
A bailarina de um passo só
Por Leonardo Budal Arins
Sempre lá, parada em sua mesma posição graciosa. Foi feita para simbolizar a paixão da cidade pela dança. A água corre, tecendo sua formosa saia translúcida. Por horas, dias, anos, ela permanecerá estática, como se preparasse para seu próximo passo, para a próxima apresentação que nunca virá. Em local de destaque, como uma boa bailarina, em cima de um pedestal e com um nome de praça esquisito – Praça Bailarina Liselott Trinks –, até parece dançarina do estrangeiro.
Mas, assim como as bailarinas de verdade, essa também precisa manter um sorriso para o seu público. Só que, no caso das dançarinas de verdade, a de concreto escovado, nunca descansa. Sua apresentação nunca acaba, as cortinas nunca se fecham para Liselott Trinks, que verá Joinville (ou uma parte dela) envelhecer. Com o tempo. Ela criará rachaduras, sua beleza desaparecerá, deixará de ser novidade, e seu espetáculo não mais será visto como algo novo. Entretanto, ainda assim, sua apresentação não se encerrará, pois ela continuará em seu pedestal, pronta para o próximo passo que nunca virá.
Indústria e dança unidas em uma estátua de tamanho real de uma cidadã pouco conhecida pelo público menos culto. Como algo tão delicado como a dança pode se misturar com algo bruto, pesado e prejudicial a todos como a indústria? Acho que, no final, eu entendo o motivo. Quando foi a última vez que vistes uma bailarina real, em seu habitat, o palco? Pouquíssimos joinvilenses podem dizer que são assíduos espectadores de apresentações de balé clássico. E quantas oportunidades Joinville tem dado a seus bailarinos? Muito trabalho duro tem que ser feito para ser aceito no Teatro Bolshoi, o orgulho da cidade.
Assim como muito empenho e vontade foram postos para colocar nossa bailarina de mentira de pé, muito esforço é gasto pelas nossas bailarinas, que sonham em sair do concreto e da prisão de um passo só, e enfim poder completar sua apresentação, como uma verdadeira artista. Imagino quantos sonhos permanecem congelados sobre uma dura camada de pedra rija.
A bailarina de mentira é o símbolo do congelamento cultural joinvilense. Ela representa os sonhos de muita gente que está presa em uma coreografia infinita, onde não se vê o final. Nossa bailarina não gira, não pula, não faz o plié e certamente não é capaz de realizar uma bela apresentação para saciar a fome que todos que moram na cidade sentem — fome de uma praça que represente sonhos verdadeiros, e não a criação de um mundo onde bailarinas não dançam.