
Baque Mulher celebra 10 anos de resistência
Coletivo de maracatu une ancestralidade, empoderamento feminino e arte em uma década de atuação na cidade
Por Mahyara Luiza
Os tambores do maracatu ecoaram fortemente no mês de setembro no Kênia Clube, em Joinville. O motivo: a celebração dos 10 anos do Baque Mulher Joinville, coletivo que, além de difundir a cultura afro-brasileira, tornou-se uma importante rede de apoio e fortalecimento feminino na cidade.
Criado em Recife e espalhado por diferentes estados brasileiros, o Baque Mulher nasceu como um movimento de mulheres que encontram no maracatu não apenas uma manifestação artística, mas também uma ferramenta de transformação social. Em Joinville, o grupo se consolidou como uma rede de apoio e acolhimento, reunindo mulheres de diferentes idades, cores e trajetórias.
Entre os tambores e o cortejo simbólico, o coletivo mostra que é possível fazer política, cultura e resistência por meio da arte. O maracatu de baque virado, principal linguagem do Baque Mulher, tem raízes profundas na história do Brasil. Essa manifestação surgiu ligada às antigas coroações de reis e rainhas do Congo, realizadas por pessoas negras escravizadas e seus descendentes em Pernambuco. O cortejo, acompanhado por um conjunto percussivo, simboliza poder, dignidade e resistência. Hoje, mesmo diante de mudanças e adaptações, o maracatu segue como um instrumento de preservação da cultura afro-brasileira e de denúncia contra o racismo estrutural.
A festa aconteceu na tarde do dia 13 de setembro e teve clima popular, com distribuição de pipoca e algodão-doce, contando também com comidas típicas como o acarajé, além de uma programação que misturou ritmos e tradições de diversos estados e regiões do país. A bateria da escola de samba Príncipes do Samba abriu o evento, seguida pelo forró de Dona Chica, pelo maracatu das batuqueiras do Baque Mulher, e outras atrações. Durante toda a solenidade, uma intérprete de Libras esteve presente para acompanhar as falas e apresentações.
A cerimônia de abertura também contou com a participação da presidenta da Príncipes do Samba, Ana Paula, que fez questão de parabenizar e saudaro coletivo. “O Baque Mulher e a escola de samba representam a intenção de manter viva uma tradição, uma resistência e a ancestralidade. Estar aqui, celebrando esses 10 anos, reforça que o feminismo transforma a sociedade. Estou muito feliz de abrir este evento e de ver que a nossa escola faz parte desse legado”, declarou ela.
Outro momento de destaque foi a presença de Mestra Joana Cavalcante, Patrimônio Vivo de Pernambuco e primeira mulher a liderar uma nação de maracatu. Sua participação simboliza a ligação entre as raízes pernambucanas do movimento e a atuação do Baque Mulher em Joinville.
Desafios e resistência em Joinville
A trajetória do Baque Mulher em Joinville não foi construída sem desafios. Para Sara Silva, que participa do coletivo desde o início, a entrada no grupo aconteceu em um momento de transformação pessoal. “Eu já acompanhava o grupo misto de maracatu, mas nunca tinha tocado. Em 2015, eu tive uma bebê e minha vida mudou de cabeça pra baixo. Vi no Baque Mulher a oportunidade de construir um mundo melhor para ela, e encontrei novos sentidos para a minha vida.”
Ao longo dos anos, o coletivo atravessou diferentes fases, marcado pela chegada e partida de integrantes. Para Sara, os encontros com batuqueiras e batuqueiros de Recife, considerados os fundadores dessa tradição, e a presença constante da mestra Joana foram alguns dos momentos mais marcantes dessa trajetória.
Clarice Acordi, uma das organizadoras da celebração, destaca a importância do projeto Baque Mulher Joinville: 10 anos de resistência.
“O projeto de dez anos foi construído coletivamente, e busca fortalecer nossa presença nas periferias e ampliar o acesso de mulheres a espaços de expressão e resistência”
Clarice Acordi.
Mas mesmo com conquistas importantes, manter o maracatu ativo em Joinville exige persistência. De acordo com Sara, o coletivo enfrenta dificuldades por ser um movimento feminista e ligado ao candomblé, e destaca que além do machismo, a intolerância religiosa é um grande incomodo.
Apesar das barreiras, o Baque Mulher consolidou-se como espaço de acolhimento, luta e cultura. “A minha vida mudou completamente. Aqui a gente tem entrega, é algo espiritual também, porque você vê sentido em coisas que não via antes. Eu aprendi sobre coletividade, solidariedade e ganhei a esperança de que podemos construir um mundo melhor de mãos dadas” acrescentou Sara.
Dez anos após sua chegada a Joinville, o Baque Mulher segue presente nas ruas com tambores que carregam memória, identidade e luta. Para suas integrantes, cada ensaio e cada apresentação reafirmam que manter essa tradição viva também é um ato político.