
Depressão pós-parto desafia mães e expõe falhas no cuidado público
Enquanto políticas ignoram a saúde mental materna, iniciativas comunitárias oferecem amparo real às mães
Por Júlia Gava
A chegada de um filho, embora marcada por expectativas de alegria, pode trazer desafios psicológicos e emocionais para a mãe. No Brasil, 20% a 25% das mulheres tendem a desenvolver depressão pós-parto, segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A condição, que vai além da “tristeza passageira”, afeta profundamente o bem-estar dessas mulheres. Apesar da dimensão do problema, a saúde mental materna segue fora da lista de prioridades em Joinville, aponta o obstetra João Schaefer. Nesse vazio, surgem iniciativas como o Mamateia, em Joinville. Uma comunidade criada por mães, com grupos que entendem que a vida materna tem seus desafios e conquistas e, acima de tudo, mostra que ninguém precisa enfrentar o percurso sozinha.
Para a psicóloga perinatal, Tatiana Perin, espaços como o Mamateia cumprem hoje um papel que deveria ser sustentado por políticas públicas. “Ali as mães descobrem que não estão isoladas. O cuidado entre pares é transformador, porque rompe o silêncio e ajuda a buscar ajuda especializada”.
A psicóloga explica que, nos primeiros dias, é comum que a mulher viva o chamado baby blues, um quadro temporário de instabilidade emocional. “É caracterizado por choro fácil, irritabilidade, ansiedade e insegurança, geralmente desaparecendo em até duas semanas. É intenso, mas passageiro”, esclarece.
Já a depressão pós-parto apresenta sintomas mais profundos e duradouros, como tristeza persistente, culpa, vazio e dificuldade em estabelecer vínculo com o bebê. “A mãe feliz o tempo todo é um mito”.
Mulheres enfrentam pressão do puerpério
A empresária Gabriella Palma, 30, viveu o turbilhão das primeiras semanas pós-parto. “Nada me preparou para o puerpério. Nos primeiros 15 dias chorei sem motivo, senti medo, insegurança. Cheguei a pensar: ‘o que eu fiz com a minha vida?’ O amor foi sendo construído aos poucos”, conta.
Gabriella teve apoio da família e de seu obstetra, fundamentais para que não se sentisse desamparada. Hoje, um mês após o parto, deixa um recado: “Essa melancolia inicial passa. Mas, se não passar, procure ajuda. E quem está por perto precisa ficar atento. Nos primeiros dias, o foco é sobreviver”. A professora Jociane Antunes, 44, teve seu segundo filho há 17 anos e relembra sua experiência. “Na época, senti que estava isolada. Os postos de saúde davam orientações gerais, mas ninguém olhou para o meu estado emocional. Hoje vejo que pouco mudou, ainda faltam políticas de acompanhamento psicológico real para as mães”.
Dr. João Schaefer avalia a rede de atenção à saúde em Joinville. Apesar de haver hospitais com acolhimento especializado e grupos de apoio, como psicólogos e ambulatórios de alto risco, ele alerta que o volume de casos de depressão pós-parto supera a capacidade do sistema. “Muitas mulheres não têm acompanhamento adequado e a saúde mental materna não recebe prioridade equivalente ao pré-natal físico. Avançamos no pré-natal, mas precisamos ampliar protocolos, acesso a psicólogos e psiquiatras. Não podemos deixar essas mulheres isoladas”, avalia. A maternidade ainda carece de acolhimento real. Entre silêncios e idealizações, muitas mulheres vivem o puerpério. Falar sobre esse período é reconhecer a mulher além do papel de mãe. “Mudar o mundo começa por mudar a forma como acolhemos a mulher na gestação e no pós-parto”, afirma Schaefer.
