Resenhando | A arte da adaptação, analisando “Orgulho e Preconceito”
Bem-vindo ao Resenhando! Uma série de três textos que vai analisar três filmes de romance adaptados de livros, aqueles que você simplesmente não pode perder na vida. Este é apenas o primeiro texto de uma trinca incrível, então depois de se deliciar com este, não esqueça de conferir os outros dois. Prometo que você vai adorar! Então, prepara a pipoca, pega o controle remoto e liga a TV, porque depois dessas resenhas, você vai correr para assistir aos filmes!
Por: Hayana Ribas
“Orgulho e Preconceito” (“Pride and Prejudice”) é um filme lançado em 2005, sob a direção do cineasta britânico Joe Wright, hoje está disponível nos serviços de streaming, Netflix, Amazon Prime Video e Telecine. Este longa-metragem é uma das várias adaptações do famoso romance homônimo da escritora inglesa Jane Austen, publicado em 1813. A história se desenrola na Inglaterra no final do século XVIII e gira em torno da família Bennet, composta por um casal e suas cinco filhas.
A adaptação do famoso romance mantém fielmente a essência do livro original. O filme consegue transmitir a história de forma eficiente, preservando o frescor e a atmosfera do romance. Isso resulta em uma adaptação cinematográfica exemplar, mostrando que é possível ser fiel ao material original e ainda criar um ótimo filme. Embora as adaptações não precisem seguir exatamente suas fontes, mas quando o objetivo é a fidelidade artística, este filme é um excelente exemplo de como fazer isso bem.
Tudo presente no trabalho de Jane Austen está neste filme: a trama principal e as relações entre os personagens, o subtexto que revela o comportamento da época e desafia seus valores, a delicadeza e o charme que criam a atmosfera daquele universo, e os inúmeros diálogos espirituosos e mordazes dos personagens.
A complexidade e construção dos personagens
A primeira sequência de cenas “Orgulho e Preconceito” revela grande parte da dinâmica do filme e das personalidades dos membros da família Bennet. Elizabeth (Lizzy) é vista sozinha lendo um livro, logo depois entra em sua casa de classe média-alta indo ao encontro do restante da família.
Uma de suas irmãs toca piano, outras duas correm rindo, e seus pais discutem a chegada de um homem rico e solteiro na cidade. A câmera de Wright é hábil em explorar as várias nuances de cada personagem: Jane é mostrada de maneira isolada, como uma figura mais calma e distinta; Mary, que aparece pouco no filme, mas é descrita no livro como mais reclusa e menos frívola, é vista apenas de costas; as outras duas irmãs representam a futilidade, sempre preocupadas com homens e riquezas; além, é claro da matriarca da família Bennet, que trata as filhas como negócios a serem trabalhados visando o casamento.
Tudo isso é mostrado em poucos minutos de filme. Lizzy é apresentada como a única personagem com “algo a dizer”. Embora Mary e a irmã mais velha, Jane, também não se encaixem no padrão de futilidade, apenas Lizzy tem uma profundidade subjetiva a ser explorada. Ela se destaca naquele ambiente de elite, repleto de bailes e jantares, como uma figura singular, com fina ironia e respostas rápidas que surgem nos diálogos.
O roteiro faz um excelente trabalho com os diálogos, preservando o tom “antigo” sem torná-los chatos, ao adicionar ironia e vivacidade. Temos diálogos descontraídos e sarcásticos, e outros mais sentimentais e profundos, especialmente nas cenas entre Lizzy e Sr. Darcy na segunda metade do filme.
O jeito e a presença marcante de Lizzy não é resultado de uma busca incessante por empoderamento feminino, mas sim de uma abordagem sutil articulada pelo roteiro, direção e atuação. Keira Knightley, que a interpreta, possui uma delicadeza que combina perfeitamente com a audácia da personagem, criando uma atuação que cativa o espectador e desperta nossa afeição por ela. Knightley consegue ser doce sem parecer melosa e desafia as convenções de sua época sem adotar uma postura rígida. Sua interpretação é moderna o suficiente para ser contestadora, mas ainda clássica para exalar feminilidade.
Na construção de seu par romântico, temos o Sr. Darcy, interpretado por Matthew Macfadyen, que desempenha seu papel com destreza, embora ele não tenha o mesmo carisma de Knightley, o que, acredito que contribui para seu sucesso. Seu personagem é estabelecido através de um tom meio ranzinza, que inicialmente provoca a repulsa de Lizzy. No entanto, é justamente através desses conflitos que a reviravolta do filme ocorre, desenvolvendo o romance entre o casal.
Esses dois pontos, a primeira impressão negativa de Lizzy sobre Darcy e a segunda impressão positiva, são elementos centrais do filme e do livro. Uma das ideias de título para o romance de Jane Austen era “Primeiras Impressões”, refletindo esses sentimentos. No entanto, o título final foi “Orgulho e Preconceito”, onde Lizzy representa o preconceito com que vê Darcy, e ele, o orgulho com que encara Lizzy. Essas primeiras impressões são moldadas pela audácia de Lizzy e a frieza de Darcy. Acredito que o filme, seja mais do que um simples romance, é uma história sobre questões morais, sociais e sentimentais que estão interligadas.
Elementos técnicos e visuais
Em termos técnicos, a produção de “Orgulho e Preconceito”, sendo uma obra de época repleta de graciosidade, demanda um cuidado meticuloso com sua estética visual. A fotografia é diversificada, destacando-se pelos planos que capturam cores e tonalidades distintas, especialmente nos cenários internos bem iluminados. A direção de arte, ao retratar as elites da época, é deslumbrante, com decorações e figurinos fabulosos que emanam a elegância do período histórico retratado.
Quanto à montagem, destaca-se o plano sequência mencionado no início do texto, que introduz o filme e situa perfeitamente os personagens. Além disso, chamam a atenção momentos como o plano detalhe de Darcy segurando a mão de Lizzy ao sair de uma carruagem e os movimentos de câmera durante as danças nos bailes ao longo do filme.
O único problema do filme é como o romance entre Jane e o Sr. Bingley é tratado, sem desenvolvimento suficiente entre eles. Isso faz com que o episódio em que ela está doente na casa dele seja apresentado de maneira abrupta e fora de contexto na trama.
Além disso, o Sr. Bingley é retratado de forma simplista, como uma caricatura de um homem bobo e incapaz de se expressar. Apesar disso, esses pontos não diminuem a força da adaptação, que é repleta de ternura e delicadeza, capturando com precisão a essência da época e colocando em destaque os sentimentos dos personagens principais.
Saiba mais sobre o filme
Nome: “Orgulho e Preconceito” (“Pride & Prejudice”)
Ano: 2005
País: França/Reino Unido/Estados Unidos
Direção: Joe Wright
Roteiro: Joe Wright, Emma Thompson, Deborah Moggach, Jane Austen (livro)
Elenco: Keira Knightley, Matthew Macfadyen, Donald Sutherland, Brenda Blethyn, Rosamund Pike, Jena Malone, Talulah Riley, Carey Mulligan, Claudie Blakley, Judi Dench, Tom Hollander, Kelly Reilly, Rupert Friend, Simon Woods, Penelope Wilton, Peter Wight, Tamzin Merchant, Roy Holder
Duração: 127 minutos.
Nota no Rotten Tomatoes: 87% de aprovação.
Onde assistir: Netflix, Amazon Prime Video e Telecine.