Papel, prosa e aperto de mão
Andava pela rua apressado, com o tempo escorrendo por entre meus dedos. Não via nada nem ninguém, ou melhor, não queria ver nada nem ninguém, afinal, tinha pressa de viver, de trabalhar, de estudar. Não tinha tempo para nada. Até que de longe vejo uma comoção, e era das grandes. Entregavam papéis de propaganda, sorriam, proseavam e apertavam as mãos.
Fingi não ver, pois afinal, tinha pressa. baixei a cabeça, andei apressado, não adiantou, me viram em passos largos e me chamaram. Fiquei constrangido “o que fazer? Tenho pressa”. Peguei o papel, nada me interessava, escutei a prosa, nada me interessava. Estava inerte fingindo escutar, olhava o relógio na torre, tinha pressa. A prosa se estendia por longas palavras e frases, passava por assuntos como candidato, direitos, votos e propostas. Mas só escutei palavras ao vento pois afinal tinha pressa de andar.
Logo após a prosa veio o aperto de mão, frio como a noite, inexpressivo como a rocha. Não deveria este aperto de mão transmitir ideia de confiança? Não devia esta demonstração de contato me aproximar com proseador? Gélido como gelo, era isso que sentia. Ele apertou e chacoalhou minha mão apressada e pude sentir toda a falsidade, toda a sede de poder. Olhei novamente o papel, era como a prosa, longa e supérflua.
Me atirei ao delírio, pensei em poucas e boas. Pensei no lixo, pensei no esgoto, pensei no ônibus, pensei na saúde e educação, pensei no povo, pensei na família, pensei em tudo menos na prosa. O aperto continuava lento, vagaroso e falso. De que me valia aquele aperto de mão débil, esmorecido? Do que adianta prosear, lançar palavras ao vento quando eu tinha pressa. Pensei novamente, “que tempo perdido.”
Diferente de mim, havia pouca pressa no proseador. Ele continuava a prosear e a apertar as mãos, sempre sorrindo, sempre feliz. Mas quem já viu gente de prosa se estressar com o tempo? Quanto mais devagar o tempo passar melhor para essa gente, assim mantém seu poder, assim mantém sua influência e se mantém seu poder e influência por mais tempo melhor. Assim como aperto de mão que permanecia indo para cima e para baixo, lentamente, inutilmente.
O eterno aperto de mão continuava a me fazer pensar em pensamentos pouco amigáveis. O papel, a prosa, o sorriso e o aperto de mão são todos feitos em uma sequência maligna, abordando os que têm pressa, provando mais uma vez a futilidade do proseador. Encaixo mais uma vez as palavras, tenho pressa. Pressa de saúde, pressa de educação, pressa de dignidade, pressa de esgoto, pressa de abrigo, pressa de respirar ar puro, pressa de segurança política.
Afinal de contas, não sou proseador, não ocupo tempo de quem tem pressa, não entrego mentiras em papéis mal impressos, e com certeza não aperto mãos, pelo menos não de pessoas que tem pressa. Apertos de mãos não resolvem minha pressa, não resolvem a pressa de ninguém, só servem para cumprimentar e nada mais.
Agora abaixo minha mão, me livro do agarro do aperto de mão, me libero da prisão temporária, dou um sorriso amarelo e começo a andar. Finalmente, livre do papel, livre da prosa e claro livre do aperto de mão. Tenho pressa, caminho e logo na esquina vejo outro proseador, esperando-me com o papel em uma das mãos e estendendo-me a outra em um agarro gélido.