
F1 – O Filme: velocidade e narrativa na linha de chegada
Quando ficção e realidade se misturam, o resultado é um filme hollywoodiano com a adrenalina da Fórmula 1 e o ator Brad Pitt no personagem principal.
Por Camila Bosco e Caroline de Apolinário
🚨 Alerta de Spoiler | Nos dias que antecederam o Grande Prêmio da Áustria no fim de semana, os cinemas brasileiros receberam uma cena incomum: fãs com bonés da Red Bull, camisetas da Ferrari, jaquetas da Mercedes e McLaren. O motivo? A estreia de F1 – O Filme, estrelado por Brad Pitt, que leva para as telonas toda a adrenalina das pistas, o drama e o eterno duelo entre a razão e a velocidade.
Gravado durante a temporada real de Fórmula 1 no ano de 2023, a produção, dirigida por Joseph Kosinski e que contou com a participação de pilotos e equipes reais da Fórmula 1, traz uma narrativa fictícia, mas imersiva e envolvente. A história acompanha Sonny Hayes (interpretado por Brad Pitt), um piloto veterano que, na década de 1990, esteve perto de conquistar o título mundial e chegou a competir contra ícones como Ayrton Senna.
Após um grave acidente que interrompeu prematuramente sua carreira, Sonny volta às pistas mais de 30 anos depois, a convite de Ruben Cervantes (Javier Bardem), ex-companheiro de equipe e atual chefe da fictícia escuderia APX GP — uma equipe que luta para se manter em meio a uma temporada sem pontos e sob ameaça de fracasso. O filme leva ao telespectador a experiência de acompanhar os desafios da carreira automobilística do personagem Sonny Hayes.
E para quem se pergunta se é necessário saber algo sobre Fórmula 1 para assistir ao filme, aqui vai nossa resposta: não precisa! A narrativa do longa foi pensada para agradar tanto os fãs de automobilismo quanto o público geral. Cheio de superações, rivalidade e paixão, o filme funciona bem, mesmo pra quem nunca viu uma corrida.
Construção da história
A estrutura narrativa de F1 – O Filme claramente flerta com a jornada narrativa de um herói. Sonny, um ex-campeão desacreditado, é chamado de volta à ação; resiste, aceita, sofre quedas (literalmente), se reinventa e inspira sua equipe. Sua agressividade na pista, algo que marcou sua juventude, ressurge como uma sombra e, com o tempo, se torna parte da estratégia que fortalece a equipe APXGP. A tensão com o jovem Joshua Pearce (Damson Idris), seu companheiro de equipe e oposto em estilo e temperamento, carrega características das rivalidades mais marcantes da Fórmula 1, como Ayrton Senna x Alain Prost e Lewis Hamilton x Nico Rosberg.
O filme ganha força ao mostrar que o maior rival nem sempre está em outra equipe, mas no box ao lado e dentro do próprio time. A rivalidade interna entre Sonny e Joshua é uma das principais características que movem o enredo do filme e vai além das ultrapassagens: trata de ego, amadurecimento, confiança e liderança. Um dos momentos mais emblemáticos é quando Ruben diz que Joshua está sendo hoje quem Sonny já foi um dia, mostrando que crescer também é reconhecer no outro aquilo que se foi, que é necessário maturidade para trabalhar em equipe.
Outro ponto é o arco de liderança de Sonny, que passa de lobo solitário (como citado no próprio filme) à referência na equipe, liderando pelo exemplo. E inclusive arriscando sua cedendo vitória para ajudar Joshua a marcar pontos, e salvando o companheiro de equipe de um carro em chamas após um acidente.
Entre o real e o cinematográfico
Um dos grandes trunfos do filme é seu realismo técnico e estético. As gravações foram feitas em pistas e corridas reais da temporada 2023, com interação entre atores e personagens do universo da F1. A APX GP, equipe fictícia, foi construída com um carro de Fórmula 2 adaptado. Gravações externas também foram realizadas. Por exemplo, a equipe McLaren “cedeu” sua sede em Woking (Inglaterra) para ser usada como base da APXGP. Já a Williams, disponibilizou seu túnel de vento para quatro dias de filmagens. Esses detalhes contribuem para criar uma atmosfera crível e empolgante, especialmente para quem conhece o esporte — sem que o filme caia em grandes mostras do CGI.
Além disso, o roteiro acerta ao incluir temas como sabores e dissabores do trabalho em equipe, estratégias das escuderias (que até podem ser consideradas jogo sujo), como quando Sonny segura o resto dos pilotos para que seu companheiro de equipe avançasse posições, pressões da FIA e até sabotagem interna. Há momentos de crítica sutil ao funcionamento político da F1, como quando um membro do conselho da APXGP denuncia sua própria equipe para não renovar contratos e obter poder, uma cena que não parece tão distante da realidade dos bastidores esportivos.
É possível evidenciar que as ações de Sonny para além do universo ficcional da Fórmula 1, já teria recebido punições da FIA devido ao comportamento de arrisco e descumprimento de regras, ainda provavelmente Sonny e a APXGP receberiam denúncias de outras equipes. Por exemplo, causar um Safety Car (quando um carro de segurança entra na pista para agrupar os carros em caso de incidente) ou demorar a fazer a volta de apresentação para aquecer os pneus mais do que os adversários, não são táticas que um piloto de verdade poderia usar sem ser penalizado ou no mínimo sem receber manifestações dos torcedores e de outras equipes.
Pontos fracos e pequenas derrapadas
Apesar de tudo, F1 – O Filme não escapa de certos clichês hollywoodianos. A todo momento frases de efeito típicas de comerciais de pasta de dente como “ele está voando”, manobras exageradamente heróicas e estratégias imorais travestidas de “inteligência de corrida” (como forçar a entrada do Safety Car propositalmente) enfraquecem o discurso realista que o filme tenta sustentar.
Mesmo trazendo referências clássicas do mundo esportivo e construindo uma história onde Ayrton Senna, Michael Schumacher e Alain Prost se encaixam, além de mencionar outras categorias como a 24 Horas de Daytona, o roteiro em alguns momentos parece mais focado em exaltar Brad Pitt do que na própria Fórmula 1. Isso pode frustrar fãs que esperavam um mergulho mais profundo nas equipes, nos circuitos e na cultura do esporte como um todo.
Ademais, é possível ignorar o romance hollywoodiano de Sonny com a engenheira da equipe, que por ser previsível e pouco aprofundado, não acrescenta grandes alterações na narrativa. É como algo jogado no meio da produção que não se encaixa com o resto, apenas tempo de tela desperdiçado.
Outra crítica possível está no foco excessivo na narrativa de um só personagem. A Fórmula 1 é rica em histórias paralelas, estratégias de equipe, jogo político e corporativo — e boa parte disso foi deixada de lado para manter a lente fixa em Sonny. Faltou diversidade de perspectivas. Por exemplo, poderia abordar com mais detalhes a rotina das equipes na construção dos veículos, as pressões dos patrocinadores, até mesmo as movimentações políticas e os diferentes comportamentos da mídia.
Neste cenário, as propagandas antes da estreia do filme constantemente enfatizaram a realidade do que ocorre no esporte. Sendo um filme gravado em uma temporada real, era esperado que apresentasse mais dessa perspectiva. Com tudo, F1 – O Filme não é uma produção ruim.
O que dizem os pilotos?
A dramatização do personagem de Brad Pitt parte de algo muito comum em seus filmes: momentos previsíveis. É aquele típico cenário em que a equipe ou o time não está bem, enfrenta problemas e precisa de uma solução rápida e eficaz antes que tudo desmorone — e é aí que surge o protagonista como salvador. Não que esse tipo de narrativa seja ruim, afinal, estamos falando de ficção, sendo preciso criar um estilo cinematográfico que cative o público e conecte com a história dos personagens. Porém, saindo da ficção para a realidade, confira abaixo o que alguns dos pilotos comentaram sobre o filme, as informações são do Motorsport:
Carlos Sainz (Williams):
“Eu realmente gostei. Acho que, para nós, especialistas em F1, vamos ver as coisas um pouco como vemos às vezes com a Netflix. Dá para perceber que tem um pouco de Hollywood.”
“Acredito de verdade que, para um novo fã, vai atrair muita gente nova e vai funcionar muito bem para quem não sabe nada sobre F1. Para o fã hardcore, para os jornalistas e para nós, vamos ver coisas que talvez pareçam um pouco americanas demais ou hollywoodianas demais.”
Charles Leclerc (Ferrari):
“Nós assistimos como pilotos de F1 e sempre tentamos ver todos os pequenos detalhes que não são exatamente precisos, mas é bem hollywoodiano e acho isso muito legal porque não é para os pilotos de F1, é para um público mais amplo.”.
Gabriel Bortoleto (Sauber):
“Vai ser muito bom para quem ainda não sabe muito sobre o esporte. Para nós, pilotos, vivemos isso todos os dias, então sabemos cada detalhe… mas para quem não sabe tanto sobre F1, pode aprender e se envolver com a gente.”
Esteban Ocon (Hass):
“Falei para o Lewis: é super imersivo, as cenas deles pilotando os carros, acho que isso é fantástico, é algo que nunca vimos antes. Acho que teve ótimas cenas de corrida, como Daytona, por exemplo, quando tiveram boas disputas por dentro e coisas assim. Acho que, no geral, foi um ótimo filme.”
“Acho que, em alguns momentos, tiveram coisas que não fazem muito sentido para nós, pilotos, que estamos sempre no paddock e correndo, mas eu realmente vejo onde o Lewis colocou seu toque para tentar fazer tudo o mais realista possível.”