Parto Domiciliar Planejado: conheça mais sobre a modalidade em ascensão em Joinville
Por Dyeimine Senn
Um artigo intitulado “Partos domiciliares planejados ocorridos em Joinville: perfil epidemiológico das mulheres e desfechos maternos e neonatais”, revelou que, de 79 gestantes atendidas por equipes de parto domiciliar, de janeiro de 2012 a março de 2020, 83,5% dos partos ocorreram nos lares das famílias, sem nenhum caso de morbidade materna (quando a mulher apresenta complicações graves no período gestacional, durante o parto e pós-parto). Apenas 16,5%, houve a necessidade de transferi-las para o hospital.
De acordo com a orientadora deste estudo, Bruna Daniela Batista, os registros de atendimentos foram fornecidos pelas Equipes de Parto Domiciliar Bem-Querer e Árvore do Amor, ambas de Joinville. A pesquisa é de autoria da enfermeira Rafaela Reinicke, que era residente da Maternidade Darcy Vargas na época. “Ela realizou este trabalho para concluir a especialização de enfermagem em assistência materno-infantil. A pesquisa passou pelo Comitê de Ética da maternidade.”
O Parto Domiciliar Planejado (PDP) trata-se de uma modalidade de parto e nascimento que ocorre de forma planejada, a partir de uma assistência prestada por enfermeiras obstetras. Além disso, o PDP exige experiência, treinamento e um plano de transferência bem estabelecido, seguindo protocolos e recomendações nacionais e internacionais de segurança.
O presidente da Comissão de Direito à Saúde da Subseção da OAB Joinville, Vinícius Maia, ressalta que, dentro das indicações médicas, a mulher tem o direito de escolher como será o seu parto. Inclusive, o Ministério da Saúde (MS) prevê essa possibilidade. “Por meio da Portaria nº 1.459/11, que criou a Rede Cegonha, as gestantes podem retirar na Unidade Básica de Saúde um kit para fazer o parto fora do ambiente hospitalar.”
Os resultados das análises também apontaram que mulheres que optaram pelo PDP em Joinville, têm, em média, 31 anos de idade, são brancas, casadas, com alto nível de escolaridade, multigestas, planejaram a gestação e realizaram o pré-natal adequadamente. O artigo foi publicado na Revista Gaúcha de Enfermagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 19 de junho de 2023.
Entre os motivos que levaram casais a optarem pelo PDP, conforme consta no “perfil epidemiológico das mulheres e desfechos maternos e neonatais”, é a insatisfação com a assistência prestada nos hospitais que costumam ser prestados de forma rotineira e, às vezes, com técnicas violentas e ultrapassadas, que desestimulam a possibilidade da mulher ter sua autonomia respeitada.
O Brasil é o segundo país com o maior índice de cesarianas, de acordo com dados do MS. Em 2022, 57,7% das gestantes tiveram parto cesárea — foram mais de 1 milhão de procedimentos. O número é quase quatro vezes maior que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de 15%.
Entre os fatores que preocupam as mulheres estão: a ideia de que a cesariana é a alternativa mais segura em relação ao parto normal; a preocupação com a vida sexual após ter o filho pela via natural; a busca pelo conforto proporcionado pela previsibilidade (marcar dia e hora para o nascimento do bebê); e o medo da dor do parto.
Para a enfermeira obstetra do Coletivo Bem-Querer Bruna Batista, desde que a medicina se apropriou do parto e nascimento, o parto natural ficou em segundo plano. “Essa forma de assistência ainda é vendida como a única realidade possível, o que faz com que muitas mulheres optem pela cesariana”, considera Daniela Batista.
É o caso da empreendedora, Suelen Cristina Padilha Andreacci, de 33 anos, que escolheu fazer parto em casa com a equipe de enfermeiras obstetras do Bem-Querer. “Eu estava com quatro meses de gestação e tinha certeza que faria cesárea. Sentia medo de não aguentar a dor e de morrer no parto.”
Andreacci disse que mudou de ideia porque buscou se informar a respeito da
necessidade das intervenções médicas. “Eu queria entender por que o médico injeta ocitocina para acelerar a dilatação, por que coloca a mulher para parir deitada, por que fazem episiotomia. Quando entendi que esses procedimentos, na maior parte das vezes, são desnecessários, decidi fazer parto humanizado em casa.”
Ela também conta que temia a logística interna do ambiente hospitalar, que, muitas vezes, impossibilita a gestante de ocupar o leito por muito tempo. “Quando um médico acelera esse processo pode deixar sequelas, tanto na mãe, quanto na criança que nasce traumatizada.”
Já a profissional de relações públicas Renata Santayana Conversani, 42 anos, disse que escolheu fazer parto em casa porque não sentia confiança nos médicos, ela teve dois partos em casa com a equipe do Bem-Querer. “O parto humanizado é pouco discutido porque vai na contramão do sistema. As pessoas acreditam que o ambiente hospitalar é mais seguro porque existe um discurso médico que aponta para isso e assusta as gestantes”, ressalta.
Apesar de popularmente ser um assunto pouco discutido, o parto humanizado já é um modo de atendimento que tem política pública estabelecida pelo Ministério da Saúde desde 2000, por meio do Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento cujo objetivo é “qualificar a assistência à mulher e bebê, bem como auxiliar na redução da morbimortalidade materna e neonatal.”
Sobre os requisitos legais para que um parto seja considerado humanizado, incluindo questões como a escolha do local de parto e a assistência médica, a Lei nº 8.080/90 regulamenta o funcionamento dos serviços de saúde. A Portaria nº 1.469/2011 e a Portaria nº 569/2000, tratam especificamente sobre Parto Humanizado.
Inclusive, em Joinville possui a Lei Municipal nº 8.173/2016 e em Santa Catarina, a Lei Estadual nº 16.869/2016, que obriga que estabelecimentos hospitalares e congêneres a permitirem a presença de doula durante o trabalho de parto.
Bem-Querer Parto Domiciliar Planejado
A história do Coletivo Bem-Querer iniciou em 2011. Todas as enfermeiras na época já atuavam na obstetrícia, na assistência em maternidades tradicionais e no modelo hospitalar. Formado pelas enfermeiras obstetras Rosimeire Pereira Bressan, Arnildes Rodrigues de Oliveira, Eliana Pontes e Ana Maria Brisola, no começo, realizavam atendimento de forma individual.
Algumas faziam assistência domiciliar focadas na amamentação, outras realizavam atendimento pré-parto, acompanhando o trabalho de parto em casa para depois ir à maternidade. Até que uma enfermeira obstetra de São Paulo, Maria Januário, teve a ideia de prestar assistência voltada à humanização e passou a incentivar a realização do parto em domicílio.
A partir daí, cada uma foi estudando para realizar esse tipo de atendimento.“Não foi fácil e só foi possível pois acreditávamos neste modelo de assistência e por isso buscamos nos aprimorar. Foi aí que surgiu uma gestante, interessada em fazer parto em casa”, recorda Bruna Daniela Batista, uma das enfermeiras que hoje compõem o coletivo.
Batista conta que, embora ainda não tivessem todo o material necessário, nem prontuário pronto, uma equipe de Florianópolis chamada Hanami, prestou auxílio para que elas pudessem realizar o primeiro atendimento de parto domiciliar, que ocorreu em 2012, em Jaraguá do Sul.
Atualmente, a equipe do Bem Querer Parto Domiciliar é composta por quatro enfermeiras obstetras, Rosimeire Bressan (2011), Arnildes de Oliveira (2011), Bruna Batista (2019) e Tayane de Oliveira Brasil (2022). Todas com experiência em atendimento hospitalar e domiciliar.
A equipe atende os municípios de Joinville, Guaramirim, Jaraguá do Sul, Garuva, Araquari e, em épocas de baixa temporada, São Francisco do Sul, Barra Velha, Piçarras, Penha e Navegantes.
Juntas, desde 2011, já realizaram 147 atendimentos, sendo 117 partos domiciliares e 23 transferências (apenas 1 com urgência). No ano de 2022, foram 16 atendimentos e em 2023, até o momento, 10.
Em relação ao custo para realizar PDP com as enfermeiras do Bem-Querer, o valor varia conforme o município. Joinville fica em torno de R$7.500, a depender da forma de pagamento. Já em cidades vizinhas, fica em torno de R$6.000 a R$10.000, devido ao tempo de deslocamento. Até o momento, o plano de saúde não cobre os serviços de enfermagem obstétrica. “Nosso maior sonho é que um dia o PDP faça parte do SUS e seja uma possibilidade para todas aquelas que desejam e podem”, menciona Daniela Batista.
O parto domiciliar pelo SUS, por enquanto, é uma realidade apenas em Belo Horizonte (MG), com a equipe do Hospital Maternidade Sofia Feldman.
*Esta reportagem foi publicada em 17 de novembro com um erro de interpretação referente ao artigo utilizado como fonte de informação. A redação da REVI pede desculpas pelo erro.