
Ansiedade e consumo impulsivo revelam debilidade na era digital
Modismos de consumo expõem fragilidades emocionais e reforçam a importância do acolhimento em saúde mental
Por Maria Clara Kuboski
O Brasil é o terceiro país que mais consome redes sociais no mundo. Segundo a Comscore, empresa americana que analisa mídias sociais, em dezembro de 2022 os brasileiros passaram mais de 356 bilhões de minutos conectados nessas plataformas. Especialistas alertam que esse consumo intenso, aliado à pressão de influenciadores digitais e às comparações constantes, tem aprofundado problemas como ansiedade, depressão e baixa autoestima. No Setembro Amarelo, mês da saúde mental e prevenção ao suicídio, o tema ganha relevância por expor como o consumismo pode funcionar como válvula de escape para dores invisíveis.
Num cenário em que a autoestima se mede por curtidas e tendências, jovens recorrem ao consumo como forma de alívio emocional. O consumismo é entendido por profissionais da saúde mental como reflexo de sofrimento psíquico crescente da sociedade.
A psicóloga Izabelinny Avelino, especialista em ansiedade e autoestima, explica que a compra impulsiva funciona como fuga: “Quando a ansiedade está desregulada, o indivíduo busca alívio imediato. A compra gera prazer momentâneo, mas depois traz estresse financeiro, culpa e sensação de vazio, intensificando o sofrimento.”
De acordo com Izabelinny, a impulsividade pode ser tão forte que a pessoa perde a noção do ato de consumir. “Já tive pacientes que saíram de uma loja com dez pares de sapatos sem sequer olhar o número. Era apenas a busca por prazer. Depois, em casa, veio a consciência de que não havia necessidade daquilo.”
Fenômenos recentes, como a febre dos bonecos Labubus vendidos em caixas-surpresa por valores acima de mil reais, refletem a busca por pertencimento. “Mesmo quando o objeto não agrada, a pessoa o adquire pelo valor social que carrega. É a ilusão de que, ao ter o que todos desejam, será aceita”, explica a psicóloga.
Tênis de coleções limitadas, celulares de última geração, tendências da moda e rotinas caras de cuidados com a pele se tornaram símbolos de status nas redes sociais. “As comparações constantes reforçam a ideia de que só se é valorizado ao consumir o que está em alta. Isso fragiliza jovens com baixa autoestima”, alerta Izabelinny.
Acolhimento e saúde pública
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) surgem como rede de apoio. Em Itapoá, a coordenadora Alessandra Silveira ressalta que o estigma ainda afasta pessoas em sofrimento. “O CAPS não é lugar para loucos. É um espaço de acolhimento para qualquer um que precise. Buscar ajuda é coragem e cuidado”, afirma.
Além de consultas médicas, os CAPS oferecem grupos terapêuticos, rodas de conversa, arteterapia e atividades coletivas, auxiliando na reintegração social. “O problema não é o objeto em si, mas a carência que ele simboliza. Quando tudo vira consumo, a identidade e o bem-estar ficam ameaçados”, completa Alessandra.
O Setembro Amarelo, tradicionalmente voltado à prevenção do suicídio, abre espaço para um novo debate: até que ponto o consumo impulsionado pelas redes sociais pode intensificar quadros de ansiedade e fragilizar a saúde mental? “O suicídio é consequência de transtornos não tratados. Cuidar de ansiedade, depressão e autoestima é prevenir”, destaca a psicóloga Izabelinny Avelino.
As febres de consumo podem passar, mas as vulnerabilidades que revelam permanecem. Para especialistas, a resposta não está nas vitrines, mas no fortalecimento da autoestima e na busca por ajuda. No lugar do silêncio e do consumo desenfreado, o Setembro Amarelo propõe outro caminho: transformar pertencimento em acolhimento real.
