Materiais recicláveis representaram 6,76% dos resíduos coletados pela Ambiental em março, em Joinville
Dados revelam desafios sobre a gestão de resíduos e a educação ambiental na cidade
Por: Bárbara Siementkowski
Costuma-se dizer que buscar uma sociedade sustentável é papel de todos. Porém, o que é necessário para que essa busca seja efetiva? Em Joinville, ações são realizadas, como a coleta seletiva, trabalho de cooperativas, ações educacionais e eventos. Entretanto, o índice de reciclagem ainda é baixo, o que mostra que educação ambiental é um assunto complexo e desafiador.
Segundo a Ambiental, empresa responsável pela coleta de lixo e gestão de resíduos em Joinville, de janeiro a outubro de 2022, foram coletados uma média de 11.468 toneladas de resíduos por mês na cidade. Deste total, apenas 557 toneladas, que representa aproximadamente 5%, foi a quantidade recolhida de materiais recicláveis pela coleta seletiva no período. Ou seja, 95% dos resíduos coletados foram encaminhados diretamente para o Aterro Sanitário.
Estes dados mostraram a expressiva quantidade de resíduos que não foi reciclada ou separada para a coleta seletiva durante o período, o que gera mais poluição e impacta negativamente o meio ambiente.
Entretanto, dados divulgados pela Prefeitura de Joinville nesta segunda-feira, 17, revelaram uma possível melhora nesses índices. Segundo a Unidade de Limpeza Urbana da Secretaria de Infraestrutura Urbana (Seinfra), houve um aumento de 50,47% do número de cargas de materiais recicláveis coletadas pela empresa Ambiental, quando comparados março de 2022 e março de 2023.
A proporção de materiais recicláveis coletados em relação aos resíduos comuns também aumentou quando comparados estes mesmos períodos. Enquanto em março do ano passado os recicláveis representaram 4,23% do total geral da coleta de Joinville, no mesmo mês, neste ano, esses materiais chegaram a 6,76%.
Ainda assim, apesar dos números apresentados serem melhores que a média nacional, Joinville enfrenta desafios e dilemas relacionados à gestão de resíduos, ações educacionais e investimentos na área.
Assecrejo – Associação Ecológica dos Catadores e Recicladores de Joinville
Por cima de um grande muro pintado de azul é possível avistar um galpão, com maquinários, materiais e pessoas trabalhando. É ali, naquela rua do bairro Aventureiro que funciona a Assecrejo, a Associação Ecológica dos Catadores e Recicladores de Joinville.
A Assecrejo é uma das seis cooperativas cadastradas no município para receber o material reciclável da coleta seletiva da Ambiental. Severino Tavares Nunes, conhecido como Primo, coordena a associação e explica que 99% dos materiais que eles recebem, vem da coleta seletiva. O processo do material começa a partir das baias: “A Ambiental traz e descarrega os materiais nas baias, não vem de apenas um bairro específico, mas de várias regiões da cidade. Depois que a Ambiental descarrega, inicia o processo de separação”, explica.
Para Primo, separar o material reciclável e garantir o destino certo através da coleta seletiva e das cooperativas beneficia toda uma cadeia sustentável. “O que acontece é que, muitas vezes, quando a gente não manda nossos resíduos pela coleta, eles podem acabar sendo jogados nos mangues ou sendo queimados, isso porque nem todo material tem valor no mercado e muitas pessoas que pegam os resíduos na rua acabam se desfazendo destes que não tem valor”. Geralmente os materiais que mais têm valor são as latinhas de alumínio, por isso, muitos outros tipos de materiais (como o isopor e sacolas de supermercado) que poderiam ser mandados para as cooperativas são descartados.
Ele ainda explica que o trabalho das cooperativas cadastradas no município, como a própria Assecrejo, não tem fins lucrativos e também cumpre um papel social. “Os resíduos que vão para as cooperativas beneficiam todas as pessoas que trabalham nelas. E são pessoas que já estão em uma classe social de maior vulnerabilidade e que muitas vezes não encontram espaço no mercado de trabalho”, diz Primo.
Na cooperativa trabalham 17 pessoas e a Assecrejo realiza ações para resgatar a cidadania e valorizar esses trabalhadores. “Já tiramos muitas pessoas das drogas e do alcoolismo”, relata. Eles também recebem profissionais que fazem diversos tipos de palestras com temas relacionados à saúde, motivação e outros. “Hoje eu vejo o trabalho da reciclagem como um trabalho digno, como qualquer outro, e eu trabalho para que seja assim, mas ainda existe muito preconceito por parte das pessoas”.
Atualmente são coletadas cerca de 90 toneladas de material reciclável pela Assecrejo, mas Primo entende que este número poderia ser maior. Para ele, falta educação ambiental para a população.
“A educação ambiental tem que ser contínua, para você ter uma noção hoje aqui a gente recebe cachorro morto, teste de covid, absorvente, papel higiênico e muitas vezes recebemos grandes quantidades desses materiais, vindo até mesmo de ‘pessoas jurídicas’”.
Segundo dados da Ambiental, aproximadamente 20% do que é encaminhado para as cooperativas é descartado por serem materiais não possíveis de serem reciclados ou que vão de forma que impede a reciclagem, como, por exemplo, as embalagens de marmitas de isopor que chegam com restos de comida ou sujas.
Desafios da gestão de resíduos em Joinville
Apesar dos impactos significativos da reciclagem no meio ambiente, este ainda é um assunto que precisa ser mais discutido e estudado. A própria Assecrejo realiza ações de educação ambiental através de uma peça de teatro, que já foi apresentada em instituições da cidade, como em escolas e também faculdades.
Em Joinville, ações também são promovidas pelo coletivo Lixo Zero Joinville, entre as mais marcantes está a Semana Lixo Zero.
Na última edição, que aconteceu em 2022, cerca de 120 ações foram realizadas por toda a cidade. Entre essas ações estão atividades educativas em escolas, mutirões de limpeza e recolhimento de materiais nas ruas, palestras e oficinas. Na ocasião, mais de 40 toneladas de resíduos foram recolhidas das ruas e encaminhadas para os destinos corretos.
Arthur Rancatti, cofundador do coletivo Joinville Lixo Zero e Embaixador Lixo Zero do Instituto Lixo Zero Brasil, conta que o coletivo surgiu em 2013, a partir da organização do 1º Congresso da Juventude Lixo Zero, um ano depois o Juventude Lixo Zero se tornou o Coletivo Lixo Zero.
“Desde 2013 realizamos ações em prol da gestão de resíduos da cidade. Só que naquela época o evento ainda era novo, o conceito Lixo Zero também era novo, então não tinha uma capilaridade. Mas com o passar dos anos o evento foi criando um corpo tão grande que as ações começaram a partir da própria comunidade.”
Ainda assim, Arthur entende que existem muitos desafios na gestão de resíduos em Joinville. Para ele, Joinville tem pouco investimento na educação ambiental. Além disso, falta estrutura para as cooperativas e também falta a população entender que ela precisa fazer a separação dos materiais para a coleta seletiva.
“Por exemplo, hoje Joinville está investindo milhões de reais em uma unidade de recuperação energética para tratar resíduo não reciclável. Em contrapartida, na reciclagem, compostagem ou educação ambiental não temos o mesmo montante de investimento, então estamos sempre tratando o problema e nunca a causa.”
Arthur analisa que ao invés de investir em uma unidade de recuperação energética para tratar o que está sendo mandado para o aterro, este dinheiro poderia ser investido em ações que incentivam o destino correto dos materiais, como a reciclagem e a compostagem. Além de que, segundo ele, metade do resíduo não reciclável é orgânico, ou seja, é água e não vira energia e a outra metade são os recicláveis que deveriam ir para as cooperativas.
“A usina incinera os resíduos e nós do coletivo Lixo Zero somos contra qualquer tipo de queima de resíduo. Além de ser uma tecnologia obsoleta, ela deseduca a população, já que não traz a mensagem da separação dos resíduos e é um investimento muito alto que poderia estar indo para ações de compostagem e cooperativas de reciclagem.”, afirma Arthur.
O conceito lixo zero parte da não geração, portanto se não há geração de lixo não há o que queimar. Agora, quando há geração, que seja encaminhado para reciclagem ou compostagem.
“Resíduo sólido sempre foi empurrado com a barriga em nosso país e Joinville é uma cidade cheia de tecnologia, industrial e não consegue chegar a 10% de reciclagem, por quê? Porque não tem investimento concreto na área.”
Quais os dilemas e limitações da Educação Ambiental?
Em um artigo intitulado “Qual educação ambiental? Elementos para um debate sobre educação ambiental e extensão rural”, a psicóloga e doutora em educação, Isabel Cristina de Moura Carvalho, explica que é complexo falar sobre educação ambiental e nos mostra duas vertentes dela: a educação ambiental comportamental e a educação ambiental popular.
A primeira tem como perspectiva a educação como um agente difusor de conhecimentos a respeito do meio ambiente e como forma de mudar hábitos e comportamentos. A educação ambiental comportamental também vê nas crianças o principal público dessas ações, uma vez que, por estarem em processo de desenvolvimento, supõe-se que a consciência ambiental por ser melhor internalizada do que aqueles grupos que já têm comportamentos formados.
Já a educação ambiental popular vê que o processo de educação está relacionado com a formação de sujeitos políticos, que veem a sociedade com um olhar crítico. Segundo a pesquisadora, mais do que o foco no comportamento, a educação ambiental popular entende que a relação do ser humano com o meio ambiente está dentro de um contexto social.
Entre as limitações da educação ambiental, a pesquisadora discute que novos comportamentos não necessariamente induzem uma transformação significativa. “Uma pessoa pode aprender a valorizar um ambiente saudável e não poluído, ter comportamentos tais como não sujar as ruas e participar dos mutirões de limpeza do seu bairro. Essa mesma pessoa, no entanto, pode considerar adequada a política de produção e transferência de lixo tóxico para outra região. Numa perspectiva individualista, isto preserva seu meio ambiente imediato, a despeito do prejuízo que possa ter, por exemplo, para outras populações afetadas por estes resíduos tóxicos.” escreve Carvalho.
Nesse sentido, também se discute sobre tênue linha entre educação ambiental, empoderamento e responsabilização. O documentário produzido pela BBC, intitulado “Why Plastic?” questiona a responsabilização de grandes empresas na geração do lixo e explica o termo “Greenwashing”, que é o nome dado para empresas que se apropriam de causas ambientais apenas como artifício de marketing.
Arthur entende como uma responsabilidade coletiva, do consumidor, do comerciante e do fabricante. “Eu penso que a responsabilidade é dos três, por exemplo, uma garrafa PET, eu teria que devolver onde comprei e o comerciante deveria devolver para o fabricante. Mas também temos a coleta seletiva, que entrega os materiais para as cooperativas, então nada mais justo que esses fabricantes investirem nas cooperativas. Inclusive, a política nacional dos resíduos sólidos fala sobre a responsabilidade compartilhada.”