Dia Nacional da Umbanda expõe raízes do racismo e intolerância religiosa
Até julho deste ano, o canal Disque 100 registrou um aumento de 80% nas denúncias por violação de crença e religião
Por Milena Natali
No dia 15 de novembro, o Brasil celebrou o Dia Nacional da Umbanda, uma data que representa a rica diversidade cultural do país. Contudo, essa celebração também serve como um alerta sobre a persistência do racismo e da intolerância religiosa, que continuam a impactar as tradições afro-brasileiras. Santa Catarina, um estado com uma população predominantemente branca, não é exceção, enfrentando desafios em relação à aceitação de práticas religiosas de matriz africana.
Segundo dados do Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, houve um aumento alarmante de 80% nas denúncias de intolerância religiosa no Brasil no primeiro semestre de 2024, em comparação ao mesmo período do ano anterior. No total, foram registradas 1.227 denúncias, com religiões afro-brasileiras entre as mais atacadas. A umbanda, por exemplo, foi alvo de 75 denúncias, enquanto o candomblé registrou 58 casos.
Estudiosos apontam que o preconceito direcionado às religiões afro-brasileiras está ligado à discriminação racial. O racismo estrutural, que permeia instituições e relações sociais, tem historicamente marginalizado essas religiões. O sociólogo Marco Antônio Ribeiro, especialista em religiões afro-brasileiras, afirma que “a intolerância contra a umbanda vai além do desconhecimento religioso, é um reflexo direto do racismo que permeia a sociedade”.
Marco enfatiza que a maioria das ofensas envolvem discursos de ódio, com o intuito de desumanizar e desqualificar, com a intenção de ferir a crença e a moral daqueles que praticam. “A demonização dessas religiões está associada ao fato de serem majoritariamente praticadas por pessoas negras ou pardas. Precisamos trabalhar na educação e na conscientização para quebrar esses estigmas”, comenta.
A história de Fabiana e Maria, mãe e filha, ilustra a resiliência da comunidade umbandista. Fabiana Ravache Mendes, de 45 anos, é mãe de santo em Jaraguá do Sul e frequenta o terreiro todos os domingos, participando de giras e realizando trabalhos espirituais voltados ao auxílio da comunidade. Desde pequena, sua filha, Maria Luiza Venturelli, de 23 anos, acompanha as celebrações e aprendeu sobre a importância da umbanda, tornando-se médium.
Maria compartilha que, na infância, sentia receio de falar sobre sua religião na escola, devido ao medo da reação negativa dos colegas, reflexo do preconceito e da falta de conhecimento. “Esse sentimento me acompanhou, mas não diminuiu minha paixão pela umbanda, que é uma parte fundamental da minha identidade. Hoje, consigo falar abertamente sobre isso”, conta.
Fé e preconceito
Em Santa Catarina, 53% das vítimas de intolerância religiosa no primeiro semestre deste ano eram pessoas negras ou pardas, sendo 60% das denúncias feitas por mulheres. Esses dados revelam um quadro alarmante de discriminação que afeta majoritariamente grupos historicamente marginalizados. Contudo, também existem sinais de progresso. O diálogo inter-religioso está crescendo em várias regiões, e iniciativas como o Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos, são fundamentais para combater o preconceito.
Em 2024, esse serviço registrou mais de 398 mil denúncias, muitas delas relacionadas à intolerância religiosa. Isso indica que a população está se mobilizando e se sentindo mais à vontade para relatar casos de discriminação. Portanto, o fortalecimento de redes de apoio e a promoção de um ambiente de respeito são essenciais para a transformação social.
Neste 15 de novembro, a data não deve ser vista apenas como uma comemoração, mas como uma oportunidade para refletir sobre o racismo estrutural que ainda marginaliza tantos brasileiros.