Modelo joinvilense conta começo da carreira
Por: Lucas Borba
Lucas Seth trabalhava em uma loja de brinquedos no shopping, em Joinville, quando foi parado por uma mulher. Nesse dia, ele foi convidado para uma seleção de modelos em um hotel próximo. Foi ali o seu primeiro contato com a moda. Aos 25 anos, ele já passou pela experiência muitas vezes.
Depois daquela seleção no hotel, ele procurou na internet as maiores agências do Brasil para trabalhar e encontrou uma no bairro Saguaçu, no próprio município. Começou a se cuidar mais e acreditou que levava jeito para a coisa, foi aí que começou a jornada com a moda. Deixou o cabelo crescer, antes sempre deixava raspado. Se preparou para a carreira que viria, cheia de altos e baixos, conforme ele mesmo afirma.
“Existe uma cultura que comanda o mundo, o que as pessoas vão vestir, o que as pessoas vão comprar. Existe uma nova cultura se criando e as pessoas estão gostando mais de outras que estão vendo no cotidiano”, ensina. Para Seth, o padrão de moda começou a mudar em 2013 e 2014.
Seth não se enxergava como uma pessoa talentosa na moda, que seria bonito e estiloso. Quando era criança, na escola Anna Maria Harger, já entrou algumas vezes na lista dos mais feios do colégio. Naquela época, não falavam do bullying como é problematizado hoje, qualquer reclamação era encarada como drama. O corte do Lucas era careca.
Lucas veio de uma realidade diferente. “Tu não conhece o racismo na pele até entender o que ele é”, alega, justificando que passou por um processo de lavagem cerebral que apagava o entendimento das opressões. Recentemente, o modelo foi agredido pela Polícia Militar depois de uma batalha de rap. Ele gravou um vídeo que repercutiu nas redes sociais. É uma abordagem cada vez mais frequente nas batalhas de rap, quando policiais militares chegam com cassetetes e balas de borracha.
Em 2013 e 2014, ele não via meninos com cabelo grande, mas hoje os observa em muitos lugares. Naqueles anos, o padrão era cabelo baixinho e raspado. Hoje em dia tem uma divulgação maior da imagem do povo preto e uma busca do povo preto de encontrar suas raízes, de um povo representado por artistas do cinema, da música e até mesmo de reality show. “Hoje em dia você vê meninos com tranças nagô, com cabelo descolorido, com cabelo colorido. Você vê gente assumindo black, colocando black power”, pontua. Lucas é parte da contracultura que nasce nas zonas periféricas, nos bairros de gente com renda menor, onde tem mais concentração de gente pobre, não só gente preta.
Na cultura periférica, os meninos brancos deixam o cabelo descolorido. Lá no Rio de Janeiro chamam de platinado. Dependendo da região, também é chamado de loirinho pivete. Uma cultura que rolava no final do ano, quando periféricos descoloriam os pelos do corpo com uma mistura descolorante.
É uma cultura que vem sendo tão divulgada que está chegando em lugares onde nunca esteve. “Hoje em dia tem menino de condomínio fazendo de tudo pra parecer com um moleque da periferia, com Kenner no pé e camisa do Flamengo”, afirma Lucas. Antigamente o menino da periferia que tentava parecer com o playboy. Lucas observa que hoje existe uma busca inversa e meninos brancos estão com tranças.
“Se a polícia chegar ou acontecer qualquer coisa, você vê que a bala canta pra todo mundo. A cara de bandido é bigodinho fininho, o cabelinho na régua ou corte americano”, explica Lucas, na defesa de que não é só questão de cor. Mesmo assim, o povo mais assassinado e encarcerado é preto. Meninos brancos e pobres se sentem mais representados porque um rapper branco estourou. Filipe Ret é um exemplo. O rapper, que é formado em jornalismo, participou do programa Encontro, na rede Globo, e cantou vários sucessos como “Corte Americano” e “Me Sinto Abençoado”, que falam do cabelinho na régua, estilo que muitos periféricos aderiram.
Se rasgou o tênis jogando bola com ele, já pode fazer tranças porque veio do mesmo lugar. O modelo fica agoniado com jovens brancos e ricos usando gírias e se comportando de uma maneira que não é da branquitude.
Quem faz parte da cultura são as pessoas que abandonaram sonhos, que largaram o que gostam porque precisavam trabalhar, tiveram sonhos ceifados e viveram certas privações. Para Seth, elas dão fuga dos problemas cuidando do estilo, vestindo aquilo que gostam, fazendo um esforço para comprar um tênis maneiro e ficar bem no baile.
A divulgação do trabalho de modelo é no perfil do Instagram. Lucas Seth busca um perfil mais chamativo, mostrando que não precisa de uma agência para modelar. Ao olhar o perfil, você vai reparar no estilo. Michael B. Jordan, no estilo do filme Pantera Negra, foi uma referência de estilo para o modelo. A$AP Rocky, marido de Rihanna, também é uma inspiração na vestimenta, assim como Pharrell Williams contribuiu para o seu estilo. Jerry Lorenzo, estilista de Justin Bieber, também fez Lucas comprar muitas roupas.
Apropriação cultural agonia gente preta
Existe toda uma história por trás das tranças. As mulheres, no tempo da escravidão, levavam sementes no cabelo, para que pudessem usar no quilombo quando fugissem das fazendas. Tem uma história de luta, mas muitas pessoas brancas se acham no direito de usar sem o entendimento da carga histórica. Mesmo que seja uma questão mais classista, para Seth, existe uma apropriação cultural por parte de quem não sofreu.
“Apropriação cultural realmente existe, aquele sentimento que fica é de inércia, de gente que está roubando algo que eles nunca quiseram. Eles sempre desprezaram e cuspiram na cara de uma cultura. Simplesmente, do nada, por um apelo midiático, por toda essa coisa que se formou, que é união de moda e mídia, hoje em dia as pessoas querem usar. Para mim, só é apropriação cultural se o cara não vem de onde eu vim”, define Lucas.
Para a artista Amazona MC, apropriar-se de uma cultura é você saber que não veio da sua raça, mas, mesmo assim, não buscar as origens, caçoar, menosprezar ou não respeitar quem criou e de onde veio. Mesmo com o livre arbítrio para ser quem quiser, é necessário respeitar quem criou o caminho para a atual geração andar hoje.
Amazona MC é conselheira de cultura de Joinville, produtora cultural, trancista, dreadmaker, tatuadora, cantora, compositora, mestre de cerimônia, artesã, costureira e estudante. Muita gente preta faz muita coisa ao mesmo tempo e Amazona é uma mulher que faz diferentes tipos de arte. Os clientes da Amazona, em sua maioria, na parte de estilo, fazem tranças raiz, box braids e dreadlock, diferentes tipos de penteados.
Antes de aderir a um estilo ou falar sobre a cultura periférica, é necessário falar com quem vive e observa a realidade da periferia. É preciso respeitar as origens, classe, raça e gênero de quem representa as pessoas que vivem na margem.