
Joinville lidera ranking de processos envolvendo assédio sexual no trabalho
Pesquisa aponta que 2024 foi o ano com maior número de casos em um período de cinco anos na cidade
Por Camila Schatzmann Gomes
“Quando eu ia tomar café, a pessoa sempre vinha atrás, sempre no mesmo horário que eu”, conta a vítima, que prefere não se identificar. “A sala não era tão grande, e me lembro de várias vezes ele ficar muito próximo fisicamente de mim, quase me encurralando contra a parede”. Mesmo após quase seis anos, a mulher que em 2019 possuía 18 anos, não esquece das situações as quais foi exposta no ambiente de trabalho, em uma multinacional de Joinville.
A cidade liderou o ranking em 2024, com 22 registros no fórum relacionados a assédio sexual no trabalho, seguida por Florianópolis e Itajaí, ambas com 21 casos. O levantamento realizado pela Secretaria de Gestão Estratégica do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina (TRT-SC) representa o maior número registrado nos últimos cinco anos, destacando a realidade enfrentada nos ambientes corporativos.
O comparativo também revela um crescimento nos processos envolvendo assédio sexual em relação ao total de casos sobre assédio. Em 2020, por exemplo, apenas 5,55% dos casos eram sobre assédio sexual, enquanto 94,5% tratavam de assédio moral. Em 2024, a porcentagem de processos sobre assédio sexual subiu para 8,9%.
“Coincidentemente, morávamos no mesmo bairro. Uma vez, durante uma confraternização da equipe, cheguei ao local e ele estava do lado de fora. Antes que eu pudesse entrar, começou a fazer perguntas e oferecer carona de uma maneira estranha, dizendo que poderia me deixar em casa. Fora as vezes em que fazia piadas dizendo para eu ir à casa dele nos fins de semana “trocar as telhas”, conta a vítima.
A situação vivida por ela, com abordagens e piadas intencionais, ilustra perfeitamente como o assédio sexual no trabalho pode surgir de forma sutil, causando embaraço e constrangimento. Infelizmente, esse comportamento está refletido no alarmante aumento de 35% nos casos de assédio sexual no ambiente de trabalho no país entre 2023 e 2024, conforme o comparativo realizado pelo TRT-SC. Desde 2020, a Justiça do Trabalho registrou 770 novos casos relacionados ao tema, sendo que 2024 apresentou um crescimento de 24,3%, subindo de 185 para 230 ocorrências. Todos os dados foram levantados pela Secretaria de Gestão Estratégica do TRT-SC, com base nas informações extraídas do Sistema e-Gestão.
Assim como a vítima relatou, com ações intencionais e comentários invasivos disfarçados de piadas, criando um ambiente hostil e constrangedor, esse aparente aumento nos casos destaca a importância e a urgência de medidas eficazes para conscientizar sobre o problema e proteger futuras vítimas.
Durante cinco anos, o Brasil registrou 33 mil casos envolvendo assédio sexual no trabalho. A porcentagem nacional, assim como em SC, subiu entre 2023 e 2024, passando de 6.367 para 8.612 casos (35%).
Assédio Sexual
Previsto no artigo 216-A do Código Penal, assédio sexual é considerado crime. Ele ocorre quando há constrangimento de um indivíduo com o intuito de obter vantagem sexual, aproveitando-se da posição de “superioridade” do agressor. O crime pode ser cometido através de palavras, gestos ou outros meios.
Segundo dados do Monitor de Trabalho Decente da Justiça do Trabalho, em sete de cada dez processos relacionados ao tema, a vítima é do gênero feminino. O Monitor é uma ferramenta nacional que utiliza inteligência artificial para mapear sentenças, decisões e acórdãos proferidos desde junho de 2020 nas instâncias superior e inferior. Resultado de uma iniciativa da Justiça do Trabalho das instâncias de 1º e 2º graus junto a um projeto da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Em fevereiro de 2024, a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), presente em toda empresa com mais de 20 funcionários, passou a ter uma nova responsabilidade, conforme a Lei 14.457/2022. Além de suas atribuições originais, a CIPA agora deve atuar na prevenção e combate ao assédio sexual e outras formas de violência no ambiente de trabalho. O descumprimento dessa lei pode resultar em multas de até R$ 6.708,08 para as empresas que não se adequarem às novas responsabilidades da CIPA.
Como acontece o assédio sexual no trabalho
Assédio sexual no trabalho ocorre quando alguém pratica qualquer atitude com conotação sexual sem o consentimento da outra pessoa. Ele pode se manifestar através de palavras, gestos, toques ou qualquer outro comportamento que cause desconforto, intimide ou crie um ambiente hostil.
O assédio pode ocorrer através de chantagens, onde a decisão da vítima de aceitar ou não a investida do agressor pode interferir diretamente em seu trabalho e sua posição na empresa. Também através de intimidação, transformando o ambiente de trabalho em um lugar hostil, humilhante ou intimidativo (expondo a vítima a materiais pornográficos, por exemplo).
No ano passado, uma empresa multinacional joinvilense foi condenada a indenizar uma ex-funcionária em R$ 20 mil por danos morais. O caso aconteceu em 2017, quando a vítima tinha 24 anos. Após denunciar nos canais internos da empresa o assédio sofrido, além de ficar sem amparo, a então funcionária foi demitida sem justa causa.
Na época, a ex-funcionária relatou que o agressor era seu superior e que além de sofrer psicologicamente com ameaças, também sofreu assédio físico. Após um mês sofrendo, a mulher decidiu denunciar, enviando materiais comprovando sua denúncia, como uma gravação com um dos momentos sofridos, contudo, não obteve repercussão. A funcionária foi demitida sem um argumento plausível da empresa e o agressor recebeu apenas uma advertência escrita.
Em março de 2017, após o desligamento da empresa, a vítima entrou com o processo e após quatro anos, em 2021, conseguiu receber a indenização.
Alguns exemplos de assédio sexual no trabalho: convites impertinentes, comentários sobre o corpo das pessoas, insinuações sexuais, perguntas indiscretas sobre a vida da pessoa, gestos e palavras ofensivas, de duplo sentido, grosseiras, humilhantes ou embaraçosas, contato físico indesejado, abraços, tapinhas, beijos sem consentimento entre outros.
Como agir nesses casos
Se você presenciar alguma ação estranha ou imprópria, o ideal é chamar a vítima e oferecer ajuda de forma discreta e respeitosa. Aconselhe-a a procurar os canais de acolhimento e a denunciar nos portais disponíveis da organização.
Também é possível oferecer ajuda de forma indireta, chamando a vítima para ajudá-la em algo ou para conversar, afastando-a do agressor. O importante é fazê-la entender que ela não está sozinha e que mais alguém percebeu a situação inadequada.
Se posicione diante da situação. Se perceber ou presenciar uma situação inapropriada, é importante se posicionar. Expresse sua discordância de forma educada, mostrando que aquela ação não foi apropriada.
Ofereça apoio à vítima; neste momento, a empatia é fundamental. Aconselhe-a a procurar ajuda e a se expressar. Coloque-se à disposição para apoiar, seja como testemunha, se for o caso, e comunique o ocorrido ao setor responsável e à liderança.
Para mais informações sobre o assunto, acesse o Guia Prático Por um Ambiente de Trabalho + Positivo: Prevenção e Enfrentamento das Violências, dos Assédios e das Discriminações, cartilha do TST que traz orientações sobre o enfrentamento ao assédio sexual e moral no ambiente de trabalho.
O assédio sexual é uma das formas de violência enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho. Se você estiver passando por situações de assédio sexual, não se cale. Ligue para a Central de Atendimento à Mulher, discando 180, ou entre em contato com outros órgãos, como o Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público do Trabalho, a Delegacia da Mulher, ouvidorias, sindicatos ou comitês de ética da empresa.