
Manifestações políticas ganham espaço em shows no Brasil
Bandas de rock têm transformado seus palcos em espaços de manifestação política durante apresentações no Brasil
Por João Guilherme
Nos últimos meses, grupos como Dead Fish e CPM 22 levaram mensagens de contestação a grandes festivais, reforçando a presença da militância e da consciência social no ambiente musical.
Durante o festival The Town, em setembro de 2025, o público que acompanhava o show da banda CPM 22 entoou gritos de “sem anistia”. Badauí, vocalista do grupo, respondeu: “A voz do povo tem poder, não é verdade?”. A declaração fez referência ao debate sobre a responsabilização dos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, em Brasília, e foi recebida com aplausos pelas milhares de pessoas presentes no autódromo de Interlagos.
Em outro episódio, em agosto deste ano, no festival I Wanna Be, em Curitiba, a banda de hardcore Dead Fish levou ao palco bandeiras em apoio à Palestina. O gesto chamou atenção em meio à escalada do conflito no Oriente Médio. Para o analista de tráfego pago Vitor Natã Gil, 33, presente ao show, a manifestação foi bem recebida pelo público: “Galera vibrou junto em apoio o tempo todo, não só pró-Palestina, mas em outras causas. O público do Dead Fish é politizado, assim como a banda, faz parte do show”. Nas redes sociais o posicionamento gerou reações divididas e discussões acaloradas.
Essas manifestações refletem tanto o contexto político global quanto as tensões internas da sociedade brasileira. Enquanto o apoio à Palestina insere a cena musical em um debate de geopolítica internacional, o grito por “sem anistia” retoma questões nacionais ligadas à memória da ditadura e à crise democrática recente. Em ambos os casos, a música funciona como canal de expressão coletiva, traduzindo em gestos artísticos questões de alta complexidade e reforçando a potência simbólica da cultura como instrumento político.

Foto por: Vitor Natã Gil
A recepção do público não é unânime. Parte dos fãs veem nesses atos uma forma legítima de cidadania e engajamento. Para eles, o palco é um espaço ampliado de fala e visibilidade. Mas outros criticam o uso do espetáculo para discursos políticos, defendendo que shows devem ser momentos de lazer, e não de militância. Há quem diga que a politização excessiva pode afastar admiradores, como afirma Gabriel Weis, 28, coordenador de Marketing.
Esse não é um novo impasse: ao longo da história, artistas enfrentaram resistência ao se posicionar politicamente, mas também conquistaram reconhecimento por se alinhar a causas sociais e humanitárias. A música, nesse sentido, sempre transitou entre o entretenimento e a intervenção, ocupando lugar importante na formação da opinião pública e no debate social.
Música e política: conexões no palco
Seja projetando palavras de ordem em megafestivais ou empunhando bandeiras em turnês menores, as bandas brasileiras mostram que a música segue sendo veículo de expressão política. Entre aplausos, vaias, curtidas e críticas, cada gesto reafirma a força simbólica do palco, e a ideia de que arte e política seguem entrelaçadas na vida pública do país.
A relação entre música e política no Brasil é antiga e atravessa diferentes gerações de artistas. Durante a ditadura militar, nomes como Geraldo Vandré e Chico Buarque se tornaram ícones da resistência ao regime, transformando canções em formas de denúncia, coragem e esperança coletiva. Nos anos 1980 e 1990, o punk e o hardcore deram voz à juventude diante das desigualdades e instabilidades políticas, inspirando novas formas de engajamento.
Hoje, em meio à polarização e à força das redes sociais, os gestos políticos nos palcos ganham novas dimensões e repercussão imediata. Uma frase ou bandeira erguidas diante do público rapidamente se espalham por vídeos e postagens, alcançando o debate nacional e internacional.
Essa tradição mostra que a música, além de entretenimento, ocupa papel simbólico, cultural e social relevante. O palco, nesse contexto, continua sendo espaço de resistência e intervenção artística.
Entre palco e consciência
O cantor e compositor Jesus Lumma defende que a arte vai muito além do simples entretenimento, é também uma forma de pensar, agir e provocar transformações sociais profundas. Para ele, artistas conscientes do impacto de suas vozes têm o dever de se posicionar diante das injustiças e não podem se omitir por medo de perder espaço.
“Minha arte não está a serviço do mercado, mas do povo brasileiro”, afirma o artista.
Destacando que quem se cala será lembrado pela história, pelo silêncio que escolheu e pela ausência de coragem.