
Superação e cuidado no enfrentamento da leucemia infantil
Trajetória de Isabella expõe os desafios do tratamento e a importância da solidariedade para salvar vidas
Por Camila Bosco e Caroline de Apolinário
O primeiro choro de um filho ao nascer é o momento mais emocionante na vida de muitas mulheres que desejam ser mães, uma onda de emoção imaginando o melhor que está por vir. Tudo acontece pensando nas primeiras vezes: o primeiro passo, o primeiro abraço, as roupinhas delicadas preparadas com carinho e, principalmente, o olhar doce e inocente que muda o mundo de quem cuida.
São cerca de nove meses planejando a maior mudança da vida. A gestação traz angústia, alegria, ansiedade, além das dores inevitáveis. Apesar de ser frequentemente romantizada — principalmente por mães de primeira viagem —, a maternidade real envolve muito mais do que aparece nas fotos. Às vezes, o cansaço é disfarçado com maquiagem, os medos são calados por receio de julgamento. E tudo bem. Ser mãe é, essencialmente, viver uma montanha-russa de emoções genuínas.
Às vezes, o futuro surpreende de um jeito diferente, com planos que nunca foram feitos e mudanças na rotina que chegam sem aviso prévio. Quando um diagnóstico aparece, tudo muda. É como uma viagem planejada. Separar as roupas, as passagens, o lugar e a hora certa — mas, do dia para a noite, a família acaba em outro país, com uma programação que não se encaixa.
Foi assim que a vida da família de Dulcy Silva mudou. Em 2018, sua filha Isabella Silva, com apenas 4 anos, foi diagnosticada com leucemia linfoblástica aguda — um tipo de câncer que atinge os glóbulos brancos do sangue, afetando células jovens chamadas linfoblastos. Na época, entre 80% e 85% da medula óssea já estava comprometida, o que indicava um tipo agressivo da doença. A notícia caiu como um terremoto silencioso: sem aviso, sem preparo. “A palavra que define aquele momento é esperança”, resume a mãe, olhando para trás com os olhos de quem ainda guarda tudo na memória.
“Ficar de mãos atadas foi o pior”
Nos meses seguintes ao diagnóstico, a vida virou uma sequência de exames, internações e procedimentos. “O tratamento da Bella foi dos quatro aos sete anos, mais ou menos. Ela não tinha noção do tamanho do desafio que estava passando, sabe? Mas hoje, quando a gente conversa, ela fala: ‘eu fui corajosa, né, mãe?’. E eu sempre respondo que sim. Ela foi forte, foi uma guerreira, é o meu exemplo”, explica Dulcy.
Em um dos períodos mais críticos do tratamento, Isabella precisou receber plaquetas a cada 8 horas. O problema é que o Hemosc de Joinville, o maior banco de sangue do estado de Santa Catarina, não tinha o material necessário em estoque. E Dulcy, que queria fazer tudo pela filha, não era compatível para doação. “Eu fiquei completamente desesperada. Ficar de mãos atadas foi o pior. Eu recebi até mensagem de pessoas pedindo desculpas porque não conseguiam doar. Mas ver minha filha precisando e eu não poder ajudar… não tem dor maior.”
Foi nesse momento que nasceu uma corrente de solidariedade. Dulcy criou uma página no Facebook e escreveu um apelo sincero: pediu, implorou por doações. “Desespero de mãe”, define. A publicação se espalhou rapidamente. Amigos do trabalho, pais de alunos da escola de Isabella, familiares, desconhecidos — todos se mobilizaram. Um médico que acompanhava a situação, levou o pedido até o batalhão da Polícia Militar, e os policiais foram doar. “Foi uma corrente linda. Os pais dos colegas da escola também foram, muitos amigos, conhecidos de conhecidos… foi uma movimentação local muito forte.”
A mobilização cresceu a ponto de alcançar uma página no Rio de Janeiro. Ofereceram fazer uma vaquinha para ajudar financeiramente, mas Isabella só fez um pedido: queria mensagens dos seus jogadores favoritos. E elas vieram. Vídeos de apoio chegaram de atletas do Fluminense, do Joinville Esporte Clube — como o jogador Leko —, do cantor Vitor Kley e até de Thiago Silva, zagueiro da Seleção Brasileira que atuava no Paris Saint-Germain. Cada mensagem era como um reforço emocional para uma menina que, apesar da pouca idade, enfrentava algo gigante.
Enquanto isso, o Hemosc teve seus estoques abastecidos. Isabella recebeu as plaquetas de que precisava, e muitas outras crianças também foram beneficiadas. “A mídia tem um poder gigante e isso mostra que o gesto de uma pessoa pode salvar vidas, não só no hospital infantil, mas em todos os hospitais do Brasil”, conta a mãe de Isabella.
Pandemia, medo e resistência
A luta de Dulcy Silva e sua família não terminou com o diagnóstico. Em 2020, a pandemia da Covid-19 trouxe novos desafios. Isabella fazia parte do grupo de risco por conta da baixa imunidade, e Dulcy, além de acompanhar a filha nas idas ao hospital, também cuidava do pequeno João, o caçula da família, que na época tinha apenas 8 meses.
Faltar ao trabalho, segundo ela, virou rotina. “A prioridade era proteger os dois”, conta. “Eu via minha filha ser reanimada, ser levada para a UTI, e ainda tinha um bebê em casa. Era um medo constante.”
Foram anos de tratamento intenso, de 2018 a 2022 — um período marcado por incertezas, medo e muita força. Hoje, com 10 anos, Isabella está fora do tratamento, mas continua em acompanhamento anual. “Ela pode ser o que quiser”, afirma Dulcy, com orgulho. “Depois de tudo que ela passou, o mundo é pequeno pra ela. Se nem o câncer parou minha filha, não vai ser o mundo que vai parar. Eu tenho orgulho dela. Ela é minha fortaleza. E eu estarei sempre aqui. Nunca vou soltar a mão dela.”
O sentimento que ficou, segundo Dulcy, é de gratidão. Ela diz que a ficha demora a cair, mas que é grata a Deus, à equipe médica, à família, aos amigos do hospital e do trabalho. “Cada mensagem, cada doação, cada gesto foi essencial”, afirma.
Além disso, a mãe de Isabella reconhece que a experiência transformou completamente sua forma de ver a vida. “Tanto eu quanto a Bella crescemos com tudo isso”, diz. “Aprendi o que é fé, mas também entendi que ter fé não impede que a gente perca a esperança. E são coisas diferentes. Falar de fé é difícil, porque por mais que você tenha fé, às vezes você já perdeu a esperança.”

Doar salva vidas — todos os dias
Depois de viver isso de perto, Dulcy se tornou uma voz ativa pela conscientização da doação de sangue e plaquetas. Ela reconhece que campanhas existem e que as pessoas sabem da importância, mas a falta de iniciativa ainda é grande. “Todo mundo sabe que é importante, mas poucos tiram um tempo para doar. E aí, quando alguém próximo precisa, o estoque está vazio.”
Segundo ela, o gesto deve se tornar parte da rotina da sociedade. “Não espere que alguém da sua família precise. Doe antes. Porque pode ser o sangue de alguém que vai salvar a vida de uma criança, de um idoso, de um desconhecido.”
Para saber mais sobre como doar, acesse o site do Hemosc: www.hemosc.org.br ou entre em contato através do telefone (47) 3305-7500.