar para a cena artística drag queen nos próximos anos.
Já experienciou alguma situação de desconforto e/ou censura na comunidade LGBTQIAP+?
Se aconteceu, acho que foram pouquíssimas vezes, inclusive eu lembro que teve uma gay que olhou na minha cara e falou que eu estava feia. Então, assim, tem muita gente sem noção, que não entende todo o processo de construção de uma Drag Queen, são também opiniões, ele não precisava me achar bonita ou feia, mas era questão de respeito mesmo, era só não ter falado nada, o que já poupa muita coisa. Outra situação bem desconfortável que passei no ano passado, foi logo após um evento. Estava em uma lanchonete com alguns amigos, um homem aproximou-se e sentou ao meu lado, começando a mexer na minha peruca e falar bobagens, fiquei tão constrangida que levantei e pedi para que saísse, ou chamaria polícia. Mas, no geral, a comunidade me apoia bastante na cidade e região, recebo muito mais coisas boas do que ruins.
Em sua perspectiva, a diferença entre sexualidade e gênero influencia a opinião pública?
A sociedade nem entende direito o que é gênero e o que é sexualidade. Então, acabam misturando muita coisa, as pessoas não entendem nem o que é Drag Queen, que não tem nada a ver com gênero e sexualidade, sabe? E sim com arte, expressão e cultura. Acredito que falta às pessoas buscarem mais conhecimento. A gente tem um celular na palma da mão 24 horas por dia, e falta as pessoas pararem de se alienar em conteúdos errados e prestarem mais atenção no que realmente é dito, mas não é ouvido.