A imigração venezuelana no Sul do Brasil
Em busca de uma vida melhor, venezuelanos enfrentam desafios ao recomeçar no Brasil
Por Yasmin Rech
No final de 2019, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) divulgou um dado alarmante: 79,5 milhões de pessoas haviam sido forçadas a deixar seus países devido a guerras, perseguições e crises econômicas. Dentre esses, muitos eram venezuelanos que, diante da grave crise que assolava a Venezuela, buscaram refúgio no Brasil.
Entre 2018 e 2023, cerca de 24 mil imigrantes chegaram a Santa Catarina, estado localizado no Sul do Brasil, de acordo com a Operação Acolhida. Joinville se destacou como a cidade com o segundo maior número de refugiados. Esse movimento migratório se intensificou no último ano, com mais de 192 mil venezuelanos entrando no Brasil em 2024, o que representa um aumento de 18% em relação ao ano anterior.
Maria Angélica Marquez, uma venezuelana que vive no estado do Paraná há quatro anos, é um exemplo dessa busca por um novo começo. Ao lado de seus dois filhos e esposo, ela deixou a Venezuela em busca de uma vida melhor. “Se para a classe alta estava difícil, imagina para nós”, afirma, relembrando os tempos em que o salário mal cobria as necessidades básicas.
Em busca de um futuro melhor para seus filhos, Maria chegou ao Brasil há seis anos e enfrentou dificuldades no Norte do país. “Em Manaus, há pouco trabalho”, explica. Hoje, ela trabalha como diarista em Curitiba e, apesar dos desafios, se sente grata pela oportunidade. “O Brasil abriu as portas para nós”, diz.
A adaptação não foi fácil. Como muitos outros imigrantes, Maria enfrentou o preconceito, mas escolheu ignorá-lo. “Meu esposo, no trabalho, escuta certas coisas que doem, mas a gente não se importa”, relata. Mesmo assim, ela mantém a esperança de um futuro melhor para seus filhos, que já estão na escola. “Sinto falta do meu país, da nossa língua e cultura, mas nos adaptamos. Tudo deu certo”, declara.
Solidariedade vem dos projetos sociais
A jornada dos imigrantes venezuelanos é difícil, mas pessoas como Silvana Aparecida Serafim Campos, pastora e fundadora do projeto Amigas do Bem Curitiba, dedicam tempo e esforços para ajudar os refugiados.
Criado em 2019, o projeto começou com a simples arrecadação de roupas de inverno para uma venezuelana grávida. Hoje, atende a cerca de 100 famílias, a maioria composta por imigrantes venezuelanos.
“Até encontrarem trabalho, eles ficam na casa de algum conhecido. Depois, quando conseguem um emprego, normalmente alugam uma casa”, explica Silvana. Segundo ela, a maior parte dos refugiados trabalham como diaristas e pedreiros, até conseguirem regularizar sua situação e serem contratados com carteira assinada. “Eles aceitam qualquer trabalho, qualquer salário. O importante é estar trabalhando”, diz Silvana.
Silvana também menciona as dificuldades ao chegarem ao Brasil. “Eles enfrentam uma fila quilométrica na imigração, onde podem passar até três dias dormindo na rua. Depois, mesmo estabilizados no país, demoram cerca de 30 dias para conseguirem a documentação que garante que não serão deportados”, explica, destacando a precariedade do processo.
A luta pela regularização
A situação dos venezuelanos no Brasil também é tema de preocupação para especialistas. “Muitos venezuelanos entram pelo Peru, é mais fácil entrar por lá. Eles ficam um tempo e, depois, vão descendo até chegar ao Sul do Brasil “, detalha Valdete Daufemback, historiadora e professora da Faculdade Ielusc.
Valdete também aponta as dificuldades da regularização. “Para se legalizar, eles precisam ir à Polícia Federal e pegar o visto. Depois, o processo de naturalização pode ser demorado e burocrático”, explica. Ela destaca a falta de políticas públicas específicas para os imigrantes, o que os deixa vulneráveis a situações de exploração no mercado de trabalho. “Eles muitas vezes acabam trabalhando em empregos precários, como nos frigoríficos e na construção civil, aceitando qualquer salário porque não têm outra opção”, afirma.
Valdete também fala sobre o papel das igrejas no processo de acolhimento e apoio aos venezuelanos. “Elas são as que mais ajudam na documentação e na busca por emprego. Mas o governo, embora permita a entrada desses imigrantes, não oferece a segurança necessária”, alerta.
A migração venezuelana para o Sul do Brasil é resultado da busca por um futuro melhor. Em meio às dificuldades e aos preconceitos, a esperança de um recomeço é o que essas famílias tanto procuram. Pessoas como Maria Angélica Marquez, que apesar de todos os desafios, continuam a acreditar que “tudo vai dar certo”.