Linha tênue: a relação do jovem com os estudos e o mercado de trabalho
Por: Rodrigo Alves Santana
O levantamento realizado pelo Datafolha e divulgado dias antes do primeiro turno das eleições, além das intenções de votos, traçou um perfil dos eleitores indecisos. De acordo com a pesquisa, 19% dos eleitores de 16 a 24 anos ainda não tinham definido um candidato para votar. A indecisão constatada pode ajudar a compreender um dos vários motivos para a dificuldade dessa faixa etária em tomar uma decisão tão importante como a do voto em eleições presidenciais e parlamentares: a escassez de tempo para se dedicar a assuntos que fujam das atividades cotidianas ligadas ao trabalho e ao estudo.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que é vinculado ao Ministério da Educação, divulgou no ano passado o Censo da Educação Superior cujo objetivo é traçar um perfil dos estudantes ao longo da graduação baseado nas taxas de permanência, conclusão e desistência. Os números divulgados são de 2020 a partir da coleta de dados já impactados pela pandemia de Covid-19. Segundo os dados, o percentual de evasão no ensino superior alcançou 37,2% (maior índice da série histórica), correspondendo a 3,78 milhões de estudantes. Se levarmos em conta apenas os cursos de EAD (Educação a Distância), a porcentagem é ainda maior, 40%.
A dupla jornada e as questões de mobilidade são fatores que contribuem para a evasão tanto no ensino médio quanto no superior. Para a professora e historiadora Valdete Daufemback, esse não é um fator isolado. “É evidente que o jovem de baixa renda está em desvantagem no que se refere a oportunidade de seguir na carreira acadêmica, fazendo pós graduação ou fazendo um mestrado em comparação aos que possuem o privilégio de se dedicar integralmente aos estudos. Mas não dá pra generalizar pois esse não é o único fator, há também a questão da dificuldade cognitiva em acompanhar o ritmo da grade curricular e os processos em sala. Ou seja, a dificuldade cognitiva somada a falta de tempo, leva esse jovem a desistência.Tudo isso sem contar com a falta de perspectiva”, argumenta.
A estudante de psicologia Fernanda Miorim (19), trabalha como atendente em uma central de relacionamento de uma operadora de planos de saúde e concilia a função com as demandas de seu curso. Há nove meses na função, Fernanda encara uma jornada diária que tem início a partir das 9h da manhã. Residente do bairro Guanabara, região Sul de Joinville, conta que se tivesse que se locomover apenas com o transporte público, teria que utilizar quatro ônibus de sua jornada diária. “Seriam dois ônibus para chegar no trabalho e mais um para ir até a Univille (Universidade da Região de Joinville) e mais outro para voltar. Por sorte venho para o trabalho de carona com minha mãe”, diz.
As expectativas de Fernanda em relação aos estudos são as melhores. Apesar de gostar do ambiente de trabalho, reconhece que ao final do dia a carga de estresse diante das tantas ligações de queixas de clientes insatisfeitos, contribui para um aumento no cansaço físico e mental. A dinâmica de avaliações na faculdade consiste em relatórios escritos a respeito dos conteúdos discutidos em aula. Para conseguir produzir esses textos, ela precisa de muita concentração e de tempo. É justamente o pouco tempo para conciliar sua vida profissional com a pessoal que angustia a universitária. “Fiquei semanas sem ver meu irmão mais novo e só vejo meu namorado todos os dias porque estudamos na mesma faculdade”, conta. Apesar da rotina atribulada e o estresse inerente à função que realiza, ela diz que ainda não precisou de acompanhamento psicológico.
Equilibrando pratos: graduação, trabalho e os impactos gerados
A psicóloga e gestald-terapeuta Suane Souza atende perfis de pessoas que desenvolveram a síndrome de burnout, que em tradução livre significa síndrome de esgotamento profissional. Para chegar a este diagnóstico diversos fatores são analisados como, por exemplo, verificar se o paciente possui um histórico de ansiedade ou de depressão, já que são estes os pacientes com mais probabilidade de desenvolver a síndrome.
Suane destaca casos onde o trabalho ocupa uma lacuna tão relevante na vida de uma pessoa que a leva a desenvolver um comportamento obsessivo em relação à atividade profissional que possibilita uma propensão a evoluir para um esgotamento mental. Isso tudo, segundo a psicóloga, sem negligenciar o contexto social, econômico e familiar onde esteja inserido o possível portador do burnout.
Para a terapeuta, com advento da pandemia isso se agravou. Ela comenta que, apesar de já haver precedentes antes mesmo do início da transmissão do coronavírus, o isolamento social, trabalho remoto, o risco de contágio atingindo números expressivos, contribuíram para um aumento no diagnóstico de exaustão mental.
A profissional levanta um ponto importante a ser analisado. Muitas empresas que proporcionaram a seus empregados a possibilidade do trabalho remoto, venderam a ideia como uma possibilidade positiva, principalmente no que se refere a flexibilidade de horários. Ainda que existam casos onde realmente isso é praticado de forma saudável, isto é, compreendendo que a depender do perfil do funcionário os resultados podem ser entregues em mais ou menos tempo, outras empresas em detrimento da flexibilidade de horários, cobram entregas de resultados de forma incisiva contribuindo para que em alguns casos, o profissional acabe extrapolando sua carga horária e utilizando horas livres para finalizar atividades da função. Essa pressão por resultados ocorre de forma recorrente, generalizada e em escalas hierárquicas.
A analista de customer service Camila Cristina de Apolinário (28), tem a possibilidade de cumprir sua jornada diária de trabalho sem precisar se deslocar. A empresa em que trabalha é adepta do sistema home office e o MBA em Marketing de Relacionamento e Serviços que ela cursa desde janeiro deste ano é totalmente a distância. A rotina começa às 8h e só encerra às 18h. No trabalho, a função é auxiliar clientes através de chat interno e, em determinadas situações, é responsável por atender demandas via telefone.
“Quando encerro meu expediente às 18h, tudo o que eu quero é ficar no meu cantinho e longe da tela do computador”, afirma. Mas isso nem sempre acontece, já que ela precisa acompanhar as videoaulas que são diárias. A analista utiliza as aulas para anotar suas dúvidas e destacar conteúdos para se aprofundar nos fins de semana. No entanto, Camila é categórica e confessa que não passa o fim de semana totalmente dedicada à leitura e estudos. Justamente o equilíbrio e organização de seu tempo, que a fez procurar um tratamento para o controle da ansiedade. “Por conta de todo o conjunto, trabalho, estudo, término de relacionamento, iniciei um tratamento para controlar a ansiedade há três meses”, conta. Camila acrescenta que este tratamento não inclui sessões com psicólogo. É assistida somente por um médico que lhe prescreve o ansiolítico.
Perfis semelhantes aos de Camila e Fernanda são os que menos conseguem realizar sessões de psicoterapia ou procurar auxílio profissional justamente pela falta de tempo. “Essas pessoas tentam agendar sessões fora do expediente de atendimento do consultório. E são horários em que eu não atendo. Também não atendo aos fins de semana, senão sou eu que corro o risco de entrar em bornout”, brinca Suane.
Crises depressivas são cada vez mais comuns e são casos que se diferenciam de outros que, até então, eram parâmetro aos profissionais da psicologia. De acordo com a terapeuta, as nossas demandas cotidianas baseadas em alta produtividade, status social, liquidez nas relações, poder econômico e etc, são pontos chave para o desenvolvimento desses transtornos psíquicos. Entretanto, nem sempre os portadores se convencem disso. “Muitas vezes eu tive que convencer alguns pacientes de que eles precisavam de um atestado. De que era necessário se ausentar do trabalho.”
A profissional aponta a importância de se discutir o assunto não só pelos precedentes ditos acima, sobretudo, porque quando o impacto do cansaço mental gera problemas de saúde por causa do trabalho e/ou estudo, mostra que o desgaste mental é tão grande que o corpo acaba afetado. “Quando se trata de um esgotamento mental há possibilidades da pessoa ir trabalhando as emoções, trabalhando a mente encontrando recursos para se proteger, para saber lidar com isso. Mas quando atinge o corpo indica que esse sofrimento atravessou absolutamente todos os níveis da vida da pessoa.” argumenta a psicóloga.
Esse processo de robotização profissional, de inúmeras cobranças internas e externas, tem levado muitas pessoas a abandonarem atividades que lhe proporcionam um bem estar físico e mental, como, por exemplo, recordar dos sonhos e metas pessoais. Resgatar isso é um processo que Suane denomina de re-humanização.