Dia da Consciência Negra reforça luta contra desigualdade racial
Cidade fortalece movimentos pela valorização da história e cultura afro-brasileira
Por Maria Eduarda Alecrim
O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, foi escolhido para homenagear a resistência e a luta de Zumbi dos Palmares, o líder do Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência negra no Brasil colonial. Zumbi representa a luta por liberdade e igualdade racial, valores que seguem atuais e inspiram movimentos negros em todo o país. Este ano, pela primeira vez, Joinville celebra essa data como feriado oficial, um marco importante para a cidade e suas lutas antirracistas.
Para o Movimento Negro Maria Laura, criado em 2015 em homenagem à professora reconhecida na cidade por seu trabalho em defesa da educação e dos direitos da população negra, o feriado é um marco importante para conscientizar que o racismo é um problema de toda a sociedade, não apenas da população negra. Rhuan Carlos Fernandes, cofundador do movimento, enxerga o feriado como um ponto de partida para um debate mais profundo. “Esse feriado não surgiu apenas de uma decisão política, não deve ser visto apenas como um dia de descanso, mas é fruto da mobilização do movimento negro em todo o país. Ainda temos muito o que conquistar, mas essa vitória é um recado importante para a sociedade”, afirma.
Diante da data, o movimento organizou eventos ao longo do mês de novembro, não apenas para celebrar, mas também para conscientizar. O dia 20 contará com atividades como rodas de samba e um amistoso de futebol em parceria com o time antirracista Senegão, além de encontros e palestras em escolas e espaços públicos. “Nossa cultura e união são nossas maiores armas contra o racismo e as opressões”, pontua Rhuan.
A reflexão sobre o impacto do feriado também levanta críticas. Ainda segundo o cofundador do movimento, o feriado, apesar de importante, é apenas um passo. “O Dia da Consciência Negra precisa ser um momento de reflexão para toda a sociedade, mas o feriado não é a ferramenta mais importante, uma ferramenta importante seria por exemplo, reforma agrária, educação integral, valorização dos professores, isso seria uma ferramenta. Feriado é uma possibilidade, mas ele por si só não gera mudanças”, acrescenta Rhuan.
O Movimento Negro Maria Laura indica a necessidade de mudanças em Joinville para alcançar a igualdade racial. Entre suas demandas principais está a ampliação do acesso à educação pública de qualidade e inclusiva, defendendo a expansão de institutos federais e universidades públicas e a criação de planos antirracistas nas instituições.
Além disso, luta pela implementação de cotas raciais no serviço público. No setor cultural, o movimento propõe expandir a Lei de Cultura, promovendo a valorização da herança afro-brasileira e incentivando a criação de eventos e atividades que fortaleçam a representatividade negra. Na área de serviços públicos, o movimento se posiciona contra a terceirização, defendendo o fortalecimento da saúde, educação e assistência social, especialmente para atender as necessidades da comunidade negra.
O acesso ao lazer e ao esporte também é essencial, visto como uma forma de inclusão e resistência. Por meio de eventos e práticas esportivas, o movimento cria espaços de união e celebração. Por fim, o grupo destaca a necessidade de uma maior participação política da comunidade negra em Joinville, incentivando a atuação ativa nas decisões da cidade para promover a igualdade racial.
Em paralelo às celebrações, o movimento aponta desafios contínuos, incluindo a falta de implementação da Lei 10.639/03, que estabelece o ensino de história afro-brasileira nas escolas. “Ainda há muito a ser feito. Em Joinville, a Secretaria de Educação não possui um plano de promoção da igualdade racial, e as escolas precisam de suporte para abordar essa história em sala de aula”, critica Rhuan.
Avanços e desafios para a transformação
A Secretaria de Educação de Joinville defende que avanços estão sendo feitos. A pasta aponta que a questão das relações étnico-raciais é incentivada em todas as escolas e CEIs da rede ao longo do ano. Desde março, a 10ª edição do Seminário Municipal de Educação para Promoção de Igualdade Racial tem trabalhado para inspirar a comunidade escolar a desenvolver projetos que abordem a diversidade étnica. Em 2024, a secretaria adotou uma postura mais robusta ao incluir diretrizes de educação antirracista nos Mapas de Progressão da Aprendizagem, além de aderir à Política Nacional de Equidade e Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação escolar Quilombola. Apesar dessas iniciativas, movimentos como o Maria Laura ressaltam que a verdadeira transformação exige uma política educacional que possa ir além de seminários e orientações gerais.
A resistência afro-brasileira e sua importância
Para a historiadora Valdete Daufemback, o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, ultrapassa uma simples data comemorativa. Ele marca uma escolha da população afrodescendente no Brasil em homenagem a Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, como uma forma de resistência contra o dia 13 de maio, conhecido pela abolição da escravatura e que é associado à princesa Isabel. “O feriado do dia 20 de novembro legitima a data que os próprios afrodescendentes escolheram como o dia da resistência negra”, explica Valdete. Por outro lado, a historiadora acredita que, por si só, o feriado não é capaz de provocar uma mudança profunda. “Eu não acredito que o feriado vá mudar muito; o que faz a diferença de verdade é o movimento, a resistência diária, as conquistas e os direitos assegurados. O feriado traz visibilidade, mas o impacto real virá das lutas diárias”, ressalta.
A luta pela memória
A historiadora salienta que políticas públicas foram essenciais para valorizar a cultura afro-brasileira em Joinville, trazendo à tona uma história muitas vezes ignorada. Ela lembra que, por volta de 2009, a cidade passou a apoiar manifestações culturais como o carnaval e a implementar medidas voltadas à igualdade racial, como a criação do Comitê de Igualdade Racial. “Foi um momento em que a cidade começou a admitir que existiram pessoas escravizadas aqui, que foram sepultadas no cemitério da imigração. Com isso, a população afro começou a encontrar espaço para se mostrar e manifestar”, explica Valdete.
Entretanto, ela observa que Joinville ainda enfrenta desafios para construir uma memória mais inclusiva. Segundo a historiadora, a cidade teve poucas documentações históricas sobre a escravidão, e isso se relaciona com uma política de “branqueamento” no passado, dificultando o reconhecimento da população negra como parte da história local. Valdete aponta que muitas pessoas de origem afrodescendente, que chegaram a Joinville recentemente em busca de oportunidades, evitam participar de movimentos por receio de exclusão no trabalho, o que reforça a necessidade de uma comunidade unida e fortalecida. “Essa resistência é construída com quem tem raízes mais antigas na região. A Consciência Negra, em Joinville, ganhou mais força nos últimos 20 anos e cada passo nessa direção é fundamental para que a cultura afro-brasileira seja vista e valorizada”, conclui a historiadora.
Celebrações do Dia da Consciência Negra em Joinville
Joinville irá celebrar o primeiro Dia da Consciência Negra como feriado com uma série de atividades organizadas em vários Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) ao longo do mês de novembro. As iniciativas buscam promover o letramento racial e conscientizar a comunidade sobre a relevância da data.
No CRAS Adhemar Garcia, um encontro aberto está agendado para o dia 13 de novembro, às 9h. O CRAS Aventureiro realizará o grupo “Mulheres que Contam e Reescrevem sua História” nas manhãs de 13 e 27 de novembro, às 9h, enquanto o CRAS Comasa fará uma homenagem no dia 13, às 14h, contando com a participação das famílias atendidas. O CRAS Floresta organizará rodas de conversa em escolas, discutindo temas relacionados ao letramento racial, e o CRAS Morro do Meio exibirá filmes e realizará contação de histórias para crianças e adolescentes.
Nos CRAS do Paranaguamirim, Parque Guarani e Pirabeiraba também ocorrerão atividades de conscientização sobre o tema. O evento principal ocorrerá no dia 20 de novembro, a partir das 10h, quando será promovida uma imersão cultural na Casa da Cultura, no endereço na rua Dona Francisca, 800, no bairro Saguaçu,organizada pelo Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Joinville (COMPIR), com atividades como exposições, apresentações culturais e atividades educativas.