Dona Tereza fez do mar sustento
Pescadora artesanal, Tereza Guetzsinger Castilho abasteceu a clientela de Joinville com peixe fresco até os 83 anos
Por Yasmin Rech
Em Santa Catarina, a pesca artesanal é responsável pelo sustento de aproximadamente 25 mil famílias e mantém vivas mais de 330 comunidades pesqueiras espalhadas pelo litoral, segundo a Secretaria de Agricultura e Pecuária.
Muito além de uma simples atividade econômica, a pesca artesanal representa um modo de vida enraizado na história. Para essas comunidades, o mar, os rios e os manguezais não são apenas fontes de alimento e renda, mas verdadeiros espaços de tradição e cultura.
Nesse cenário, Tereza Guetzsinger Castilho, conhecida como Dona Tereza, tornou-se uma figura respeitada às margens da Baía da Babitonga, entre Joinville e São Francisco do Sul, onde ganhou fama por vender o “melhor baiacu da região”, pescado, limpo e preparado pelas suas próprias mãos calejadas pelo tempo. Dona Tereza faleceu aos 83 anos, em 24 de outubro de 2024, em decorrência de complicações causadas pela inalação de fumaça de fogão a lenha. Porém, deixou como legado um exemplo de resistência feminina e dedicação em uma atividade marcada historicamente pela predominância masculina.
Segundo a filha, Marisléia Castilho, que vive em Joinville, a mãe encontrou na pesca a maior de suas alegrias. “Minha mãe começou a pescar depois que se aposentou, quando foi morar na comunidade ribeirinha, onde viveu. Ela pescava há mais de 30 anos”, recorda.
A rotina era puxada, mas nunca desanimava Dona Tereza. “Ela acordava às 5h da manhã, olhava a maré e empurrava sozinha a bateira para o mar. Ficava até depois do meio-dia pescando baiacu com duas ou três varas. Comprava camarão para isca e voltava com o barco carregado”, conta Marisléia. “Eu nunca obriguei a minha mãe a vir morar em Joinville, porque sabia que ela era muito ativa. Aquilo era a saúde e a alegria dela”, lembra Marisléia.
Determinada, não se intimidava nem diante das adversidades. “Ela ia pegar caranguejo sozinha, atravessava rio, subia em pé de goiaba no mangue com 83 anos. Não tinha dia ruim para ela. A alegria dela era pescar”, diz a filha, lembrando da coragem, energia e teimosia que a definiam.
Mesmo com a idade avançada, a pescadora se manteve ativa e independente. “Ela ainda pegava a bateira dela, remava, vendia o peixe. No fim, um vizinho passou a acompanhá-la, mas parar de pescar nunca foi uma opção.”
A fama era mais do que merecida, conquistando ao longo dos anos uma clientela fiel, formada por moradores e comerciantes que confiavam plenamente na qualidade do seu trabalho. “Era o melhor baiacu da Ribeira. Todo mundo comprava com ela porque sabiam que era bem limpo, sem erro”, afirma Sidnei Marcos Santana, cliente de longa data. “O peixe era sempre fresco, recém pescado. E limpar baiacu não é para qualquer um, exige técnica e cuidado. Ela fazia isso como ninguém”, completa.
Além de pescar para moradores, Dona Tereza também fornecia regularmente para clientes em Joinville, incluindo grandes restaurantes. “Ela vendia o baiacu para o pessoal daqui, para restaurantes ali no Espinheiro. Ela mesma limpava e entregava o peixe já pronto para ser preparado”, relembra Marisléia.

As mulheres na pesca artesanal
A trajetória de Dona Tereza se entrelaça com a de tantas outras mulheres que sustentam a pesca artesanal em Santa Catarina, um setor onde a presença feminina cresce e rompe barreiras históricas.
Em todo o Brasil, as mulheres já representam quase metade das pessoas que vivem da pesca. Segundo dados do Ministério da Pesca e Aquicultura, divulgados em março de 2025, elas correspondem a 49,56% do total de profissionais que atuam diretamente com atividades ligadas às águas. São 781.596 pescadoras artesanais registradas, além de cerca de 30 mil mulheres envolvidas com a pesca amadora e esportiva.
No litoral norte catarinense, a relevância dessa tradição é comprovada também pelos números. Somente Joinville e São Francisco do Sul produziram juntas 1.460 toneladas de pescado em 2024, conforme levantamento do Observatório Agro Catarinense.
Além do impacto econômico, a pesca artesanal é parte da identidade cultural da região, mantendo viva a ligação entre as comunidades e os recursos que o mar oferece.”
Essas mulheres, muitas vezes invisibilizadas no imaginário coletivo, ocupam papéis de extrema importância no setor pesqueiro. Elas estão presentes em todas as etapas da cadeia produtiva: desde a captura, passando pela limpeza, conservação e comercialização do pescado.
Em Santa Catarina, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), com apoio do governo estadual, tem se destacado nesse esforço através do projeto Mulheres em
Ação Flor-E-Ser. Desde 2019, mais de 600 mulheres, entre agricultoras e pescadoras, foram capacitadas em áreas como gestão, liderança, organização comunitária e técnicas produtivas. O projeto promove não apenas a autonomia financeira, mas também o empoderamento social dessas mulheres.
“Ela sempre foi alegre e não dependia dos outros. A felicidade dela era pescar. E eu deixei ela aproveitar até o último dia”, resume a filha.
