
Luta por direitos básicos motiva criação de associação de moradores na zona sul
Por Isabele Meurer
O loteamento José Loureiro está localizado no bairro Ulysses Guimarães, na zona sul de Joinville. Com 1.070 pessoas em 337 domicílios, segundo Dados do Censo Demográfico de 2022, divulgados pelo IBGE, a localidade se enquadra na categoria de comunidade urbana. Isso porque atende alguns critérios, estabelecidos pelo IBGE, como, predominância de domicílios com graus diferenciados de insegurança jurídica de posse, ausência ou oferta incompleta e/ou precária de serviços públicos, edificações que não seguem parâmetros definidos pelos órgãos públicos, além de localização em áreas com restrição à ocupação definidas pela legislação ambiental.
No início, o loteamento chamava-se Selestino Negherbon, nome do primeiro morador da região, só mais tarde passou a se chamar José Loureiro. Essas informações estão registradas na primeira ata de reunião da associação, que ocorreu em 15 de janeiro de 2000, data em que passou a existir oficialmente. No entanto, a mobilização dos moradores inicia 4 anos antes e perpassa a história de vida dessas pessoas e as necessidades da comunidade.



A história da associação se confunde com a do líder comunitário e presidente, desde então, Gilmar Schaufelberger, conhecido como “Boca”, 50 anos, natural da cidade de Mercedes, no extremo-oeste do Paraná.
Em 1996, ano em que passa a residir no loteamento, inicia a sua trajetória na associação. “Cheguei aqui muito jovem com a minha família, à procura do futuro”, relembra. Havia ali apenas dois moradores, e as condições em que viviam eram precárias, “não tinha estrada, luz, nem água, então comecei a lutar por direitos, por conta da necessidade”.
Boca, ao lado dos moradores, organizou diversas manifestações para reivindicar melhorias, principalmente água encanada e energia elétrica “nós não fizemos baderna, mas sim manifestações pacíficas […] devagar nós fomos aparecendo e brigando por nossas ideias”. Ele lembra que não foram raras as vezes em que um pequeno grupo de moradores conseguiu, por intermédio dessas mobilizações, ser ouvido pelas autoridades públicas, através da cobertura da imprensa local, em manifestações em frente à escola do bairro e na região central, por exemplo. “Levei gente pra lavar roupa no espelho d’água, no centro de Joinville, levantamos cartazes.” Ele comenta que, na época, queriam chamar a atenção da comunidade e do poder público, pois não havia água encanada no loteamento.
As conquistas da associação começaram a aparecer somente em 2005, quando conseguiram, junto à prefeitura, o início das instalações de água e luz no loteamento. “Foram nove anos de luta”, destaca.
Um pouco mais tarde, foram abertas as estradas e, com a chegada da linha de ônibus, algumas ruas foram asfaltadas pela prefeitura. Aos poucos, o loteamento foi melhorando, ao menos no que diz respeito a serviços básicos.

Padre Higino Rohden
Outra figura emblemática e que teve papel relevante na luta por direitos e no apoio à comunidade foi o Padre Higino Rohden, já falecido (1933-2020). Natural de São Ludgero, no sul de Santa Catarina, com 62 anos de sacerdócio, Padre Higino ficou conhecido por sua luta pelos mais pobres e pela participação na fundação de diversas comunidades na zona sul de Joinville.
No loteamento José Loureiro, foi uma liderança importante no início da associação, fundou a Igreja Nossa Senhora do Carmo, em terreno cedido pela entidade, e atuou em ações solidárias de arrecadação de alimentos e materiais de construção para a comunidade. O líder comunitário Boca lembra que diversas vezes o Padre conseguiu doações de caminhões de barro para as famílias, além de incontáveis cestas básicas para aqueles mais necessitados.
Padre Higino é lembrado com muito carinho pelos moradores, como amigo e conselheiro, especialmente por suas visitas às famílias, em que compartilhava memórias da Bahia, local onde serviu por muito tempo e que lhe rendeu inúmeras histórias.

A associação hoje
Atualmente, a Associação de Moradores do José Loureiro, apesar de oficialmente ativa, não tem realizado mais reuniões, já que há uma dificuldade de engajar a população nos assuntos do loteamento. Para o líder comunitário Boca, a situação mudou nos últimos anos. “Esfriou muito. Hoje, ninguém apoia mais as associações”, comenta.
Boca tem passado por alguns problemas de saúde e, segundo ele, não surgiu nenhuma outra chapa para assumir a associação, então, no momento, as atividades estão restritas a contatos com vereadores para reivindicar melhorias.
O loteamento ainda enfrenta muitas dificuldades, como falta de sinalização de trânsito e lombadas, além de problemas de saneamento básico, uma vez que não possui cobertura completa de redes coletoras de esgoto. Joinville possui, segundo a prefeitura, até o momento, 50% de cobertura de saneamento. O Marco Legal de Saneamento, legislação que estabelece metas de saneamento no Brasil, determina que, até 2033, a cobertura chegue a 90%.
Por fim, Boca confessa que, desde a sua chegada e até hoje, há muito preconceito com os moradores da região, que frequentemente são chamados de “invasores”, isso aumenta ainda mais os obstáculos para conseguir acesso a serviços básicos. Depois de todas as conquistas que a comunidade alcançou nos últimos anos, ele ainda tem esperança de uma associação forte, entretanto isso só vai acontecer com a participação dos moradores. “A gente tem que batalhar pela gente. Uma associação bem organizada busca muita coisa”, finaliza.