
Anora, de Sean Baker, agora Oscarizado!
Resenha crítica por Guilherme Beck Scolari
Em uma história tão antiga quanto o tempo, a base do vencedor do Oscar de Melhor Filme de 2025, Anora, remonta à manjada estrutura de Cinderela, mas, é claro, com um toque diferente. No distorcido conto do diretor Sean Baker, não há um Príncipe Encantado – existem apenas interesses.
Tive o prazer de assistir Anora antes do Oscar, em uma noite junto de minha namorada. Nós rimos, nos divertimos e ficamos emocionados com a sensual e provocante dramédia protagonizada por Mickey Madison.
Há muito o que absorver de sua atuação; seus diálogos são extremamente afiados, e sua performance certamente tem várias camadas. Ela traz certa inocência – acentuada pelo quão jovem a atriz parece – que contrasta muito bem com os elementos mais sexuais do filme. Você sabe que ela não é completamente ingênua, mas há uma vulnerabilidade convidativa a ser explorada. Ani, como é apelidada no longa, é uma mulher que só consegue enxergar seu valor através do prazer sexual que proporciona aos outros. Ao criar sua protagonista, Baker nos convida a participar de um conto sobre amor, autoestima e, claro, interesses.
Dito isso, não acredito que a atuação de Madison seja superior à de Fernanda Torres em Ainda Estou Aqui ou até mesmo à de Demi Moore em A Substância, mas os mistérios que permeiam as mentes dos votantes do Oscar continuam no ar. Ainda assim, o que Mickey entrega aqui é digno de premiações, e talvez em um ano mais fraco para a categoria de melhor atriz, sua vitória seria muito mais celebrada.
Anora é claramente dividido em três segmentos bem distintos: O Conto de Fadas, A Fuga e A Separação. Cada parte tem uma maneira única de fazer a história avançar, mas, felizmente, Baker consegue criar um fluxo natural ao longo de todo o filme, garantindo um ritmo agradável que nunca me cansou. No entanto, senti falta de um maior desenvolvimento da psicologia da protagonista, indo além de sua carreira na prostituição.
Visualmente, este é um dos projetos mais ambiciosos de Baker. Embora não tenha usado um iPhone para filmar tudo – como fez em Tangerine -, ele definitivamente faz as atuações brilharem com seu estilo naturalista e seus longos planos-sequência. Todos os atores russos entregam performances fascinantes, com Yura Borisov oferecendo uma performance muito sutil, que agrega bastante à experiência.
Outro aspecto que me surpreendeu foi o timing cômico. O segundo ato do filme me fez gargalhar por um bom tempo e, felizmente, as outras pessoas na minha sessão também se divertiram (o que sempre torna tudo mais agradável). O humor inocente e, às vezes, até bobo utiliza a fisicalidade e a própria linguagem do filme para entreter o espectador. Esse contraste com as cenas mais íntimas cria uma atmosfera muito singular, tornando o longa diferente de qualquer outra comédia que já assisti.
A trilha sonora se encaixa perfeitamente no filme, e há um excelente uso do silêncio também. As músicas parecem bagunçadas e desorganizadas, combinando perfeitamente com os personagens e a história, fortalecendo a identidade do projeto.
Em um nível emocional, fui brutalmente impactado pela última cena do filme. Até então, estava gostando do que via, mas somente nos últimos minutos tudo clicou para mim. A sensação foi como assistir a um dos melhores twists de Shyamalan – de repente, tudo fez sentido! Fiquei arrepiado, pois, tematicamente, o final mostra um lado extremamente vulnerável da protagonista, enriquecendo-a como personagem e trazendo seu arco para uma conclusão extremamente satisfatória.
O resultado? Um filme fantástico!
Avaliação final: 4.5/5 ⭐
